Putin anuncia míssil nuclear e mais hipersônicos na véspera do 1º ano da guerra

Presidente russo volta a fazer ameaças nucleares, mas modelo pode ter falhado em teste

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

São Paulo

Na véspera do aniversário de primeiro ano da Guerra da Ucrânia, o presidente russo, Vladimir Putin, voltou a fazer ameaças nucleares contra o Ocidente ao prometer a entrada em serviço de um novo míssil dois dias depois de suspender a participação de seu país no último tratado de controle dessas armas.

O líder do Kremlin também disse que "dará atenção à tríade nuclear", jargão para os meios de emprego de ogivas nucleares —mísseis em solo, bombardeiros e submarinos—, e anunciou a produção em massa de dois dos três hipersônicos já em operação, o Kinjal (lançado de caças) e o Tsirkon (usado em navios).

Míssil intercontinental Sarmat é lançado do cosmódromo de Plesetsk, na Rússia
Míssil intercontinental Sarmat é lançado do cosmódromo de Plesetsk, na Rússia - 20.abr.22/Ministério da Defesa da Rússia via Reuters

Com efeito, a primeira fragata equipada com o Tsirkon, a Almirante Gorchkov, aportou na quarta na África do Sul para exercícios com a Marinha local e navios da China, o que não passou despercebido nos EUA.

O anúncio, feito no Dia do Defensor da Pátria na Rússia, deve ser lido no contexto da escalada de tensões com Washington e seus aliados, em especial acerca do novo míssil, já que há dúvidas sobre a capacidade de introduzir em grande quantidade no seu arsenal o RS-28 Sarmat, conhecido como Satã-2 no Ocidente.

O modelo é uma das "armas invencíveis" apresentadas por Putin em 2018. Trata-se do mais avançado modelo intercontinental do mundo, podendo levar de 10 a 15 ogivas nucleares ou 24 planadores hipersônicos Avangard, também com cargas atômicas, a alvos até 18 mil km distantes.

Ele já foi testado com sucesso, mas há indícios de que um ensaio nesta semana fracassou. A Rússia emitiu uma notificação de aeronavegabilidade informando a trajetória de um lançamento da base de Plesetsk, no noroeste do país, até o campo de provas de Kura, em Kamtchatka, a mais de 6.000 km.

Era o desenho clássico de um teste de míssil intercontinental, previsto para qualquer momento entre o dia 17 ao 22. Nada aconteceu, e a rede americana CNN disse que o Sarmat foi lançado na segunda, quando o presidente Joe Biden fazia sua histórica visita a Kiev, mas falhou na separação de seu segundo estágio.

A Folha ouviu a mesma descrição de um analista militar moscovita especialista em forças nucleares, que falou com a reportagem em condição de anonimato. Questionado sobre o tema, o porta-voz do Kremlin, Dmitri Peskov, afirmou que o assunto era da alçada do Ministério da Defesa —que não fez comentários.

"O Sarmat quase certamente não entrará em operação neste ano", disse no Twitter Hans Kristensen, diretor do Projeto de Informação Nuclear da Federação dos Cientistas Americanos, citando o teste.

Seja como for, falhas em ensaios ocorrem, e o Sarmat é uma realidade que serve à agressiva retórica de Putin ante o Ocidente, com quem o russo diz já estar numa guerra por procuração na Ucrânia. Até janeiro, Kiev recebeu o equivalente a dez vezes seu orçamento de defesa em ajuda militar, a maior parte dos EUA.

Na terça-feira (21), o presidente russo anunciou em discurso sobre o Estado da União ao Parlamento que havia suspendido a participação russa no Novo Start, o último dos tratados de controle de armas em vigor —os outros dois pactos foram enterrados pelo governo Donald Trump.

Na prática, isso significa o fim de inspeções mútuas e trocas de documentos que já estavam travados devido à guerra. Os russos dizem que vão respeitar a limitação de ogivas estratégicas operacionais (1.550 para cada lado) e meios de emprego previstos no tratado até sua expiração, em 2026.

A decisão tem um motivo, segundo o analista russo: Moscou não teria como aumentar imediatamente sua capacidade de emprego de armas nucleares, diferentemente dos EUA. Putin tem um arsenal nominal maior do que o dos EUA, mas não há tantos mísseis capazes de carregar as ogivas em reserva.

De qualquer maneira, o fim do Novo Start, assinado em 2010 e em vigor desde 2012, irritou os EUA por um motivo adicional. Sem um arcabouço pronto para negociações, a intenção de Washington de incluir a China em um futuro tratado fica ainda mais difícil —Pequim tem estimadas 320 ogivas operacionais, mas o Pentágono diz que, em uma década, poderá ter um nível semelhante ao dos russos e dos americanos.

Desde as vésperas da invasão, quando fez um grande exercício de forças estratégicas, Putin lança mão de ameaças nucleares para lembrar o Ocidente sobre sua condição de potência no setor. A fala anunciando a guerra destacou que interferências externas seriam punidas de forma inédita na história, um recado claro.

De lá para cá, houve testes, inclusive um com o Sarmat, e muita saliva gasta por autoridades russas. De forma geral, o Ocidente tem sido cauteloso, ampliando o envio de armas a Kiev de forma gradual.

De tempos em tempos, é especulado que Putin poderia usar uma arma nuclear tática, de uso pontual contra tropas, na Ucrânia, mas o próprio presidente disse que isso seria inútil militar e politicamente.

A guerra, que o mundo acreditava que duraria poucas semanas, completa um ano nesta sexta (24). Na frente de batalha, os russos seguem apertando o cerco no leste, principalmente nas ruínas de Bakhmut, visando a controlar áreas em mãos ucranianas das regiões que Putin anexou ilegalmente em setembro.

O movimento ocorre desde o fim de 2022, com avanços de Moscou, mas não decisivos, apesar da melhora da posição russa com a entrada em combate de parte dos 320 mil reservistas mobilizados em setembro e outubro. A guerra segue estagnada, sem nenhum dos lados com a perspectiva de derrotar o outro.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.