Descrição de chapéu Guerra da Ucrânia Rússia

Russos reforçam tropas de Kiev e matam compatriotas na Guerra da Ucrânia

Soldados que repudiam a invasão e rejeitam Vladimir Putin pegam em armas contra forças de Moscou

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Michael Schwirtz
The New York Times

O soldado se ajoelhou na neve, apontou um lançador de foguetes e disparou contra tropas russas a 1,5 km de distância. Ele estava numa posição de tiro ucraniana e se parecia com os demais soldados do país que combatiam ao sul da cidade de Bakhmut, num dos cenários mais brutais da guerra.

Mas ele e seus companheiros não são ucranianos. São soldados de uma unidade militar ucraniana formada inteiramente por russos que estão combatendo e matando seus próprios compatriotas.

Soldados russos combatem pela Ucrânia na região do Donbass
Soldados russos combatem pela Ucrânia na região do Donbass - Lynsey Addario - 3.fev.23/The New York Times

Eles pegaram em armas contra a Rússia por várias razões: repúdio moral à invasão lançada por seu país, um desejo de defender a pátria adotada, Ucrânia, ou uma rejeição visceral ao presidente russo, Vladimir Putin. E eles já conquistaram a confiança dos comandantes ucranianos suficientemente para assumir seus lugares entre as forças que travam batalhas ferozes contra os militares russos.

"Um russo de verdade não participa de uma guerra de agressão como esta, não estupra crianças, não mata mulheres e idosos", disse um combatente russo com a alcunha militar de César, citando atrocidades que teriam sido cometidas por compatriotas e que o levaram a deixar sua cidade, São Petersburgo, e ir à guerra combater pela Ucrânia. "Por isso, não sinto remorso. Faço meu trabalho, e já matei muitos deles."

Quase um ano após o início do conflito, a Legião Rússia Livre tem recebido pouca atenção –em parte para proteger os soldados de represálias da Rússia, mas também devido à relutância entre os militares ucranianos em chamar a atenção aos esforços de soldados cujo país de origem já fez tanto mal à Ucrânia.

Várias centenas desses combatentes estão concentrados em áreas próximas de Bakhmut, no leste da Ucrânia. Eles sempre são colocados juntos, mas sob o comando de oficiais ucranianos.

Entrevistados, alguns dos soldados russos contaram que já estavam vivendo na Ucrânia quando forças russas invadiram o país no ano passado e se sentiram na obrigação moral de defender seu país adotivo. Outros, muitos dos quais sem qualquer experiência militar prévia, entraram na Ucrânia vindos da Rússia depois de a guerra ter começado, por enxergarem a invasão do Kremlin como profundamente injusta.

"Não viemos aqui para provar nada", disse um soldado com a alcunha Zaza. "Viemos aqui para ajudar a Ucrânia a impor a retirada completa das forças russas e a futura ‘desputinização’ da Rússia."

No início da guerra, a lei ucraniana não permitia que cidadãos russos entrassem para as Forças Armadas. Andrii Iusov, porta-voz do serviço de inteligência militar da Ucrânia, disse que apenas em agosto foi finalizada uma legislação que autorizou a participação da Legião nos combates.

"Havia um grande número de russos que, devido a seus princípios morais, não podiam ficar indiferentes e buscavam uma maneira de ingressar nas fileiras dos defensores da Ucrânia", disse Iusov, explicando o que levou as forças ucranianas a criarem a unidade. "Todos os legionários chegam com o desejo imenso de barrar a horda de Putin e de libertar a Rússia da ditadura."

O grupo opera sob a égide maior da Legião Internacional ucraniana, uma força de combate que inclui unidades compostas de voluntários americanos e britânicos, além de belorrussos, georgianos e outros.

Não é fácil entrar para a legião, contaram soldados russos. Eles precisam apresentar um pedido de adesão e passar por uma verificação extensa de antecedentes. Apenas depois disso podem iniciar o treinamento militar básico. Inevitavelmente, por serem detentores de passaportes russos, eles são recebidos com desconfiança. Segundo Iusov, espiões russos já fizeram várias tentativas de infiltração.

Os soldados disseram que tiveram dificuldade em explicar a decisão para as famílias na Rússia. As notícias sobre atrocidades cometidas por tropas russas, incluindo os massacres de civis em Bucha e Irpin, subúrbios de Kiev, são rejeitadas por Moscou, que as descrevem como propaganda estrangeira.

"Eles não entendem a verdade toda", contou um soldado de 32 anos de alcunha Miami, acrescentando que seus pais o exortaram a combater do lado russo. "Dizem a eles que pessoas ruins vivem na Ucrânia. Eles não acreditam que o segundo maior Exército do mundo seja capaz de matar pessoas comuns."

Na frente de batalha no leste da Ucrânia, o bombardeio nunca para por muito tempo. As forças russas vêm atacando as posições ucranianas implacavelmente, tentando desalojá-las dos arredores de Bakhmut antes de uma ofensiva prevista para dominar toda a região conhecida como Donbass.

Numa visita recente a uma posição de tiro, cuja localização exata o New York Times não revela por questões de segurança, a terra tremia, e os projéteis de artilharia atravessavam o céu de um lado a outro. Naquele dia, forças russas haviam lançado uma saraivada de foguetes "Grad" (por meio de um lançador múltiplo) que cobriram toda a área, ferindo civis, mas sem atingir os soldados. "Estão atacando em todo lugar", disse um soldado russo ofegante, abrigando-se numa área de pequenas cabanas cobertas de neve.

Soldados da Legião disseram que continuam a resistir, mas alguns deles já começaram a pensar no futuro após a batalha mais imediata e até mesmo após a Guerra da Ucrânia. "A tarefa que me cabe não é apenas proteger o povo da Ucrânia", disse César, 50. "Se eu sobreviver a esta fase e se todo o território ucraniano for libertado, vou continuar a combater com arma na mão para derrubar o regime do Kremlin."

Tradução de Clara Allain

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