Candidatura de Nikki Haley testa Partido Republicano diante de líderes mulheres

Ex-governadora encara desafio de parecer durona e ao mesmo tempo atender às expectativas dos eleitores de ser simpática

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Katie Glueck Lisa Lerer
Exeter (EUA) | The New York Times

Para Nikki Haley, valentões são melhor subjugados quando encaram um contra-ataque —de salto alto; alcançar uma nova visão requer a liderança de uma "mulher forte"; e a mudança geracional começa com colocar uma "mulher durona na Casa Branca".

De forma aberta e sutil, Haley, ex-embaixadora na ONU e governadora da Carolina do Sul, está montando sua campanha presidencial como o último teste de atitudes do Partido Republicano com mulheres líderes.

Nenhuma delas jamais ganhou uma primária presidencial republicana estadual, muito menos a indicação do partido, e Haley é a primeira a apresentar candidatura desde que Donald Trump, que costumava atacar as mulheres em termos vulgares, chegou à liderança do partido.

A ex-embaixadora dos EUA para a ONU Nikki Haley tira fotos com apoiadores em evento em Charleston, na Carolina do Sul
A ex-embaixadora dos EUA para a ONU Nikki Haley tira fotos com apoiadores em evento em Charleston, na Carolina do Sul - Jonathan Ernst - 15.fev.23/Reuters

Os primeiros dias da campanha de Haley, anunciada na terça (14), ilustraram os desafios enfrentados pelas republicanas.

Durante décadas, as líderes femininas de ambos os partidos lutaram contra o que os cientistas políticos chamam de "duplo vínculo": a dificuldade de provar sua força e competência e ao mesmo tempo atender às expectativas dos eleitores de ser simpática ou "agradável o suficiente", como disse certa vez o ex-presidente Barack Obama sobre Hillary Clinton durante um debate em 2008.

Para as republicanas, esse duplo vínculo tem um desvio. Existem eleitores conservadores que defendem visões tradicionais da feminilidade enquanto esperam que suas candidatas pareçam "duronas".

Vários estrategistas sugerem que os eleitores republicanos teriam pouca paciência se uma pré-candidata fizesse acusações de sexismo contra outro republicano. E Trump, que segue como uma figura poderosa no partido e vai concorrer novamente, já atacou Haley com críticas que alguns consideram de gênero.

Mesmo antes de Haley entrar na corrida, Trump a descartou como "excessivamente ambiciosa".. E, logo após seu anúncio, sugeriu que sua nomeação para embaixadora na ONU foi menos um reflexo de suas credenciais do que o desejo de Trump de ver o vice-governador dela assumir o cargo. Haley também encarou um âncora da CNN para quem ela e as mulheres de sua idade –51 anos, décadas mais jovem que Trump ou Joe Biden– já tinham passado do "apogeu".

Haley, que poderia se juntar a outras candidatas, incluindo a governadora Kristi Noem, da Dakota do Sul, está em um partido que muitas vezes rejeita o debate sobre identidade como algo da esquerda e critica cada vez mais as discussões sobre gênero e raça como "wokeness" (consciência social na política).

Na estreia de sua campanha, na semana passada, Haley aproveitou essa tendência, promovendo um país "forte e orgulhoso, não fraco e ‘woke’". E enquanto sinalizava o potencial histórico de sua candidatura –"Eu direi isto: que vença a melhor mulher"–, ela rapidamente se distanciou da "política de identidade". "Não acredito nisso. E também não acredito em telhados de vidro. Acredito em criar um país onde qualquer um pode fazer qualquer coisa", disse ela na quarta (15).

Haley enfrenta muitos obstáculos que nada têm a ver com gênero. Trump e o governador Ron DeSantis, da Flórida, que geralmente é considerado o potencial adversário mais forte de Trump, a superam significativamente nas primeiras pesquisas. E suas críticas ocasionais ao ex-ocupante da Casa Branca, depois de servir em seu governo e frequentemente elogiá-lo, podem deixá-la mal aos olhos dos eleitores.

Muitas das mulheres mais proeminentes do partido –a deputada Marjorie Taylor Greene, da Geórgia, que acredita em teorias da conspiração; Ronna McDaniel, presidente do Comitê Nacional Republicano; a deputada Elise Stefanik, de Nova York, presidente da conferência republicana na Câmara– ascenderam imitando ou adotando a política de extrema direita de Trump, sem desafiá-lo.

"Se você quer saber o que é preciso para ser uma mulher influente no Partido Republicano hoje, compare Marjorie Taylor Greene com Liz Cheney", disse Jennifer Horn, ex-presidente do Partido Republicano de New Hampshire, que agora se considera uma independente. "Qual delas põe na mesa seriedade, experiência e compromisso genuíno com a democracia? E qual delas está atualmente servindo no Congresso?"

Juliana Bergeron, a comissária nacional republicana de New Hampshire, disse que vê Haley como uma candidata confiável. Mas, disse ela, "há pessoas em nosso partido que querem colocar as mulheres de volta na década de 1960 e, portanto, acho que isso dificulta um pouco as coisas para as mulheres no nosso partido. E eu gostaria de não ter que dizer isso, mas é assim que me sinto".

Alguns republicanos veem as candidatas como as melhores mensageiras do partido em questões como aborto ou apoio a um maior envolvimento dos pais nas escolas –o que poderia aumentar a chance de uma mulher vencer a chapa republicana–, embora muitos enfatizem que não levam o gênero em consideração em suas decisões políticas. "As mulheres conservadoras não votarão com base no gênero", disse Penny Nance, CEO da organização Concerned Women for America, que se opõe ao direito ao aborto.

Esses sentimentos foram fáceis de encontrar num evento de Haley na Prefeitura de Exeter, em New Hampshire, na quinta-feira (16). "Você quer a melhor pessoa para o cargo", disse Susan Ford, 67, afirmando que o gênero de Haley não era motivo para votar nela, mas que estava impressionada com sua experiência. Questionada se o país está pronto para uma presidente, Ford respondeu: "Sim, se for a certa".

Kathryn Job, que disse ser uma independente política na casa dos 70 anos, tinha menos certeza de que uma candidata poderia vencer. "Ainda não superamos isso", disse Job. "Ainda existe preconceito."

Os eleitores de ambos os partidos dizem que votariam numa mulher para presidente, e uma pesquisa Gallup de 2019 descobriu que os democratas eram apenas um pouco mais propensos do que os republicanos a dizer que o fariam. Mas há sinais de que os republicanos tendem menos a ver vantagem em ser mulher. Uma pesquisa recente do USA Today/Suffolk University descobriu que, entre os eleitores que expressaram preferência de gênero por seus candidatos, as mulheres republicanas eram muito mais propensas a preferir um homem.

Para atrair os eleitores com visões estritas de papéis de gênero, as candidatas republicanas devem ser "duras o suficiente para enfrentar esse padrão de masculinidade, mas também 'mulheres o suficiente' para se alinhar com os estereótipos tradicionais de feminilidade", disse Kelly Dittmar, diretora de pesquisa e bolsista do Center for American Women and Politics. "No eleitorado republicano, em que você tem crenças de gênero mais tradicionais e alinhamento com a masculinidade, você tem que fazer as duas coisas."

Ela indicou a declaração da ex-governadora Sarah Palin de que a única diferença entre uma "mãe hóquei" e um pit bull era o batom, ou a referência de Haley ao uso de salto alto.

A campanha de Haley se recusou a comentar alguns dos ataques que ela sofreu, inclusive de Trump, mas ela mesma deixou claro que desconfia de qualquer coisa que possa ser vista como vitimização.

"Em um país livre como o nosso, não somos vítimas, a menos que optemos por ser", escreveu Haley em seu livro recente, "If You Want Something Done: Leadership Lessons From Bold Women" (se você quer que algo seja feito: lições de liderança de mulheres corajosas). "Não devemos cair na armadilha de pensar que o caminho de uma mulher para o empoderamento está em outra pessoa corrigir um erro."

Na campanha de 2020, em meio a um aumento do ativismo político feminino, seis candidatas buscaram a indicação democrata –o maior número até hoje numa primária –, mas enfrentaram perguntas sobre sua viabilidade nas eleições gerais de eleitores que temiam que o país fosse sexista demais para eleger uma mulher.

Eleitores de todos os partidos são "mais propensos a pensar que seus amigos e vizinhos prefeririam um homem do que eles mesmos dizerem que prefeririam um homem", disse a pesquisadora Christine Matthews, que trabalhou com republicanos e estudou dinâmica de gênero.

"Existe um sentimento do tipo: 'Bem, mesmo que eu esteja pronto para votar numa mulher para presidente, não tenho certeza se todo mundo está'. E isso prejudica as mulheres."

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves 

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