EUA pedem extradição de suspeito de ser espião russo que se passava por brasileiro

Serguei Vladimirovitch Tcherkasov foi preso no Brasil após ser impedido de entrar na Holanda com documentos falsos

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Leandro Prazeres
Brasília | BBC News Brasil

O governo dos EUA pediu a extradição do russo Serguei Vladimirovitch Tcherkasov, preso no Brasil e apontado pelo FBI como um agente de inteligência que se passava por brasileiro a serviço da Rússia.

A informação foi confirmada nesta quarta-feira (26) pelo Ministério das Relações Exteriores. Tcherkasov nega ser um espião. A BBC News Brasil solicitou uma posição da Defensoria Pública da União (DPU), que atua na defesa de Tcherkasov, mas não recebeu nenhuma resposta até o momento.

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Homem se apresentava como Victor Muller Ferreira e havia se candidatado a posto de estágio não remunerado no Tribunal Penal Internacional - via BBC News Brasil

Segundo o Itamaraty, o pedido de extradição foi feito pelas autoridades americanas na terça-feira (25). Em nota enviada ao veículo, o órgão afirmou que "o pedido será prontamente encaminhado ao Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP), autoridade central para a cooperação jurídica internacional".

O pedido deverá tramitar no Supremo Tribunal Federal (STF), responsável pelo julgamento de casos de extradição. Tcherkasov, aliás, já é alvo de outro pedido de extradição, feito pela Rússia em agosto.

O suposto espião foi preso no Brasil em abril de 2022, após ser impedido de entrar na Holanda, onde tentava iniciar um estágio no Tribunal Penal Internacional (TPI) —a corte baseada em Haia investiga e julga crimes de guerra. Na ocasião, Tcherkasov se apresentava como brasileiro e usava a identidade de Victor Muller Ferreira. Ele foi condenado a 15 anos de prisão no Brasil pelo uso de documentos falsos.

As investigações conduzidas pela PF após sua prisão apontaram indícios de que ele atuava como agente de inteligência da Rússia. Além da condenação, Tcherkasov é alvo de inquérito por lavagem de dinheiro.

Acusação dos EUA

Em março, o Departamento de Justiça dos EUA formalizou uma acusação contra Tcherkasov por crimes como atuação como agente estrangeiro em solo americano sem autorização e fraude financeira com objetivo de obter um visto. Na acusação, o governo americano afirma que Tcherkasov é um oficial do Departamento Central de Inteligência (GRU) russo e supostamente usava a identidade brasileira para se infiltrar em instituições e obter informações estratégicas —por exemplo, análises de especialistas em geopolítica sobre a reação dos países alinhados aos EUA à invasão da Ucrânia.

Segundo o FBI, Tcherkasov fazia parte de um grupo considerado a elite da espionagem russa, formado por agentes enviados a outros países com a missão de assumir diferentes nacionalidades e personalidades e acessar informações de políticos, acadêmicos, instituições e empresas em que o Kremlin tem interesse.

Procurada pela reportagem inúmeras vezes para se manifestar sobre o assunto, a embaixada da Rússia no Brasil não respondeu aos pedidos. O governo russo também não se manifestou sobre o episódio.

Pedido da Rússia

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Trecho de 'carta garantia' em que o consulado-geral da Rússia oferece suas instalações para receber o suspeito de espionagem Serguei Vladimirovitch Tcherkasov - BBC News Brasil

Em agosto, o governo russo formalizou um pedido de extradição de Tcherkasov alegando que ele seria, na verdade, um traficante de drogas procurado na nação liderada por Vladimir Putin há quase dez anos.

Ouvido no processo, ele chamou a atenção ao afirmar que queria ser entregue às autoridades de seu país, apesar da possibilidade de uma pena na Rússia ter duração maior do que a que teria de cumprir no Brasil.

O pedido de extradição feito pelo governo russo está sob a relatoria do ministro do STF Luiz Edson Fachin. Em março, ele decidiu a favor da entrega de Tcherkasov aos russos, mas condicionou-a ao fim das investigações da Polícia Federal sobre a atuação do suspeito no Brasil, ainda em curso.

As apurações, conduzidas em conjunto com o FBI, indicam que Tcherkasov usou sua identidade brasileira para viajar a diferentes países e até mesmo para estudar em instituições de ensino de renome, como a Universidade John Hopkins, nos Estados Unidos, e a Trinity College, na Irlanda.

Os investigadores também encontraram pendrives que supostamente pertenciam a Tcherkasov e que continham, segundo a PF e o FBI, relatórios de suas atividades, destinados aos seus supervisores.

Segundo as autoridades, num dos documentos localizados, Tcherkasov relata como se aproximou de uma ex-funcionária de um tabelionato de São Paulo para conseguir a autenticação de documentos de forma fraudulenta. No relatório, ele conta que chegou a dar a ela um colar de US$ 400 (pouco mais de R$ 2.000, na cotação da época) da marca Swarovski, como revelou a BBC News Brasil em março deste ano.

Desde o surgimento do caso de Tcherkasov, vieram à tona pelo menos outros dois episódios de supostos espiões russos usando identidades falsas brasileiras. Um deles foi preso na Noruega, em outubro de 2022. O outro teria desaparecido no início deste ano após uma viagem à Malásia.

Possibilidade de crise diplomática

O pedido de extradição dos americanos tem potencial para gerar uma crise diplomática para o Brasil. Embora o julgamento do pedido caiba ao STF, a lei faculta ao presidente a decisão de entregar a pessoa extraditada. O Brasil terá que decidir, portanto, se e para onde extraditará Tcherkasov: EUA ou Rússia.

A solicitação também chega em um momento de intensificação das tensões entre os dois países, especialmente após o início da invasão da Ucrânia pela Rússia há mais de um ano.

Os Estados Unidos são o principal fornecedor de armas para a Ucrânia desde o início do conflito.

Além das tensões em decorrência da Guerra da Ucrânia, Rússia e EUA também enfrentam tensões diplomáticas desde a prisão do jornalista americano Evan Gerchkovitch, em março. O repórter trabalhava para o Wall Street Journal, mas o Kremlin o acusa de ter praticado espionagem na Rússia.

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