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Guerra da Ucrânia Rússia

Pedido de prisão de Putin por crime de guerra é marco por ora simbólico

No limite, acusação contra presidente russo reforça seu discurso de perseguição pelo Ocidente

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São Paulo

O pedido de prisão emitido pelo TPI (Tribunal Penal Internacional) contra Vladimir Putin serve a propósitos simbólicos, mas tem pouquíssimo valor prático neste momento. Toda conjectura que será lida na mídia ocidental sobre os riscos de o russo ver o sol nascer quadrado é apenas misto de torcida e especulação.

Guerras, por definição, têm seus desfechos escritos pelos vencedores. Fosse a Alemanha nazista triunfante em 1945, talvez o mundo nunca soubesse sobre o Holocausto —ficção de qualidade já foi escrita sobre isso. Mas este é um exemplo extremo.

O presidente da Rússia, Vladimir Putin, em reunião com a comissária dos Direitos da Criança, Maria Lvova-Belova; ambos tiveram pedido de prisão emitido pelo Tribunal Penal Internacional
O presidente da Rússia, Vladimir Putin, em reunião com a comissária dos Direitos da Criança, Maria Lvova-Belova; ambos tiveram pedido de prisão emitido pelo Tribunal Penal Internacional - Mikhail Metzel - 16.fev.23/Sputnik/Reuters

No caso da corrente guerra, inconclusa de forma aguda como está após pouco mais de um ano de agressão russa, estabelecer responsabilidade de Putin é ao mesmo tempo ocioso e impreciso.

Ocioso pois foi o russo quem disparou o primeiro tiro, independentemente de suas razões, algumas racionalmente aplicáveis a um debate. Impreciso porque a acusação específica da corte de Haia, de sequestro de crianças, é de bastante difícil comprovação.

Isso dito, é um ato político cheio de simbolismo. O chefe de Estado e de governo de uma nação poderosa está tecnicamente com a cabeça a prêmio numa corte internacional. Isso basta para a propaganda ocidental, mas também para a do Kremlin.

Afinal de contas, Putin terá mais um item para adicionar à coleção do que chama de guerra do Ocidente para destruir a Rússia, com ou sem razão. Pois segundo a narrativa do presidente, ele se equivale ao Estado russo.

Guerra é guerra. Ambos os lados cometem atrocidades, que são indiferentes a quem começou a briga. É evidente que os invasores russos têm registrados contra si mais episódios de abusos, mas os ucranianos também carregam seu fardo no tema. Significativo no contexto que Moscou não tenha sido acusada diretamente de genocídio, por exemplo, ainda que sequestro de crianças seja um dos itens que qualifique tal crime.

Em favor de Putin, há a prática. O TPI não é reconhecido nem pela Rússia, nem pela Ucrânia, nem pelos protetores de Kiev nos Estados Unidos. O governo de Volodimir Zelenski até concedeu à corte jurisprudência para apurar crimes em seu território, desde que tenham sido atribuídos aos russos, claro.

Essa hipocrisia permeia esse tipo de debate internacional desde sempre. Mesmo países aderentes ao TPI adaptam sua leitura das regras: a África do Sul permitiu em 2015 a visita de um ditador africano, o sudanês Omar al-Bashir, que era procurado pelo tribunal.

O motivo era político-econômico, mas a justificativa era de que o Sudão não era signatário do tratado. Seria interessante ver a reação do governo brasileiro, que reconhece o TPI, caso Putin resolvesse ir discutir a paz mundial com Luiz Inácio Lula da Silva —o petista, assim como o predecessor Jair Bolsonaro (PL), manteve a linha usual do país de neutralidade crítica à guerra, em nome dos bons negócios.

Contra essa linha de raciocínio há o caso de Slobodan Milosevic, o presidente sérvio durante as guerras da dissolução da Iugoslávia nos anos 1990. Ele foi preso em 2001 pelo tribunal específico daquele conflito. Levado a Haia, morreu de infarto enquanto era julgado, em 2006.

Só que Milosevic, acusado de coisas como o amplamente documentado massacre de muçulmanos em Srebenica (Bósnia) e limpeza étnica, só chegou à cela por cortesia do governo sucessor ao seu, que não só ignorou o fato de que a então Iugoslávia não era signatária do Estatuto de Roma que formou o TPI, como tomou a iniciativa de se livrar do rival.

Tudo do jogo, como a história do conflito humano ensina, e por isso mesmo um sinal de alerta para Putin. Na hipótese hoje altamente improvável de ele perder o poder, o arcabouço para sua punição pela guerra está montado.

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