Descrição de chapéu
Diplomacia Brasileira Governo Lula

Financiamentos externos do BNDES pouco serviram à integração regional

Principal nódoa deixada pela medida é de caráter político, pelo dano causado à política externa brasileira

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Diogo Schelp

O presidente do BNDES, Aloizio Mercadante, em entrevista ao UOL na segunda (13), minimizou as preocupações com a retomada dos financiamentos externos para obras de infraestrutura, classificando-as de "assunto ideológico" e afirmando que o calote dado por países beneficiados "nunca foi relevante".

A polêmica em torno da atuação do banco no fomento à exportação de serviços de engenharia, porém, não se restringe ao risco de inadimplência. Reconhecer esse fato é importante para um governo que quer retomar a internacionalização de empreiteiras brasileiras sob novas regras, evitando erros do passado.

A principal nódoa deixada pelo financiamento das obras no exterior é justamente de caráter político, entre outros motivos pelo dano causado à política externa brasileira, especialmente na América Latina.

Logo do Banco Brasileiro de Desenvolvimento, o BNDES, na entrada de sua sede, no Rio
Logo do Banco Brasileiro de Desenvolvimento, o BNDES, na entrada de sua sede, no Rio - Nacho Doce - 11.jan.17/Reuters

A origem desse dano está no duplo discurso a que governos do PT recorreram para justificar as operações financiadas pelo BNDES na região. Havia o discurso adotado dentro do Brasil, para convencer a população de que era bom negócio empenhar recursos fortemente subsidiados pelo Tesouro Nacional para realizar obras no exterior, apesar do crédito escasso para resolver nossas próprias deficiências em infraestrutura.

E havia o discurso apresentado externamente pela diplomacia brasileira, em comunicados oficiais e viagens do presidente, de que o banco de desenvolvimento estava sendo colocado à disposição dos vizinhos para reduzir as desigualdades sociais da região e promover a integração da América Latina.

Um discurso não excluía o outro, necessariamente. No mundo ideal, os financiamentos externos gerariam, para o Brasil, empregos e saldos positivos na balança comercial; para os países onde as obras foram contratadas, melhorias para a população e os benefícios da interligação da infraestrutura regional. Na prática, porém, muitas dessas expectativas foram frustradas. São três os motivos para isso.

Primeiro, os contratos com financiamentos do BNDES acabaram nas mãos de poucas empreiteiras, processo iniciado ainda no segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso. Entre 2000 e 2016, as obras tocadas apenas por Odebrecht e Andrade Gutierrez receberam 88,8% dos recursos para a América do Sul.

Assim, um seleto grupo de construtoras passou a ter um forte incentivo para influenciar a política externa, com vistas a manter e a incrementar seus negócios junto aos melhores países-clientes.

A Odebrecht, no caso da Venezuela, chegou a estabelecer uma estratégia de lobby em duas frentes, investindo tanto na proximidade com o governo brasileiro quanto em uma relação privilegiada com o regime chavista, que lhe concedia volumosos contratos, alguns sem licitação. Em contrapartida, a empresa aceitava, por exemplo, defender interesses do governo venezuelano no Brasil, como ocorreu em 2009, quando seus executivos atuaram para convencer senadores brasileiros a votar a favor da ratificação da entrada da Venezuela no Mercosul, conforme documentado em emails da empresa.

Segundo, porque quando estouraram os desdobramentos internacionais dos escândalos de corrupção envolvendo essas empresas revelados pela Operação Lava Jato, a credibilidade da política externa do Brasil na região sofreu um baque. Lula, em especial, havia explorado de tal forma as obras tocadas por empreiteiras brasileiras como instrumento de diplomacia que a atuação das empresas se confundiu, aos olhos das populações e das lideranças locais, com a de seu governo.

Em estudo publicado em 2019, Karen dos Santos Honório lembra que, ao mencionar projetos de irrigação que o BNDES estudava financiar no Equador, Lula disse que eles "beneficiariam milhões de equatorianos", um discurso que, na avaliação da pesquisadora, contribuía para uma "visão romanceada do aspecto business dessas negociações" e que acabava produzindo "expectativas ambíguas" em situações de crise.

O ápice dessa ambiguidade do discurso diplomático nos governos do PT pode ser verificado nos desdobramentos da Lava Jato no Peru, que levaram três ex-presidentes à prisão e, em um caso trágico, ao suicídio. Esses escândalos ficaram intimamente ligados à imagem do Brasil naquele país.

Terceiro, as promessas de usar os financiamentos do BNDES para promover a integração regional não se confirmaram. Um levantamento feito pela pesquisadora Bárbara Carvalho Neves, em 2020, revela que uma parcela ínfima, 8,5%, dos financiamentos do BNDES entre 2000 e 2018 para obras de infraestrutura na América do Sul foram para projetos de integração regional. Quase todos os recursos foram para obras de interesse doméstico, como a construção de linhas de metrô em Caracas, na Venezuela, pela Odebrecht.

Apesar do risco da ambiguidade e da repetição de erros do passado, com efeitos danosos para a diplomacia brasileira, o discurso de Lula em seu terceiro mandato se assemelha ao de seus governos anteriores, ora apresentando os financiamentos do BNDES como uma "ajuda" aos países vizinhos, ora como um ótimo negócio para o Brasil. De qualquer forma, Mercadante diz que não há empreiteiras interessadas em exportar seus serviços via BNDES. Por enquanto.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.