Presidente do México usa condenação de aliado da oposição como arma política para pleito de 2024

García Luna, condenado por tráfico e ligado ao ex-presidente Calderón, ajuda Obrador a encobrir as próprias falhas

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São Paulo

A condenação por tráfico de drogas de Genaro García Luna, um aliado do ex-presidente mexicano Felipe Calderón, virou arma na mão do atual líder do país, Andrés Manuel Lopez Obrador, que patina em índices de violência e ensaia o início da campanha para seu sucessor na cadeira presidencial em 2024 —o país não permite reeleição.

"Qual é a explicação que vai dar ao povo do México sobre por que nomeou García Luna e se sabia ou não?", disparou Obrador, em referência a Calderón, no dia seguinte ao da decisão, na semana passada. O julgamento já era tema das suas longas conferências matutinas, entrevistas coletivas diárias que duram mais de duas horas e pautam o assunto político do dia.

Andrés Manuel Lopez Obrador durante entrevista coletiva no Palácio Nacional - Henry Romero - 20.jan.23/Reuters

García Luna ronda a política mexicana pelo menos desde 2000, quando chefiou a extinta AFI (Agência Federal de Investigação) durante o mandato de Vicente Fox Quesada, do PAN (Partido Ação Nacional), presidente mexicano até 2006. Ele foi alçado ao centro da política nacional, porém, quando ocupou a equipe de primeiro escalão de Calderón, correligionário de Fox que presidiu o país de 2006 a 2012.

Nesse período, García Luna tinha a missão de levar a cabo a guerra às drogas lançada pelo então presidente em parceria com os Estados Unidos, no chamado Plan Mérida, iniciativa criticada de saída pelo alto custo humano que provocaria. A implementação da medida de Calderón corresponde, por exemplo, a uma explosão no número de desaparecidos no país —cifra que ultrapassou no ano passado a marca dos 100 mil desde o início da série histórica, em 1964.

O resto de prestígio com que contava García Luna terminou de ruir na última terça-feira (21), quando ele se tornou a pessoa mais poderosa no México a ser condenada criminalmente. O julgamento, porém, não foi no seu país de origem, mas em Nova York, onde ele morava desde que deixou o governo.

Seu caso foi um desdobramento da condenação à prisão perpétua em 2019 de Joaquín "El Chapo" Guzmán, ex-líder do poderoso cartel de Sinaloa —organização que, segundo as investigações, foi protegida por García Luna em troca de subornos de milhões de dólares. A defesa argumenta que a condenação é inválida por se basear em testemunhas que se beneficiaram de redução de penas em troca de delação.

"AMLO tem sido muito hábil no uso político do caso, mas também muito superficial", afirma Rosa Miron Lince, professora de ciência política da Universidade Nacional Autônoma do México (Unam). "Aqui no México, García Luna nunca foi investigado. A procuradoria atual não fez nada, até que os EUA o processaram e julgaram."

Esse raciocínio, porém, não deve falar mais alto que o bombardeio dos governistas em relação a esse caso, avalia a especialista. A tentativa de desgastar o PAN, partido de Calderón, levou o presidente do Morena, sigla de AMLO, a dirigir-se ao Instituto Nacional Eleitoral (INE ) na última segunda-feira (27) para pedir o cancelamento da sigla do ex-presidente.

A condenação de García Luna foi providencial para Obrador. No último domingo (26), milhares de pessoas lotaram as ruas da capital do México para protestar contra a reforma eleitoral que reduz o orçamento e a estrutura do INE. Manifestantes e especialistas afirmam que o projeto aprovado pelo Congresso enfraquece a democracia do país. Opositores, como o PAN, puxaram o protesto.

"A maioria dos líderes que participaram dos governos anteriores defendeu fraudes eleitorais, formou parte da corrupção no México, pertenceu ao narcoestado que, como ficou claro com o caso de García Luna, se impôs durante dois mandatos: o de Fox e o de Calderón", afirmou na segunda o presidente, em uma tentativa de associar o caso aos manifestantes.

Apesar disso, a condenação não deve ser determinante para as eleições de 2024. Em seu quinto ano de governo, AMLO goza de alta popularidade: a última pesquisa da consultoria Buendía & Márquez mostra que o presidente entra no último terço do seu mandato com 65% de aprovação. O número impressiona porque o líder ainda patina em frentes caras ao seu eleitorado, como a segurança pública. Embora alguns índices tenham apresentado leve melhora, não está claro se o fenômeno ainda é um rescaldo da pandemia, e a promessa de tirar o Exército enviado às ruas para a guerra às drogas segue só no papel.

"Obrador é um líder muito carismático que esteve em campanha para a Presidência por muitos anos", analisa o cientista político Carlos Gallegos Elías, da Unam. Além de ter sido chefe de governo do Distrito Federal, AMLO percorreu o país em campanhas políticas para a Presidência três vezes até ganhar. "Se as coisas seguem como agora, o candidato do Morena será o vencedor. A batalha real vai ser no Congresso."

O grande prejudicado no Legislativo, segundo Elías, deve mesmo ser o PAN —o partido já vem cambaleando nas últimas eleições, que interromperam a polarização com o PRI. Em 2018, a sigla conquistou 81 cadeiras na Câmara dos Deputados, contra 114 em 2012. Já a composição do Senado ficou com 23 políticos do partido em 2018, ante os 38 do pleito anterior.

O partido de Calderón, assim como o resto da oposição, nem sequer consegui usar um respingo do caso de García Luna em AMLO. O ex-traficante Jesús "Rey" Zambada, testemunha da Promotoria, diz ter repassado US$ 7 milhões (R$ 36 milhões) ao ex-subsecretário de segurança Gabriel Regino García quando ele trabalhava para o atual presidente na Cidade do México.

"Obrador tem um efeito teflon muito forte. Nada pega nele", afirma Vinícius Rodrigues Vieira, professor de relações internacionais da FAAP. "Ele é um populista de esquerda e tem uma base resistente. Essa acusação não deve impactá-lo."

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