Putin escala ataques às vésperas do 1º ano da Guerra da Ucrânia

Presidente fará discurso no dia 21; mísseis russos invadem espaço aéreo da Moldova

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São Paulo

A Rússia escalou a intensidade da Guerra da Ucrânia às portas de o conflito completar um ano, no dia 24, e um dia após o presidente Volodimir Zelenski discursar no Parlamento Europeu para pedir mais armas.

Na noite de quinta (9) e na madrugada de sexta-feira (10), Moscou lançou os maiores bombardeios contra a capital de Zaporíjia, província que anexou ilegalmente mas que não controla totalmente, e disparou uma nova onda de mísseis e drones contra a infraestrutura energética dos ucranianos.

Membro da Guarda de Fronteira ucraniana em posição na arruinada cidade de Bakhmut, em Donetsk
Membro da Guarda de Fronteira ucraniana em posição na arruinada cidade de Bakhmut, em Donetsk - Yasuyoshi Chiba - 9.fev.23/AFP

Tudo converge para dar ao presidente Vladimir Putin algo a dizer no próximo dia 21, quando fará um discurso à Assembleia Federal da Rússia, o Congresso que reúne as duas Casas legislativas do país. Alguns observadores, contudo, veem espaço até para a temida grande ofensiva que Kiev diz ser iminente.

Os riscos crescem na mesma medida: também nesta sexta-feira, a Ucrânia disse que dois mísseis de cruzeiro Kalibr usados na onda de ataques, disparados de uma fragata no mar Negro, cruzaram o espaço aéreo de dois países vizinhos: Moldova e Romênia, esta última um membro da Otan, a aliança militar ocidental, e sede de um grande contingente de soldados americanos.

Os moldavos confirmaram a informação e convocaram o embaixador russo a se explicar. Para alívio daqueles que temem uma escalada baseada em acidentes, a Romênia disse que seus sistemas de defesa detectaram o lançamento, mas que os mísseis passaram a 35 km de sua fronteira.

Moldova é um pequeno país ensanduichado entre a Ucrânia e a Romênia que tem um território controlado por separatistas pró-Rússia protegidos por tropas do Kremlin desde o fim da União Soviética. Mais de uma autoridade russa já disse que um dos objetivos de Putin na guerra seria conquistar toda a costa ucraniana para ligar o Donbass, o leste russófono do país, àquela área, chamada Transdnístria. O governo pró-Ocidente do país vive sob pressão, e nesta sexta sua premiê entregou o cargo.

Em campo, a ação mais chamativa nesta sexta ocorreu em Zaporíjia, capital da província homônima. Ali, pelo menos 17 mísseis de defesa antiaérea adaptados para ataque terrestre do sistema S-300 atingiram alvos, deixando a cidade no escuro. Ainda não há relato de vítimas, mas um membro do governo local, Anatolii Kurtiev, disse que foi o ataque mais intenso em toda a guerra.

Um analista militar russo disse à Folha, sob condição de anonimato, que houve também uma ofensiva semelhante contra Kharkiv, a segunda maior cidade ucraniana, que chegou a ser assediada por tropas do Kremlin nas primeiras fases da guerra —mas elas recuaram em setembro, numa ação surpresa de Kiev.

Para ele, isso pode sinalizar tanto um diversionismo, já que o governo Zelenski diz que a Rússia prepara uma ofensiva grande focada mais ao sul e ao leste, quanto um ataque de fato para tentar tomar a cidade.

Já Zaporíjia é um objetivo mais óbvio, dado que está na porção norte da província que os russos nunca ocuparam. No mais, combates mais intensos seguem no "moedor de carne" de Bakhmut, cidade que os russos parecem próximos de tomar e que poderá abrir caminho para a conquista de metade da região de Donetsk —completando o controle virtual sobre todo o Donbass, já que Moscou domina a vizinha Lugansk.

Segundo a Ucrânia, houve ataques com cerca de 50 mísseis e um número incerto de drones em pontos pelo país, inclusive a capital. Eles seguem a lógica russa desde outubro, de intenso fogo sobre a infraestrutura civil ucraniana, visando minar o apoio popular ao governo. O inverno do Hemisfério Norte está em pleno curso: nesta sexta-feira, Kiev registrava 2ºC.

Qualquer avanço mais efetivo no Donbass poderá ser colocado por Putin em seu discurso como evidência de algum sucesso, apesar do fato líquido de que sua invasão não colocou Kiev de joelhos nas primeiras semanas, como até os Estados Unidos acreditavam.

O mesmo analista militar é cauteloso, contudo, acerca de alguma grande revelação feita pelo presidente. Ele afirma que Putin gosta de gerar suspense, mas exceto que decida se dar por satisfeito e encerrar a guerra, terá de acelerar ainda mais suas ações para provocar algum impacto.

Ao mesmo tempo, Moscou terá de enfrentar novas armas de longo alcance americanas prometidas aos ucranianos, embora tanques em quantidade efetiva estejam distantes, e caças, apenas no campo da especulação —nesta sexta, a Holanda confirmou ter recebido um pedido para a doação de aviões F-16, mas a triangulação disso dentro da Otan é complexa porque os EUA por ora se opõem ao movimento.

As próximas duas semanas parecem ser vitais para o rumo da guerra. A observação da disposição de forças russas ao longo das frentes sugere algo mais radical, inclusive: um movimento em pinça, clássico da teoria militar, para cercar o grosso das tropas ucranianas com um avanço simultâneo a partir da fronteira de Kharkiv (nordeste) rumo a Tchernihiv (centro) e de Kherson (sul) para Vinnitsia (centro-oeste), isolando o porto de Odessa sem atacá-lo.

Mas para tal ação ocorrer seria necessário um número de forças ainda maior do que as 200 mil empregadas na invasão inicial e um comando eficaz, algo que os russos não apresentaram até aqui. É discutível se Putin iria tão longe, e ele está pressionado. As perdas humanas são grandes, e a economia, que sobrevive ao draconiano regime de sanções ocidentais, apresenta sinais de estresse: houve um grande déficit fiscal em janeiro devido à imposição de limites de preço pago pelo barril de petróleo russo

O problema em desenhar cenários neste contexto complexo é a impossibilidade de leitura do que de fato Putin quer, mesmo por analistas próximos do Kremlin, como o russo que falou com a reportagem. Um ano atrás, foram poucos os observadores sérios que acreditavam que ele iria além do blefe para pressionar o Ocidente a deixar a Ucrânia como uma área neutra.

Assim, lembra o analista, tudo é possível até o dia 21, que não descarta um maior envolvimento da cooptada ditadura aliada de Belarus na guerra. Tudo pode acontecer, inclusive nada.

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