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Viktor Orbán expande seu poder à indústria militar e de defesa da Hungria

Ambivalência de Budapeste em relação à Rússia causa preocupação entre aliados da Otan

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Marton Dunai
Budapeste | Financial Times

Kristóf Szalay-Bobrovniczky ainda tinha negócios com uma empresa ferroviária russa sob sanções dos Estados Unidos quando assumiu o cargo de ministro da Defesa da Hungria, no ano passado.

Embora ele tenha vendido sua participação semanas depois de chegar ao posto, sua nomeação, laços comerciais e afinidades políticas são indícios do controle crescente do primeiro-ministro Viktor Orbán sobre a sociedade húngara, incluindo as Forças Armadas e a indústria de defesa.

O primeiro-ministro húngaro, Viktor Orbán, discursa em Budapeste
O primeiro-ministro húngaro, Viktor Orbán, discursa em Budapeste - Bernadett Szabo - 18.fev.23/Reuters

A "orbanização" do complexo militar-industrial húngaro ocorre enquanto os aliados da Otan ficam cada vez mais alarmados com a posição ambivalente do primeiro-ministro em relação à Rússia e à Guerra da Ucrânia, na qual Budapeste continua isolada em sua contínua recusa em enviar armas a Kiev.

Orbán defendeu sua posição no sábado (18), argumentando que quaisquer atos dos aliados da aliança militar que excedam sua própria defesa são opcionais e que seu país optou por ficar fora da guerra.

"O apoio humanitário à Ucrânia não significa anular nossas conexões russas. Iria contra o nosso interesse nacional. Mantemos os elos econômicos com a Rússia e aconselhamos o mesmo a todo o Ocidente."

Um antigo aliado de Orbán, Szalay-Bobrovniczky iniciou no mês passado um esforço para reduzir os altos escalões militares, muitos dos quais passaram toda a carreira na Otan, o que críticos dizem ter motivação política. Petr Pavel, ex-general da Otan eleito presidente tcheco, descreveu o expurgo como parte de uma "concentração gradual de poder em torno de Orbán e de restrições a quem têm opinião diferente".

No papel, Szalay-Bobrovniczky tem as credenciais certas para o cargo: como empresário, investiu no setor de defesa e atuou como embaixador da Hungria no Reino Unido entre 2016 e 2022. Mas sua carreira teria tomado outro rumo se ele não tivesse se tornado o que Tamás Csiki Varga, especialista em defesa da Universidade Húngara de Serviço Público, chamou de "membro importante da elite governante de Orbán".

"A modernização militar húngara exigirá quantidade incrível de recursos", disse Csiki Varga, acrescentando que o ministro goza da "confiança política" necessária para gastar os fundos de forma eficaz.

Como ex-líder de um grupo de pensadores pró-governo e de um jornal semanal, Szalay-Bobrovniczky manteve laços estreitos com o Sistema de Cooperação Nacional (NER), rede de instituições e empresas privadas de Orbán que está liderando o desenvolvimento da indústria de defesa da Hungria. Os planos do premiê ficaram claros no ano passado, quando participou de uma cerimônia para recrutas do exército: "Estamos construindo uma indústria militar aqui na Hungria capaz de produzir armas modernas".

Szalay-Bobrovniczky é visto como o homem certo para implementar essa estratégia: em 2021, comprou uma fábrica de aeronaves tcheca, a Aero Vodochody, com a ajuda de um empréstimo de € 150 milhões (R$ 831,6 milhões) do estatal Banco de Desenvolvimento Húngaro. Semanas antes de ser nomeado, recebeu uma encomenda do governo de 12 jatos de treinamento e reconhecimento, num negócio estimado em € 180 milhões (R$ 997,9 milhões).

Após assumir o cargo, vendeu sua participação na fábrica de aviões, bem como na joint venture russa, para um fundo de investimentos controlado por Zsolt Hernádi, presidente-executivo do grupo petrolífero MOL. Hernádi, considerado um insider do NER, se recusou a comentar seu papel nas aquisições.

Szalay-Bobrovniczky há muito se identifica como um apoiador do regime iliberal de Orbán. Ele disse em 2015 que era "um membro ativo da atual mudança de elite", substituindo a política progressista de esquerda –papel que veio com amigos poderosos e regalias suculentas.

Em 2020, enquanto embaixador em Londres, adquiriu uma comissão de cassino junto com outro amigo de Orbán afiliado ao NER. De acordo com dados da empresa, o cassino pagou a seus proprietários dividendos de € 28 milhões (R$ 155,2 milhões) em 2021. Szalay-Bobrovniczky vendeu a participação no negócio em dezembro por um preço não revelado. O comprador foi Árpád Habony, o mentor político de Orbán.

A concessão de contratos públicos ao círculo de Orbán, inclusive para projetos financiados pela União Europeia, está entre as razões pelas quais Budapeste não conseguiu desbloquear cerca de € 30 bilhões (R$ 166,3 bilhões) do bloco europeu, apesar das tentativas do primeiro-ministro de pressionar Bruxelas atrasando as sanções contra a Rússia e a assistência financeira à Ucrânia.

Uma das principais empresas na incipiente incipiente indústria de defesa da Hungria é a 4iG, grupo de telecomunicações listado em bolsa. Antes uma ação de baixo custo, foi adquirida em 2018 por Lorinc Meszaros, o homem mais rico da Hungria e amigo de infância de Orbán. Os contratos com o governo geraram uma rápida expansão: a receita nos três primeiros trimestres de 2022 excedeu as cifras de 2017 em cerca de 13 vezes. O preço das ações aumentou de 40 forintes (US$ 0,11) em 2017 para 700 forintes.

Passada para um ex-associado de Meszaros, Gellert Jaszai, em 2020, a 4iG comprou a operadora de sistemas de transmissão estatal Antenna Hungária; usou empréstimos estatais para comprar a operação húngara da Vodafone; e adquiriu uma série de empresas de telecomunicações dos Bálcãs.

A fabricante alemã de armas Rheinmetall, que contribui para a fabricação dos tanques Leopard-2 cobiçados pela Ucrânia, adquiriu em 2022 uma participação de 25% na 4iG. Sua joint venture planeja oferecer serviços de TI de nível militar, no que Jászai disse ser uma "oportunidade única de se firmar na indústria de defesa global". A Rheinmetall venderá centenas de veículos blindados Lynx para a Hungria, além de munições e equipamentos técnicos, abrindo ao menos três fábricas para viabilizar a produção local. A produção de Lynx começou na cidade de Zalaegerszeg, no oeste do país, no mês passado.

Armin Papperger, executivo-chefe da Rheinmetall, chamou a cooperação de "um símbolo do nosso compromisso especial com a Hungria" e parte integrante de uma estratégia de digitalização que reflete a dependência dos sistemas de armas modernos na infraestrutura de TI.

A 4iG disse que sua parceria com o governo húngaro se limita ao setor de telecomunicações.

"Nossa cooperação estratégica com a Rheinmetall não tem conexão direta com a posição da Rheinmetall como fornecedora do governo [húngaro]", afirmou a 4iG, acrescentando que busca expandir sua parceria com a empresa alemã além das fronteiras da Hungria.

Szalay-Bobrovniczky disse que as parcerias da indústria de defesa eram principalmente europeias "por razões estratégicas" –destacando a crescente distância da Hungria da principal força da Otan, os EUA.

Os laços com Washington se desgastaram mais rapidamente desde a invasão em grande escala da Ucrânia pela Rússia. Em uma discussão acalorada, o embaixador dos EUA, David Pressman, lembrou à Hungria que ela deveria ficar do lado inequívoco do Ocidente, provocando resposta irada de Budapeste.

Pressman disse que o relacionamento da Hungria com Moscou continua "preocupante, especialmente porque não mostrou sinais de diminuir após a invasão em grande escala pela Rússia".

"Embora cada país tenha seus próprios interesses e perspectivas, as claras tentativas da Rússia de redesenhar as fronteiras à força rasgam o livro de regras", disse ele ao Financial Times. "Não é apenas uma questão política doméstica para qualquer país, especialmente um aliado."

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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