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Documentário conta vida de socialite vista por Nixon como culpada por Watergate

'O Efeito Martha Mitchell', indicado ao Oscar, explora trajetória de fofoqueira que apressou queda de presidente dos EUA

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São Paulo

Martha Mitchell (1918-1976) foi uma socialite e fofoqueira que secundariamente apressou a queda do presidente Richard Nixon, em 1974, no desfecho do escândalo de Watergate. Ela é retratada no documentário "O Efeito Martha Mitchell", dirigido por Anne Alvergue e indicado ao Oscar deste ano.

O filme é um recorte biográfico dessa senhora, não uma reconstituição da queda de um presidente. Nixon caiu em razão de Bob Woodward e Carl Bernstein, repórteres do Washington Post, que revelaram seu envolvimento direto no episódio de junho de 1972, uma operação abortada que instalaria escutas no comitê eleitoral de adversários do Partido Democrata. O republicano Nixon disputava a reeleição.

A socialite Martha Mitchell em cena presente no documentário 'O Efeito Martha Mitchell', indicado ao Oscar
A socialite Martha Mitchell em cena presente no documentário 'O Efeito Martha Mitchell', indicado ao Oscar - Divulgação

Martha era a mulher de John Mitchell, então procurador-geral dos Estados Unidos e pela segunda vez chefe da campanha presidencial. O documentário nada diz do primeiro casamento dela, que durou 11 anos. Ela se divorciou em 1957 e em seguida se casou com Mitchell, um advogado em ascensão.

Ela tinha uma língua muito comprida. Tornou-se durante o primeiro mandato do presidente um personagem popular em Washington. Cultivava problemas com a bebida e, nos momentos de euforia, era capaz de telefonar de madrugada para outros ministros —e o fez certa vez ao próprio presidente.

"O que a senhora disse para ele?", perguntou um repórter de TV. "Sempre dou bons conselhos", respondeu.

Era comovente o simplismo com que concebia a política. Afirmou certa vez que desejava "mais amor" nas relações dos EUA com outros países. Em lampejos de sinceridade descontrolada, declarou que a Guerra do Vietnã "fedia" e que o senador Barry Goldwater, um extremista de direita, "deveria ser crucificado".

Mitchell, discursando num banquete, disse não ter nenhum controle sobre a língua de sua mulher. "Ela é um míssil desgovernado." Ela, o marido e o presidente estavam na Califórnia quando a polícia prendeu, em Washington, o comando que irrompeu os escritórios democratas. Nixon e Mitchell voaram imediatamente para a capital. Um dos presos desastrados em Watergate era guarda-costas da filha do procurador.

Mitchell e o presidente não levaram Martha no avião. Ela acordou desconsolada. Leu os jornais e passou a ligar para os jornalistas amigos. Disse desconfiar de que Nixon estava envolvido, porque, caso contrário, ela estaria ao lado dele e do marido. Fazia sentido, mas tais inconfidências só alimentavam a impressão de que Watergate, nome do prédio em que as escutas seriam instaladas, era um imenso escândalo.

O fato é que Martha se separa do marido, e ele, também objeto de investigações policiais, deixa o governo e evita frequentar Nixon e seus mais próximos amigos. Com a separação do casal, a importância política de Martha diminui sensivelmente. Ela não é mais a proprietária de informações de bastidores. Telefona para seus cúmplices da mídia, mas alguns começam a se recusar a atendê-la.

O documentário é lacônico sobre esse período. Sabe-se, no entanto, que Martha atravessa dificuldades materiais, tanto que vendeu os vestidos com que frequentava as recepções na Casa Branca. Os advogados dela não conseguem tirar de Mitchell o dinheiro que ela acredita ter o direito de dividir.

Na verdade, Mitchell vende a uma editora os direitos de publicação de suas memórias. Mas não chega a assinar um contrato. Ele sabia que, se o fizesse, a ex-mulher reivindicaria parte dos direitos autorais.

É um período em que o primeiro time de Washington está todo modificado, com a Presidência assumida por Gerald Ford, depois da renúncia de Nixon. E Martha segue ladeira abaixo. Aparentemente perde o controle sobre o consumo de álcool e se descuida da saúde. Ela morre em 31 de maio de 1976. Equipes de televisão registram seu caixão num pedestal à beira da sepultura.

Martha tinha apenas 56 anos. Não viveu o suficiente para tomar conhecimento do conteúdo das fitas que Nixon, assoberbado pela perspectiva da própria queda, gravou no Salão Oval da Casa Branca. Numa dessas fitas ele diz que, "se não fosse por Martha Mitchell, não haveria o Watergate".

Psicólogos criaram a expressão "efeito Martha Mitchell", que dá título ao filme. A expressão designa o momento em que o profissional de saúde desconfia que o paciente tem compreensão exata do que está acontecendo, mas isso não é reconhecido, e o diagnóstico é formulado sem que se leve o paciente a sério.

O Efeito Martha Mitchell

  • Onde disponível na Netflix
  • Classificação 12 anos
  • Produção EUA, 2022
  • Direção Anne Alvergue
  • Duração 40 min.
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