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França terá projeto de lei para suicídio assistido e eutanásia após consulta popular

Presidente francês, Emmanuel Macron, afirmou que apresentará texto até setembro

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Maria Paula Carvalho
RFI

O presidente francês, Emmanuel Macron, recebeu nesta segunda (3), no Palácio do Eliseu, 184 membros de uma convenção de cidadãos que se reuniu durante três meses e se posicionou amplamente a favor da elaboração de uma lei autorizando o suicídio assistido e a eutanásia, atualmente proibidos na França. Os procedimentos deverão seguir uma regulamentação e condições específicas, que serão detalhadas.

Macron disse "ter ouvido a resposta clara" da sociedade, que após uma longa reflexão sobre o assunto pede a elaboração de um "modelo francês de fim de vida". O presidente prometeu apresentar aos franceses até setembro um novo projeto de lei, a ser proposto pelo Parlamento e pelo governo, para regulamentar os cuidados paliativos e o final de vida no país.

O presidente francês, Emmanuel Macron, posa no Palácio do Eliseu, em Paris, com documento sobre cuidados paliativos feito por um painel de cidadãos
O presidente francês, Emmanuel Macron, posa no Palácio do Eliseu, em Paris, com documento sobre cuidados paliativos feito por um painel de cidadãos - Aurelien Morissard/Reuters

Era "uma prioridade absoluta", comemorou Claire Fourcade, presidente da Sociedade Francesa de Apoio e Cuidados Paliativos. "Existe a vontade política, agora ficaremos atentos a como isso será aplicado."

Macron lembrou ter "uma opinião pessoal que pode evoluir", mas que como chefe de Estado "tem uma responsabilidade pela harmonia e um desejo de apaziguamento". Os católicos franceses, que formam uma parcela importante do eleitorado conservador, pronunciam-se frequentemente contra a eutanásia.

No relatório apresentado no domingo (2) por franceses escolhidos por sorteio para discutir o tema, três quartos do grupo votaram a favor de alguma forma de assistência ativa para morrer (AAM), concretamente ao suicídio assistido ou à eutanásia, sob certas condições, como: doença incurável que comprometa o prognóstico vital, grande sofrimento e garantia da expressão da livre vontade do paciente.

De forma alguma o mecanismo poderia ser usado para "casos de isolamento social ou quando o paciente se sente um fardo para as famílias", destacou o presidente. Ele observou, ainda, que "uma lei não vai dar conta de todo o drama" envolvido nesses casos. Macron defendeu um "plano nacional de dez anos para a gestão da dor e de cuidados paliativos". Este plano, segundo o presidente, será acompanhado de "investimentos necessários", considerando que "o Estado tem obrigação de resultado" para garantir "o acesso efetivo e universal aos cuidados de suporte em fim de vida", completou.

A legislação atual, estabelecida pela lei Claeys-Leonetti, de 2016, permite que equipes médicas e enfermeiros sedem irreversivelmente pacientes próximos da morte, cujo sofrimento é intolerável. Mas não chega a autorizar o suicídio assistido, em que o próprio paciente administra um produto letal, ou a eutanásia, na qual um profissional o injeta. Neste procedimento legal, o paciente é sedado, recebe medicamento contra a dor e sua alimentação e hidratação são interrompidas.

A prática pode ser realizada tanto no hospital quanto na casa do doente, sob a vontade dele, se estiver consciente. Caso esteja inconsciente, a família ou o corpo médico podem autorizar essa prática.

A lei francesa trata a eutanásia ativa como um assassinato, um crime punível com penas que vão de 30 anos de detenção à prisão perpétua. O Código Penal também prevê aos profissionais da saúde que decidirem realizar esse procedimento a proibição de continuar exercendo suas profissões. O suicídio assistido —quando um profissional da saúde ajuda um doente consciente a colocar voluntariamente um fim à vida— também é ilegal e punido por lei na França.

A Convenção dos cidadãos exige a garantia de que o paciente tenha se beneficiado previamente de um acompanhamento em profundidade e que tenha podido expressar a sua vontade a qualquer momento.

A Convenção não se pronunciou sobre a possível falta de discernimento dos pacientes nem sobre o acesso à morte assistida para menores de idade. "São dois assuntos bloqueadores e não há interesse em ir mais longe nessas áreas", afirmou em nota o Executivo, parecendo querer deixar esses dois pontos de lado. Nesta segunda, Macron fechou a porta a qualquer assistência à morte para menores.

A discussão sobre esse assunto era promessa de campanha do chefe de Estado, para quem, depois de décadas de polêmica, é preciso avançar. O Comitê Consultivo Nacional de Ética (CCNE) —principal órgão administrativo e independente a cargo de analisar questões éticas na França— já havia emitido um parecer favorável à evolução da lei sobre práticas em prol do fim voluntário e medicalizado da vida.

Visão política

Se a legalização da eutanásia e do suicídio assistido tem apoio entre a esquerda e parte do centro, o tema desperta forte relutância na direita. Em entrevista ao canal LCI, a líder da ultradireita, Marine Le Pen, advoga por mais "meios para cuidados paliativos" e anunciou que votaria "contra" uma lei que favorece a eutanásia. Por outro lado, Jean-Luc Mélenchon, da ultraesquerda, defendeu em entrevista ao canal France 3 esta "liberdade adicional", pedindo a organização de um referendo, o que seria "o mais razoável".

O risco, segundo analistas políticos, é que esta questão intensifique ainda mais a tensão que existe na sociedade, já abalada pela crise previdenciária. Em uma pesquisa publicada no Jornal de Domingo (JDD), realizada entre mil franceses, a maioria (70%) disse ser a favor da assistência ativa na morte. Mas apenas 36% consideram recorrer à eutanásia caso sofram de uma doença dolorosa e incurável.

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