Potências buscam acordo sobre uso de inteligência artificial entre militares

EUA, China e outros países discutem limites da tecnologia para fins bélicos e questões éticas envolvidas

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Haia

Algumas das maiores potências militares do mundo iniciaram discussões nesta semana para definir possíveis caminhos para um acordo sobre o uso de inteligência artificial (IA) nas Forças Armadas.

O passo foi dado durante o REAIM Summit, a primeira conferência mundial sobre o uso responsável da tecnologia nos domínios militares, que ocorreu na quarta (15) e na quinta (16) em Haia, como iniciativa do governo da Holanda em parceria com a Coreia do Sul.

O ministro das Relações Exteriores da Holanda, Wopke Hoekstra, aparece discursando em uma conferência internacional realizada em Haia
Wopke Hoekstra, ministro das Relações Exteriores da Holanda, durante conferência sobre uso da inteligência artificial por militares - Divulgação - 16.Fev.23

Para dar o primeiro passo rumo a um acordo internacional sobre o tema, a estratégia do encontro foi definir qual é o escopo do que deve ser considerado inteligência artificial e estabelecer pilares éticos.

O conceito geral acatado pela maioria dos 80 países participantes foi o de que o avanço das tecnologias de IA nos domínios militares intensifica os riscos para a população durante conflitos armados.

Para reduzí-los, as delegações entenderam que os sistemas de IA devem somente prover informações para os militares e não podem ser usados de forma indiscriminada.

Até a última quinta-feira, 61 países haviam assinado a declaração final da conferência, entre eles EUA e China. A participação das potências foi vista como uma indicação de que Washington e Pequim podem trabalhar em conjunto na construção de um acordo internacional futuro, sinalização importante em especial pelo contexto, que envolve as tensões com a crise dos balões de alta altitude.

A declaração final da conferência destaca alguns pontos, entre eles o de que o uso de sistemas de IA pode ser bom no espaço militar —mas somente se humanos tomarem as decisões.

"Estou convencido de que precisamos manter o contato [com os países amigos]. Precisamos ser realistas: não será rápida a construção de um acordo internacional, é bem complicado, mas passo a passo teremos avanços", disse à Folha o chanceler da Holanda, Wopke Hoekstra.

"Ficou claro que os 80 países que participam têm o entendimento de que o rápido desenvolvimento de tecnologias de inteligência artificial tem a capacidade de mudar a forma como vivemos, com forte impacto em futuro próximo", afirmou. "O próximo passo será estimular discussões regionais em cada continente para manter o diálogo."

O advogado Jan Tijmen Ninck Blok, consultor da ONG Red Cross, acredita que as novas tecnologias podem dar aos militares mais precisão no campo de batalha. Os sistemas, no entanto, devem somente auxiliar os comandantes no processo de tomada de decisão.

"É impensável dar a armas autônomas e a algoritmos o direito de avaliar se uma pessoa deve ou não morrer. A discussão sobre IA é diferente das discussões sobre armas nucleares ou qualquer outro acordo que já foi feito, e precisamos reforçar nossos conceitos sobre a dignidade humana para depois analisar os novos desafios", disse ele.

Entre os países que não participaram do encontro estão Rússia e Coreia do Norte. "Um possível objetivo de um acordo sem dois importantes atores no cenário internacional pode ser para isolá-los", disse à Folha o especialista em direito internacional e professor da Universidade de Cagliari, da Itália, Daniele Amoroso.

A Holanda decidiu organizar o evento em Haia após seu Parlamento aprovar uma moção pedindo que o país tomasse a iniciativa de discutir o impacto da inteligência artificial nas Forças Armadas. Desde 2019, a nação estimula universidades a aprofundar estudos sobre o tema.

Apesar dos esforços, o setor militar holandês ainda não teve avanços significativos no desenvolvimento das tecnologias de IA para fins bélicos. Os principais sistemas são utilizados para a manutenção de cascos de navios e outras questões práticas da rotina militar.

Além de EUA e China, também assinaram a declaração final França, Chile, Alemanha, Japão, Iraque, Espanha, Reino Unido, Suíça, Suécia, Portugal e Singapura, entre outros. O Brasil pediu mais tempo para analisar o texto, devido a questões burocráticas de comunicação com o Itamaraty, segundo relatos de pessoas envolvidas nas tratativas.

"Há preocupações em todo o mundo sobre o uso da inteligência artificial nos domínios militares e sobre a possível desconfiança nos sistemas, a questão do envolvimento humano, a falta de clareza em relação à responsabilidade e as potenciais consequências não intencionais", diz trecho do texto acordado em Haia.

A declaração diz que os países signatários reconhecem os "riscos envolvidos na aplicação atual e futura de diversas técnicas envolvendo o uso de inteligência artificial" e defende a "importância de garantir salvaguardas e supervisão humana no uso desses sistemas".

"Estamos comprometidos a continuar o diálogo global sobre o uso responsável da inteligência artificial nos domínios militares para contribuir com a segurança e a estabilidade internacional de acordo com as leis internacionais", completa o documento.

O jornalista viajou a convite do governo da Holanda

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