Itália busca em robôs aliados para cuidar de sua população idosa cada vez maior

Cuidadores, muitos deles familiares, relatam cansaço e sobrecarga e cobram ações do governo para ajudá-los

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Jason Horowitz
Carpi | The New York Times

A senhora idosa pediu para ouvir uma história. "Uma excelente escolha", respondeu o pequeno robô, reclinado como um professor descontraído sobre a mesa da sala de aula.

A mulher se inclinou, a testa enrugada quase tocando a cabeça lisa de plástico. "Era uma vez...", começou o robô, e, quando terminou a história curta, perguntou a ela qual era o trabalho do protagonista.

Daniela Cottafavi, 65, conversa com um robô durante um grupo focal em Carpi, na Itália - Alessandro Grassani -6.mar.23/The New York Times

"Pastor", respondeu timidamente Bona Poli, 85. O robô não ouviu muito bem. Ela se levantou da cadeira e ergueu a voz. "Pastor!" "Fantástico", disse o robô, gesticulando de forma desajeitada.

A cena pode ter tons distópicos da ficção científica, num momento em que tanto a promessa quanto os perigos da inteligência artificial estão ficando mais nítidos.

Mas para os cuidadores exaustos em uma reunião recente em Carpi, uma bela cidade na região mais inovadora da Itália em cuidados de idosos, isso apontou para um futuro bem-vindo e não muito distante, quando humanoides poderão ajudar famílias a manter a população idosa estimulada, ativa e saudável.

"Agache e alongue", disse o robô francês Nao, levantando-se e fazendo exercícios. "Vamos mover nossos braços e levantá-los bem alto."

As pessoas na sala, muitas mulheres, observavam –algumas divertindo-se, outras cautelosas, mas todas ansiosas para saber como a nova tecnologia poderia ajudá-las a cuidar de seus parentes idosos.

Juntas, elas ouviram a voz calma e automatizada do robô e deram opiniões em um grupo que representa os chamados cuidadores familiares. O objetivo era ajudar os programadores de robôs a projetar uma máquina mais atraente e útil, que um dia possa aliviar as famílias italianas, cada vez mais sobrecarregadas.

A Itália tem uma das taxas de natalidade mais baixas da Europa e está se preparando para um boom populacional de idosos. Mais de 7 milhões dos quase 60 milhões de italianos já têm mais de 75 anos.

E 3,8 milhões são considerados não autossuficientes. Problemas como demência e doenças crônicas pesam sobre o sistema de saúde e as famílias.

"A revolução", disse Olimpia Pino, professora de psicologia da Universidade de Parma, que idealizou o projeto do robô, seria se um "robô social pudesse ajudar nos cuidados".

Avanços na inteligência artificial tornariam os robôs mais responsivos, disse ela, mantendo os idosos autossuficientes por mais tempo e ajudando os cuidadores. "Temos que procurar todas as soluções possíveis –neste caso, tecnológicas", disse aos participantes Loredana Ligabue, presidente do Não Só Idosos, o grupo de defesa de cuidadores.

Os robôs já estão interagindo com os idosos no Japão e têm sido usados em asilos nos EUA. Mas na Itália o protótipo é a mais recente tentativa de recriar uma semelhança com a estrutura familiar tradicional.

A Itália da imaginação popular, onde famílias multigeracionais se aglomeram ao redor da mesa no domingo e vivem felizes sob o mesmo teto, está sendo fustigada por eventos demográficos contrários.

As baixas taxas de natalidade e a fuga de muitos jovens adultos em busca de oportunidades econômicas no exterior esgotaram as fileiras de potenciais cuidadores. Os que ficam sobrecarregados com os cuidados geralmente são mulheres, tirando-as da força de trabalho, prejudicando a economia e diminuindo taxas de natalidade.

O atendimento domiciliar continua sendo fundamental para a ideia de envelhecer num país onde existem lares de idosos, mas os italianos preferem encontrar formas de manter seus idosos em casa.

Durante décadas, a Itália evitou uma reforma séria de seu setor de cuidados, preenchendo a lacuna com trabalhadores residentes baratos e muitas vezes não registrados, muitos da Europa Oriental pós-soviética e especialmente da Ucrânia.

"Esse é o pilar dos cuidados em longo prazo neste país", disse Giovanni Lamura, diretor do principal centro de pesquisa socioeconômica da Itália sobre envelhecimento. "Sem eles, todo o sistema iria colapsar."

Em janeiro, os sindicatos que representam os "badanti" oficiais, como esses trabalhadores são chamados na Itália, ganharam um aumento salarial que acrescentou cerca de 145 euros (R$ 825) pela assistência domiciliar. Os italianos em dificuldades dizem que seus contracheques e aposentadorias não acompanharam o ritmo, forçando muitos a cuidarem sozinhos de seus idosos.

No que se refere a cuidadores familiares, a Itália fornece há décadas benefícios do governo a uma única pessoa numa família com uma pessoa gravemente doente. No final deste ano, licenças remuneradas e outros benefícios poderão ser compartilhados em família, o que na prática significa que mais homens poderão ajudar.

Bona Poly, 85, pediu ao robô Nao que lhe contasse uma história durante um grupo focal em Carpi, na Itália - Alessandro Grassani - 6.mar.23/The New York Times

Em Emilia-Romagna, região que inclui Carpi, também há planos de se criar uma força de trabalho de cuidadores experientes em cuidar dos próprios familiares que poderão mais tarde, quando seus entes queridos morrerem, ser empregados para cuidar de outras pessoas. "Há uma demanda enorme", disse Ligabue.

Na semana passada, a primeira-ministra Giorgia Meloni comemorou a aprovação de uma nova lei destinada a agilizar o acesso a serviços para idosos e a trazer maior envolvimento do governo na área.

Mas a lei não inclui medidas específicas de apoio aos cuidadores. Alessandra Locatelli, ministra responsável pela pasta que cuida de políticas para pessoas com deficiência, disse que o governo não quis priorizar as pessoas que cuidam de familiares idosos em detrimento das que cuidam de deficientes mais jovens.

Ela disse esperar que uma nova medida, até o final do ano, forneça isenções fiscais e outros benefícios para cuidadores familiares" para "todos os tipos de pessoas não autossuficientes".

Mas a reunião em Carpi deixou claro que muitos italianos não vivem com os pais e avós de quem cuidam. Algumas dessas mulheres já estavam procurando ajuda além do governo –nas máquinas.

Enquanto Nao, o robô francês, fazia movimentos bruscos sobre a mesa, Leonardo Saponaro, estudante de psicologia cujo avô tinha demência, explicou que o robô não é "um substituto à socialização com outras pessoas". "No entanto, pode fazer companhia."

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves   

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