George Santos não explicou origem de R$ 2 mi usados em sua campanha nos EUA

Despesas lançadas sem recibo ou destinatário apertam cerco contra deputado republicano envolto em suspeitas

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Nova York | The New York Times

O deputado republicano George Santos gastou a verba de sua campanha eleitoral de vários jeitos extravagantes —de estadias em hotéis de luxo em Las Vegas e Palm Beach, na Flórida, até uma quantidade incomum de pagamentos de exatamente US$ 199,99 (cerca de R$ 1.040), US$ 0,02 (R$ 0,10) a menos do que o necessário para apresentar recibos, de acordo com a legislação eleitoral americana.

Mas, no fundo da pilha de documentos oficiais da campanha, uma apuração do The New York Times encontrou outro número interessante: US$ 365.399, ou R$ 1,9 milhão, em gastos sem explicação.

O deputado republicano George Santos na Câmara dos Representantes, em Washington
O deputado republicano George Santos na Câmara dos Representantes, em Washington - Saul Loeb - 7.fev.23/AFP

Os lançamentos misteriosos, que não incluem destinatários ou recibos, representam 12% do total de despesas da campanha, uma porcentagem muito maior do que o normal em casos do tipo. Políticos que, como ele, concorreram à Câmara por Nova York, deixaram de detalhar até 2% de seus gastos no pleito.

Sem esse tipo de explicação nos relatórios apresentados à Comissão Eleitoral Federal (FEC, na sigla em inglês), é impossível determinar se Santos usou recursos de campanha para fins eleitorais ilegítimos.

Especialistas em legislação eleitoral afirmam que os R$ 1,9 milhão em despesas não explicadas não são necessariamente ilegais, mas sugerem no mínimo bastante desleixo, senão uma tentativa de encobrir gastos que violavam as leis que regulamentam financiamentos de campanha.

Os gastos sem explicação integram uma série de irregularidades encontradas em quase todos os aspectos contábeis da campanha de Santos. Vários doadores afirmaram que a campanha e grupos associados distorceram os valores doados. Documentos financeiros mostram discrepâncias entre as quantias que a campanha declarou ter gastado e aquelas que os seus destinatários —como outros candidatos republicanos, por exemplo— relataram ter recebido.

Quando a campanha alterou seus registros —36 vezes—, alguns pagamentos aumentaram de valor, enquanto outros desapareceram. E, embora outros candidatos de Nova York listem US$ 26 mil (quase R$ 135 mil) em doações de Santos, as contribuições não aparecem em sua prestação de contas.

Bill McGinley, advogado de um dos doadores e ex-advogado geral do Comitê Nacional Republicano do Senado, examinou alguns dos relatórios contábeis da campanha do deputado filho de brasileiros e afirmou que eles "são uma bagunça, não fazem o menor sentido".

Eleito em novembro, Santos enfrenta vários inquéritos criminais e éticos após revelações de que mentiu sobre sua família, seu grau de escolaridade e seu histórico profissional. Suas mentiras culminaram em inúmeros pedidos de renúncia e suspeitas sobre como ele angariou e gastou o dinheiro de sua campanha. Os inexplicáveis R$ 1,9 milhão que constam nas declarações de campanha são um exemplo claro disso.

Santos lançou sua segunda candidatura a uma vaga na Câmara por Nova York no início de 2021, poucos meses depois de perder para o democrata Thomas R. Suozzi.

Desde o início de sua campanha, ele gastou muito, viajando para longe de seu distrito para participar de eventos de arrecadação de fundos, embora não tivesse nenhum adversário declarado.

Nos primeiros três meses de 2021, por exemplo, relatou ter gasto mais de US$ 5.000 (cerca de R$ 26 mil) em passagens aéreas e estadias em hotéis em West Palm Beach, na Flórida, e na capital, Washington.

No final de 2021, seus gastos seguiam aumentando. Ele desembolsou quase US$ 90 mil (R$ 468 mil) em dezembro, fazendo viagens para Kansas e Michigan, conforme registros de janeiro de 2022.

As despesas dessas duas viagens foram detalhadas até 19 de dezembro. Os relatórios mostram que Santos gastou US$ 266,66 (R$ 1.388) em cinco viagens de Uber e táxis, assim como US$ 828,78 (R$ 4.314) em estadias no Hyatt Regency, no Kansas. Ele também listou gastos de US$ 140,54 (R$ 732) com alimentação, incluindo US$ 60,54 (R$ 316) no Tokyo Sushi e Grill em Auburn Hills, em Michigan.

Em abril, no entanto, Santos parece ter adotado uma nova estratégia contábil. Ele incluiu gastos de mais de US$ 250 mil (quase R$ 1,3 milhão) em mais de 1.200 pagamentos a "anônimo", quase todos de US$ 199,99. Alguns desses pagamentos, destrinchados anteriormente pelo Washington Post, foram incluídos em relatórios de despesas mais antigas; nenhum deles tinha qualquer descrição além das datas.

Santos usou os registros de abril para alterar algumas de suas despesas, aumentando o custo de algumas delas para US$ 199,99. O custo das cinco corridas de Uber e de táxi de 19 de dezembro aumentou para US$ 445,22 (R$ 2.318), e a conta do Tóquio Sushi e Grill subiu para US$ 199,99. Houve também três novas despesas naquela data, cada uma no valor de US$ 199,99, pagas a "anônimo".

Em maio, Santos voltou a modificar seus relatórios. Ele eliminou todos os itens individuais pagos a anônimos, bem como a refeição no Tóquio Sushi e Grill, mas o registro ainda incluía os US$ 250 mil em despesas, sem mais detalhes, datas ou explicações.

Nas últimas etapas da campanha, Santos listou pequenos valores gastos com gasolina, alimentação e material de escritório. Mas continuou incluindo despesas sem incluir recibos ou identificar a data ou o destinatário dos pagamentos, com os gastos não detalhados aumentando para aqueles US$ 365.399,08.

As campanhas não precisam esmiuçar ou fornecer recibos para despesas inferiores a US$ 200. Mas, se elas gastarem mais de US$ 200 com um único fornecedor –mesmo que divididos em várias transações–, serão obrigadas a voltar e detalhar cada despesa.

Se Santos sugerisse que os inexplicáveis US$ 365 mil foram gastos em incrementos de US$ 200 ou menos, ele teria de fazer pagamentos a mais de 1.800 entidades diferentes –muito mais que as cerca de 270 listadas em relatórios detalhados. O diretor de comunicação de Santos não quis comentar. Joe Murray, seu advogado, disse que seria inadequado falar porque há investigações em andamento.

Os aparentes dribles de Santos em relação às regras de financiamento de campanha evidenciam o desafio que a FEC enfrenta em seu esforço para monitorar centenas de campanhas federais, além do número crescente de comitês políticos que surgem por todo o território.

Embora a agência tenha indicado dezenas de problemas nos registros da campanha de Santos, como contribuições excessivas e aumentos inexplicáveis nos valores de desembolsos detalhados, ela não parece ter examinado os gastos de US$ 365.399,08 que Santos declarou sem qualquer explicação. E, mesmo que ele tivesse detalhado os gastos, seria difícil aferir se as informações eram verdadeiras ou não.

"Eu nem sei como se determina que são vários gastos diferentes [ou apenas um, dividido em várias parcelas]", diz Kenneth Gross, ex-chefe de fiscalização do conselho geral da FEC. "É sempre um chute."

Grace Ashford , Alexandra Berzon , Ken Bensinger e Alyce McFadden

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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