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Incêndio em apartamento superlotado expõe crise na habitação para imigrantes em Portugal

Região de comunidades estrangeiras em Lisboa registrou ao menos dez grandes incêndios nos últimos dois anos

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Lisboa

Um incêndio no centro de Lisboa, em um apartamento superlotado onde viviam cerca de 20 imigrantes, ajudou a expor a crise de habitação enfrentada pelos que vêm de fora para trabalhar em Portugal.

Em um cenário de inflação recorde e de escassez de casas para aluguel, muitos são empurrados para alojamentos precários e abarrotados. O fogo deixou dois mortos, ambos cidadãos indianos, incluindo um jovem de 14 anos. Entre os 14 feridos há pessoas do Nepal, do Paquistão, de Bangladesh e da Argentina.

Local onde dois migrantes morreram recebeu a visita de políticos de todos os espectros políticos na última semana
Local onde dois migrantes morreram recebeu a visita de políticos de todos os espectros políticos na última semana - Patricia de Melo Moreira - 28.out.22/AFP

As autoridades estão investigando o fogo, que ocorreu num imóvel classificado de T0, tipologia europeia que indica que o apartamento não tinha quartos. Vários colchões e beliches foram encontrados no local.

Entre as situações analisadas está uma denúncia de que o apartamento funcionaria com um sistema apelidado de "hot bed" (cama quente). Na modalidade, usada sobretudo por imigrantes pobres, as vagas são alugadas por turnos, e uma cama pode ser ocupada por uma pessoa pela manhã e por outra à noite.

O preço elevado das habitações e a escassez de casas no mercado imobiliário lusitano, que já afetam significativamente a classe média portuguesa, têm efeitos ainda mais graves na comunidade imigrante, sobretudo nos que estão há pouco tempo no país.

Levantamento realizado em várias cidades europeias pela plataforma imobiliária Casafari indicou que Lisboa foi a cidade em que o valor dos aluguéis mais subiu no último ano. De acordo com o relatório, os preços na capital lusa cresceram 36,9% entre dezembro de 2021 e o mesmo mês de 2022.

O aumento generalizado do custo de vida, com destaque para o preço da habitação, empurra muitos estrangeiros para moradias precárias. Em grupos de apoio e nas redes sociais, há cada vez mais relatos de desespero em busca de um teto. Segundo o último Censo do país, realizado em 2021, mais de um terço da população estrangeira em Portugal (37,7%) residia em alojamentos superlotados –em que o número de divisões habitáveis (de ao menos quatro metros quadrados) era insuficiente para a quantidade e o perfil demográfico dos moradores. Entre os portugueses, 17,2% viviam nessas condições.

Embora o problema seja mais grave entre indianos e nepaleses, com 74,2% e 72% dos cidadãos desses países nessas condições, 34,1% dos brasileiros no país europeu vivem em casas com lotação excessiva.

Timóteo Macedo, presidente da associação Solidariedade Imigrante, criticou as autoridades pela falta de ação para lidar com a questão. "Não há políticas públicas decentes para resolver esses problemas", disse.

Ele culpa ainda a pouca fiscalização nos diversos alojamentos precários e superlotados no centro de Lisboa, lembrando que a moradia digna faz parte do conjunto de direitos humanos.

Apartamentos superlotados e em más condições de conservação representam um risco para os moradores e também para a vizinhança. Em bairros tradicionais do centro da capital, como Mouraria e Arroios, muitos moradores já se dizem apreensivos com a situação. "Toda a gente sabe [da situação precária dos imigrantes] e ninguém faz nada. É só caminhar aqui na rua e olhar para dentro das casas: são só beliches!", diz a aposentada Margarida Cardoso, 74, que vive em uma rua próxima do local do incêndio.

"No mês passado, no apartamento em frente ao meu, com dois quartos e uma salinha, havia mais de 40 pessoas. Agora diminuiu, deve haver só 15. Daqui a pouco a tragédia pode ser conosco."

Nos últimos dois anos, o eixo da avenida Almirante Reis, conhecido ponto de concentração de comunidades estrangeiras no centro da capital, registrou pelo menos dez grandes incêndios, de acordo com um levantamento feito pelo jornal português Público.

O comandante dos Bombeiros Voluntários de Lisboa, Vasco Alves, considera que a situação está relacionada às péssimas condições em que vivem muitos dos estrangeiros.

"O problema passa fundamentalmente pela grande concentração de imigrantes, principalmente do Sudoeste Asiático, naquela área. As pessoas basicamente vivem ali em grandes aglomerações. E isso apresenta-se como um problema em termos de segurança", afirmou, em entrevista ao diário luso.

Diferentemente da maior parte dos fogos anteriores, o incêndio do último sábado teve ampla repercussão entre a população e já transbordou para a vida política do país. Nos últimos dias, o local recebeu uma romaria de políticos de todos os espectros políticos, da ultraesquerda à ultradireita.

O assunto também foi tema de publicações nas redes sociais de diversos deputados.

"Que o incêndio na Mouraria, que vitimou tantos migrantes desprotegidos, sirva ao menos para sacudir as nossas consciências. A habitação digna é um direito de todos", disse o presidente do Parlamento, Augusto Santos Silva, do Partido Socialista, o mesmo do primeiro-ministro, António Costa.

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