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Sergio Duarte

Acordo para pôr fim à Guerra da Ucrânia passa longe da ideia de luta entre o bem e o mal

Despertar vontade política nos dois lados do conflito demanda defender soberania de Kiev e entender ótica de Moscou

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Sergio Duarte

Embaixador, foi alto representante das Nações Unidas para Assuntos de Desarmamento. É presidente das Conferências Pugwash sobre Ciência e Assuntos Mundiais

A invasão da Ucrânia pela Rússia, que já dura um ano sem que se possa antever seu fim, constitui uma violação flagrante do direito internacional. A Carta das Nações Unidas proíbe o uso da força contra a integridade territorial ou a independência política de qualquer país e impõe a obrigação de resolver as controvérsias por meios pacíficos. A anexação de territórios pela força não é admissível.

A guerra já causou deslocamento e êxodo de dezenas de milhares de pessoas e, até aqui, a morte de pelo menos 250 mil combatentes e civis dos dois lados, além de destruição generalizada. As consequências econômicas e sociais afetam muitos países, comprometendo a paz e a segurança internacional.

Mikola Berezik, padre ortodoxo, ao lado de soldados da Ucrânia na região de Donetsk, a leste do país
Mikola Berezik, padre ortodoxo, ao lado de soldados da Ucrânia na região de Donetsk, a leste do país - Iasuiochi Tchiba - 22.fev.23/AFP

A "suspensão temporária" do acordo Novo Start anunciada por Moscou sinaliza o abandono dos esforços de controle de armamentos nucleares entre a Rússia e os EUA. A aterradora possibilidade de uso dessas armas tem sido temerariamente mencionada. A situação atual torna imperativa a eliminação desse risco e a busca urgente de uma paz duradoura. A questão, porém, é extremamente complexa.

Guerras costumam terminar de dois modos: pela derrota de um dos contendores ou mediante acordo. Nos termos da Carta da ONU, o Conselho de Segurança pode impor medidas obrigatórias para restaurar a paz. Mas, em sua qualidade de membro permanente, a Rússia dispõe de poder de veto sobre as decisões.

Na ausência de uma solução militar, Rússia e Ucrânia terão que ser convencidas a negociar. Para isso, é necessária ação diplomática esclarecida tanto de parte das potências interessadas quanto de outros países mais distantes do conflito. O Brasil possui todas as condições para dar uma contribuição positiva.

A negociação somente é viável quando há vontade política. Caso seja possível levar Rússia e Ucrânia à mesa de diálogo, é importante que ambos percebam mais vantagens do que perdas em um eventual acordo. Particularmente difícil será encontrar entendimento sobre os territórios contestados no leste da Ucrânia, inclusive a Crimeia, anexada pela Rússia em 2014.

A ONU tem vasta experiência na administração temporária e em operações de paz em áreas antes conflagradas. O custo é significativamente inferior aos da guerra. É preciso também estabelecer medidas eficazes de desmilitarização, reconstrução e fortalecimento da confiança entre as partes.

Para a Ucrânia, será fundamental contar com garantias sólidas de sua existência como nação independente e da inviolabilidade de suas fronteiras. Vale recordar que, no início do conflito, o presidente ucraniano descartou a opção de vir a pleitear ingresso na Otan, a aliança militar do Ocidente.

À Rússia é crucial que o resultado não seja percebido como ameaça existencial ou humilhação infligida pelo Ocidente. Um acordo terá de reconhecer a legitimidade dos interesses de segurança de todas as partes, o que significa escolhas difíceis àqueles que veem no conflito uma luta épica entre o bem e o mal.

Não se pode ainda vislumbrar o desfecho da guerra, mas é importante intensificar esforços para a busca da paz. Qualquer que venha a ser, o acordo deverá ser erguido sobre a base dos objetivos consagrados na Carta da ONU e poderá até mesmo contribuir para aperfeiçoar o atual modelo de convivência entre as nações e facilitar a construção de um paradigma de segurança global inclusivo e não discriminatório.

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