Republicanos de Montana, nos EUA, barram presença de deputada trans na Câmara

Decisão ocorreu após embates em torno de projeto que proíbe tratamentos hormonais e cirúrgicos a menores trans

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Jim Robbins Jacey Fortin
Helena (EUA) | The New York Times

A Câmara dos Deputados de Montana, nos EUA, tomou na quarta-feira (26) a medida extraordinária de barrar a presença de uma legisladora trans no plenário da Casa pelo restante da sessão legislativa, após um impasse crescente devido aos comentários feitos por ela sobre questões transgênero em debates.

O presidente da Câmara, controlada pelos republicanos, encerrou a sessão imediatamente após a votação, cujo placar foi de 68 a 32. A legisladora bloqueada, a democrata Zooey Zephyr, ainda poderá votar durante o restante da legislatura, que termina em 5 de maio, mas deve fazê-lo remotamente.

A deputada de Montana Zooey Zephyr durante discussão para barrá-la do plenário da Casa, na cidade de Helena
A deputada de Montana Zooey Zephyr durante discussão para barrá-la do plenário da Casa, na cidade de Helena - Mike Clark - 26.abr.23/Reuters

A medida é o ápice de uma batalha entre a liderança da Câmara e Zephyr devido à discussão de um projeto que proíbe tratamentos hormonais e cirúrgicos a menores trans. A proposta já foi enviada ao governador Greg Gianforte, que indicou que irá assiná-lo. Trata-se da segunda votação em poucas semanas em que a maioria legislativa republicana puniu a dissidência por uma questão controversa.

No início do mês, os republicanos no Tennessee derrubaram dois deputados democratas em razão de um protesto pelo controle de armas. Ambos já foram devolvidos a seus assentos temporariamente, antes das eleições no final do ano. Os incidentes exibem as divisões nas legislaturas e a disposição dos republicanos de levantar regras e questões de civilidade frente à oposição acirrada da minoria democrata.

Sue Vinton, líder da maioria na Câmara de Montana, apresentou a medida disciplinar contra Zephyr dizendo que suas ações "perturbaram os procedimentos ordeiros deste órgão". No plenário, a democrata afirmou que estava defendendo seus eleitores de Missoula, de sua comunidade e "da própria democracia".

"Quando o presidente da Casa pede que eu me desculpe em nome do decoro, o que ele realmente está me pedindo é para eu ficar calada enquanto minha comunidade enfrenta projetos de lei que nos matam; ele está me pedindo para ser cúmplice na erradicação de nossa comunidade por esta legislatura", disse ela.

A proposta que Zephyr condenou era um de seis projetos semelhantes voltados para jovens transgênero que o Legislativo havia considerado apenas na semana passada. E isso ocorre em meio a uma avalanche de legislações semelhantes nas Câmaras controladas por republicanos.

Deputados e senadores estaduais republicanos caracterizaram os tratamentos de transição de gênero como prejudiciais e experimentais, argumentando que os jovens não deveriam começar a transição médica antes de se tornarem adultos. Mas as principais organizações médicas, incluindo a Academia Americana de Pediatria, apoiam esse processo e dizem que as proibições representam sérios riscos à saúde mental de jovens, infringindo não apenas seus direitos, mas também os direitos de médicos e pais.

O furor sobre Zephyr começou durante uma sessão em 18 de abril, quando a Câmara considerava a proibição de tratamentos transitórios. Ela disse que, se os republicanos aprovassem tal proibição, colocariam "sangue em suas mãos" e que negar atendimento seria "equivalente a tortura".

Os republicanos da Câmara têm ameaçado Zephyr com ação disciplinar desde aquela sessão. A Bancada da Liberdade de Montana, grupo de 21 legisladores conservadores, acusou-a de "tentar envergonhar o corpo legislativo de Montana" usando "retórica odiosa". Na segunda-feira (24), a bancada pediu mais uma vez uma ação contra Zephyr e a acusou de encorajar uma "insurreição". Em vez de emitir uma repreensão formal, os legisladores se recusaram a convocar a democrata para a consideração de qualquer projeto de lei na Câmara, incluindo medidas ambientais e econômicas, bem como questões transgênero.

Na terça-feira (25), os líderes republicanos cancelaram uma sessão planejada, um dia após os protestos levarem a prisões. Em uma entrevista coletiva apressada, o presidente da Câmara, Matt Regier, culpou Zephyr pelo conflito, dizendo que "a única pessoa que está silenciando a deputada Zephyr é a deputada Zephyr".

Os legisladores começaram a sessão de quarta com uma leitura final dos projetos, antes de passar para a situação de Zephyr, que falou do plenário da Casa pela primeira vez em uma semana. A galeria foi fechada ao público, mas a sessão foi transmitida online. Ela seguiu sem pedir desculpas e repetiu sua posição.

"Quando me levantei e disse 'há sangue em suas mãos', não estava exagerando. Falava sobre as reais consequências das votações que nós, legisladores, fazemos neste órgão", disse. E acrescentou que quando Regier se recusou a deixá-la falar ele estava "enfiando um prego no caixão da democracia".

O presidente da Casa permitiu que seis representantes –três democratas e três republicanos– falassem sobre a moção e concedeu a cada um cinco minutos. Vinton, líder da maioria na Câmara, encerrou sua moção dizendo que a conduta de Zephyr "não pode ser mantida". "Nossos constituintes e nosso estado merecem mais. Eles merecem toda a nossa atenção, e esta instituição e este órgão merecem o respeito de todos os seus membros", disse ela. "No entanto, não foi respeitado, e devemos recuperar o decoro deste órgão, não apenas agora, mas também para estabelecer precedentes para o futuro."

Kelley Robinson, presidente da Campanha por Direitos Humanos, um dos maiores grupos de defesa LGBTQIA+ do país, disse em nota que a votação em Montana "é parte de uma tendência perturbadora de legislaturas que punem líderes por protestarem contra a discriminação e legislação perigosa".

Nos últimos anos, os legisladores estaduais republicanos apresentaram uma onda de projetos de lei para regular a vida dos jovens transgênero, restringindo os banheiros que eles podem usar, os times esportivos em que podem ingressar e os tratamentos médicos que podem receber. Esses esforços têm sido particularmente agressivos desde o início da temporada legislativa de 2023. Neste ano, 11 estados aprovaram leis que proíbem o que é conhecido como tratamento de afirmação de gênero para jovens.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves 

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