Morre Pervez Musharraf, ex-líder do Paquistão e aliado dos EUA, aos 79

Último líder militar no comando do país foi afastado em 2008 e havia se autoexilado em Dubai

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Dubai e Islamabad | AFP e Reuters

Último dirigente militar do Paquistão e aliado dos Estados Unidos na luta contra a Al Qaeda, Pervez Musharraf morreu neste domingo (5), aos 79 anos, após anos em autoexílio. A informação foi confirmada pela missão paquistanesa nos Emirados Árabes Unidos —o ex-líder havia se mudado para Dubai há seis anos e vivia lá desde então.

Os atuais primeiro-ministro e presidente do país —Shehbaz Sharif e Arif Alvi, respectivamente—, lamentaram a morte do ex-líder, assim como os chefes do Exército, da Marinha e da Aeronáutica. Segundo a emissora Geo News, um voo especial levará o corpo de volta ao Paquistão para o funeral.

Musharraf chegou ao poder por meio de um golpe de Estado em 1999 e permaneceu como ditador até 2008. Inicialmente percebido como moderado, se consolidou no posto de principal aliado regional dos EUA na luta contra a Al Qaeda e escapou de ao menos três tentativas de assassinato perpetradas pela organização terrorista.

O ex-ditador Pervez Musharraf discursa a membros da comunidade britânica paquistanesa no New Bingley Hall, em Birmingham, no Reino Unido - Toby Melville - 2.out.10/Reuters

O ex-líder se juntou ao que Washington chama de "guerra ao terror" após o 11 de Setembro. Seu governo foi responsável por providenciar às forças americanas acesso terrestre e aéreo ao Afeganistão para perseguir suspeitos identificados como responsáveis pelos ataques às Torres Gêmeas e ao Pentágono.

A aliança com os EUA foi de encontro à tradicional política paquistanesa de apoio ao Talibã, que à época —assim como hoje— governava o país vizinho. Isso tornou Musharraf um alvo de militantes no Paquistão, além de fazê-lo perder apoio entre conservadores locais.

Parte do período do general à frente do Paquistão também foi marcado por tentativas de apaziguar as tensas relações com a Índia —embora ao assumir ele fosse conhecido justamente pela hostilidade contra Nova Déli, tendo arquitetado uma incursão militar em Kargil em 1999 que quase levou a uma guerra.

Em uma cúpula regional em 2002, o general surpreendeu o mundo ao propor uma negociação de paz com o então primeiro-ministro indiano, Atal Bihari Vajpayee. Analistas afirmam que as disputas pela Caxemira —ainda hoje o maior ponto de discórdia entre os dois lados— ficaram próximas de uma resolução na era Musharraf, mas as tratativas foram abandonadas após sua saída do poder.

O ex-líder ainda foi responsável pelo momento de maior crescimento econômico do país até hoje, motivado em parte pelo aumento de investimentos estrangeiros decorrentes de sua aliança com os EUA. Os últimos anos no poder foram, porém, caracterizados por um autoritarismo crescente.

Em 2006, o assassinato de um chefe tribal da província do Baluchistão em uma operação ordenada por ele lançou as bases de uma insurgência armada que resiste até hoje.

No ano seguinte, mais de cem estudantes que pediam a imposição da "sharia", a lei islâmica, foram mortos depois que o general determinou que as tropas invadissem uma mesquita em Islamabad. O episódio resultou na criação de um novo grupo militante, o Tehreek-e-Taliban Paquistão (TTP), conhecido como Talibã paquistanês, por trás de uma série de atentados nas últimas semanas.

Ainda em 2007, um atentado que terminou com a morte da líder da oposição e ex-primeira-ministra Benazir Bhutto desencadeou uma onda de violência. Partidários de Bhutto acusavam o serviço secreto de estar por trás do ataque —investigações apontaram que a gestão do general estava ciente das ameaças contra ela e que o regime não fez o suficiente para garantir sua segurança.

O antagonismo em relação ao Judiciário também motivou protestos, e um Musharraf encurralado adiou as eleições e declarou estado de emergência.

Em 2008, o Paquistão teve o primeiro pleito democrático em 11 anos, no qual o partido do então ditador saiu derrotado. Sem a proteção do cargo governamental e alvo de uma série de acusações judiciais, de traição a conspiração pela morte de Bhutto, ele se mudou para Londres.

O general chegou a voltar ao Paquistão em 2013, para disputar uma cadeira no Parlamento, mas teve a candidatura barrada. Ele recebeu autorização para se mudar para Dubai em 2016 e receber um tratamento contra a amiloidose. Três anos depois, um tribunal o condenou à morte pela declaração de estado de emergência em 2007, mas o veredicto seria depois anulado.

A repercussão da morte do ex-líder ilustra bem a polarização em torno de sua figura. Para seus defensores, Musharraf foi um homem de visão, que levou o Paquistão a servir de exemplo de Estado muçulmano que convivia bem com demandas modernas. "Ele é chamado de ditador, mas nunca houve um sistema democrático mais forte do que durante seu regime", afirmou Fawad Chaudhry, antigo aliado e hoje líder do partido do ex-premiê Imran Khan.

Enquanto isso, parte de seus críticos alega que o general era só mais um representante de uma longa linhagem de ditadores do Paquistão. Nesse sentido, suas tendências moderadas quanto ao islamismo teriam como objetivo refrear ambições dos partidos seculares que se opunham ao regime militar.

Já militantes islâmicos condenam em absoluto sua política de alinhamento com o Ocidente. Foi o caso do TTP, que celebrou a morte do general em um comunicado. "Esse foi o infame chefe do Exército que venceu a honra e o respeito do país", afirmou o grupo.

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