Descrição de chapéu Financial Times

Líder supremo do Irã aumenta presença pública em resposta a protestos contra regime

Aiatolá Ali Khamenei vem adotando papel mais ativo numa tentativa de reforçar autoridade

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Najmeh Bozorgmehr
Financial Times

Numa tentativa de reforçar a autoridade do regime iraniano após os protestos mais intensos desde a Revolução Islâmica, o aiatolá Ali Khamenei vem adotando papel mais ativo na vida pública nacional.

No início de fevereiro, o líder supremo tomou a iniciativa de perdoar dezenas de milhares de detentos, incluindo alguns dos envolvidos nos protestos contra o regime desencadeados pela morte de uma mulher de 22 anos no ano passado. Desde então, os protestos se acalmaram.

O aiatolá Ali Khamenei, líder supremo do Irã, em encontro com grupo de jovens que chegaram à idade da puberdade em Teerã
O aiatolá Ali Khamenei, líder supremo do Irã, em encontro com grupo de jovens que chegaram à idade da puberdade em Teerã - Khamenei.ir - 3.fev.23/HO/AFP

O aiatolá mostrou seu outro lado ao público neste mês, quando apareceu na televisão orando com um grupo de meninas usando véus islâmicos coloridos. Em outras intervenções em assuntos do Estado, ele tem sido visto participando de reuniões com industriais e empreendedores iranianos.

Não obstante a mudança de ênfase, não há sinais de que o líder religioso do Irã, que está com 83 anos, esteja se preparando para modificar qualquer coisa no regime teocrático no poder desde a revolução de 1979. Em vez disso, vê-se uma tentativa de modificar sua imagem para passar a impressão de que está fazendo frente a alguns dos muitos problemas que assolam o país.

Os maiores protestos em anos começaram em setembro, após a morte de Mahsa Amini, iraniana curda que foi detida por supostamente não aderir corretamente ao código de vestimenta islâmica. Sua morte desencadeou manifestações que cresceram rapidamente e se alastraram por todo o país. Khamenei atraiu repúdio especial por ser o maior responsável pelas restrições sociais das quais Amini teria infringido, além de provocar insatisfação profunda com a repressão política e a economia estagnada do país.

O movimento de protesto continuou por quatro meses antes de se acalmar, dando lugar a raiva e frustração. A execução de quatro manifestantes por terem matado ou ferido integrantes das forças de segurança intensificou o sentimento de impotência popular.

Representantes da linha-dura iraniana, que culpam adversários ocidentais e regionais pela insatisfação popular, dizem que o líder supremo emergiu mais forte. Forças favoráveis ao regime promoveram seus próprios atos públicos neste mês para celebrar o aniversário da revolução de 1979.

"A oposição enganou alguns jovens imaturos, e o líder supremo os perdoou", disse o político de linha-dura Hamid-Reza Taraghi, falando dos manifestantes e da decisão de libertá-los. Ele insistiu que Khamenei não vai modificar os princípios da república islâmica.

"Mesmo que houvesse 1 milhão de pessoas nas ruas protestando, ainda seriam minoria", disse. "Este é um sistema com raízes profundas no país e no Oriente Médio, raízes que não podem ser arrancadas."

A oposição iraniana pediu o fim do poder "absoluto" exercido por Khamenei, baseado na Constituição, e a criação de um novo establishment secular democrático. Mas a incapacidade dos protestos em promover transformações concretas ressalta as dificuldades de enfrentar um sistema que conta com segurança vasta, de muitos níveis, e redes econômicas formadas por seguidores leais.

Nenhum dos críticos do regime propôs uma alternativa viável ao sistema atual, e nenhum líder oposicionista popular emergiu com destaque. Para um analista reformista, "o sistema se sente com muita sorte pelo fato de nenhuma alternativa digna de crédito ter emergido, nem sequer com esses protestos".

A hostilidade do regime em relação ao Ocidente não mudou, e não há sinais de que Teerã vá fazer concessões relacionadas a seu programa nuclear, mesmo com sua economia arqueada sob ondas de sanções dos EUA. A venda à Rússia de drones de ataque usados na guerra contra a Ucrânia tampouco deve mudar enquanto todas as armas do Estado forem dominadas por representantes da linha-dura.

Os reformistas, que não ocupam cargos governamentais elevados mas conservam vínculos com o regime, avisam que essas políticas vão apenas alimentar a dissensão crescente na sociedade. Eles pedem que o regime chegue a um acordo com os EUA para reativar o pacto nuclear de 2015, o que resultaria em um alívio das sanções. Além disso, reivindicam liberdade de imprensa, um Judiciário independente e o relaxamento das restrições políticas, sociais e culturais.

Em entrevista recente, Mohammad Ali Abtahi, um ex-vice-presidente reformista, sugeriu que o regime acabará eventualmente concordando com reformas "modestas", já que não haverá outra escolha. Mas a oposição diz que medidas parciais não serão o bastante para satisfazer a classe média que liderou os protestos pró-democracia.

O ex-primeiro-ministro e hoje crítico do regime Mir-Hossein Moussavi, que vive em prisão domiciliar há mais de uma década, disse em declaração neste mês que não acredita mais em reformas constitucionais. Em vez disso, lançou uma convocação para uma mudança do regime.

Suas palavras foram saudadas por muitos iranianos, mas outros reformistas próximos do ex-presidente Mohammad Khatami pensam que uma derrubada do regime desencadearia forças destrutivas poderosas e teria custos altos demais.

Eles têm exortado o líder supremo a promover reformas fundamentais. Mas nem mesmo isso será o bastante para alguns. "Já nos enganaram por tempo suficiente", disse a enfermeira Maliheh, 44. "A república islâmica precisa acabar e pronto. Não vejo mais futuro para mim ou para meu filho neste país."

O analista Saeed Laylaz disse que a desesperança e a legitimidade popular cada vez menores do regime já viraram um desafio enorme e que muitos políticos linha-dura não se dão conta da gravidade da situação. As eleições parlamentares marcadas para o início de 2024 vão testar a opinião pública.

"A sociedade perdeu a esperança, mas a televisão pública continua a disseminar o ódio, e políticos alimentam essa visão", disse Laylaz. Nessa situação, disse, Khamenei é "a única esperança" para aqueles que almejam reformas, já que é o único com a autoridade necessária para introduzi-las.

Tradução de Clara Allain

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