Descrição de chapéu Guerra da Ucrânia Rússia

Suécia prevê conflito arriscado e prolongado com a Rússia

Número 2 da Defesa de Estocolmo projeta adesão à Otan até julho e fala em impacto positivo para o Brasil

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Rio de Janeiro

Candidata a se tornar o 32º membro da Otan, a Suécia diz acreditar que a adesão à aliança militar do Ocidente é crucial para enfrentar um conflito prolongado e arriscado com a Rússia de Vladimir Putin.

A avaliação foi feita à Folha pelo secretário de Estado da Defesa, o sueco Peter Sandwall, em entrevista realizada na feira militar LAAD, no Rio. Ele também discorre sobre o impacto da admissão no grupo para o Brasil, dono do maior contrato de exportação bélica do seu país.

Um caça Gripen E da Força Aérea da Suécia sobrevoa a ilha de Gotland, no mar Báltico
Um caça Gripen E da Força Aérea da Suécia sobrevoa a ilha de Gotland, no mar Báltico - Henrik Montgomery - 11.mai.22/TT News Agency/Reuters

Número 2 da pasta, ele afirma acreditar que o veto da Turquia à entrada do país nórdico na Otan será ultrapassado até a cúpula da aliança marcada para julho, em Vilnius, na Lituânia. "Temos de ser resilientes porque a Rússia está se preparando para assumir riscos cada vez maiores", diz. "A guerra se desenrola de uma forma que não podemos antecipar. Putin não tem respeito pela ordem internacional."

O secretário do Ministério da Defesa da Suécia, Peter Sandwall, durante entrevista na feira militar LAAD
O secretário do Ministério da Defesa da Suécia, Peter Sandwall, durante entrevista na feira LAAD - Igor Gielow/Folhapress

A decisão sueca de aderir à Otan, rompendo 200 anos de tradição de não alinhamento, foi tomada em conjunto com a vizinha Finlândia em maio do ano passado. Para entrar no clube, todos os seus membros têm de aprovar a admissão em seus Parlamentos, mas a Turquia dificultou o processo, junto à Hungria.

O caso finlandês foi resolvido na semana passada, mas a pendência sueca está aberta. Os turcos estão insatisfeitos com o que consideram proteção de Estocolmo a opositores de Recep Tayyip Erdogan. "Cumprimos tudo o que foi combinado [para Ancara topar o ingresso sueco]", diz o secretário.

Questionado sobre o peso da eleição presidencial na Turquia, em maio, na qual Erdogan precisa parecer durão para o público interno, Sandwall é econômico. "É uma decisão turca, um processo político."

O secretário diz que o pedido sueco estava a caminho desde 2015, um ano após Putin anexar a Crimeia, uma das raízes da guerra contra a Ucrânia iniciada em 2022. "Foi o ponto da virada. Passamos a ampliar nosso recrutamento e encomendas militares. Chegaremos perto dos 2% do PIB com defesa em 2026."

Hoje, a Suécia gasta cerca de 1,4% do Produto Interno Bruto com defesa. "Entrar na Otan vai nos dar segurança", defende. E o temor de alguns suecos de que Estocolmo agora é um alvo óbvio em caso de conflito com a Rússia? "É genuíno, mas há um consenso no país sobre a decisão."

"Risco de escalada sempre existe, nunca se sabe o que vai acontecer numa guerra. Estamos na pior situação de segurança global desde a Segunda Guerra Mundial", afirma. Para ele, os riscos já aumentam agora, com a intensificação da movimentação de forças de seu país e da Otan na região do mar Báltico, dando margem a erros de cálculo em interceptações aéreas, por exemplo.

Ele sustenta, embora sem a mesma convicção de seu par finlandês em entrevista à Folha na segunda (10), que a Suécia não irá sediar armas nucleares da Otan. "A política de ser um país não nuclear e estar na Otan andam lado a lado na aliança", afirma. Hoje, EUA, França e Reino Unido têm armas atômicas estratégicas, aquelas que visam definir guerras com alto poder de destruição, e o grupo opera armas táticas, de emprego mais limitado a alvos militares, em seis bases na Europa.

Sandwall afirma acreditar que a experiência operacional sueca na região do mar Báltico e sua indústria de defesa avançadas serão diferenciais para a Otan. "Temos capacidades únicas." O país constrói de aviões de caça, no caso o Gripen comprado pelo Brasil, a submarinos e blindados, cortesia das décadas de neutralidade ensanduichados entre a Otan e a União Soviética e, agora, a Rússia.

A integração à aliança ocidental abrirá o mercado dos membros a produtos suecos, mas também coloca desafios: os países da aliança caminham para operar em sua maioria o caça americano de quinta geração F-35, que derrotou o Gripen em duas concorrências de integrantes do clube (Finlândia e Canadá).

Será então o Gripen o último caça exclusivamente sueco, com implicações para o projeto no Brasil? "O Gripen vai voar até 2060, pelo menos, e seguirá sendo atualizado", desconversa Sandwall, que vê com bons olhos o aprofundamento do elo entre a fabricante, a Saab, e a Embraer, que coproduzirá o aparelho.

Na terça (11), ambas as empresas anunciaram que vão promover em conjunto o avião de transporte brasileiro KC-390, mirando inicialmente a Força Aérea Sueca. "O 390 está sendo analisado. A decisão, porém, não deve sair tão cedo", afirmou. A Suécia opera hoje cinco antigos C-130 Hércules americanos.

Para ele, a eventual entrada na Otan estreitará laços da aliança com o Brasil por meio da troca já existente com a Suécia, mas ele evita falar em negócios. O KC-390 já foi comprado por três membros da Otan.

O secretário afirma ainda que a indústria sueca, e europeia em geral, tem um grande desafio em duas velocidades. Primeiro, no curto prazo, ampliar a capacidade de produção já existente, particularmente em munição. "A Ucrânia tem gastado em dois, três meses, toda a produção ocidental de um ano", afirma.

A União Europeia lançou um plano de € 2 bilhões (R$ 10,8 bilhões) para ampliar a produção de obuses, visando manter o esforço de guerra da Ucrânia sem prejudicar ainda mais os arsenais locais. "Isso vai levar anos", disse Sandwall. No longo prazo, ele vê a necessidade de investimentos em novas tecnologias, no campo cibernético em especial. Ele não chega a dizer que a Europa precisa fazer frente à superioridade americana, dona de 40% do orçamento militar do mundo, mas diz que o continente precisa "se reforçar".

"Os laços transatlânticos são importantes", afirma, preferindo não falar sobre as dificuldades que a grande relação comercial da UE com a China, rival estratégica dos EUA na Guerra Fria 2.0 e aliada da Rússia, lança sobre o cenário.

Do ponto de vista prático, ele diz que Estocolmo está pronta para aderir. "Treinamos juntos há anos e temos já a experiência com nossos vizinhos", diz, referindo-se à unificação operacional das Forças Aéreas dos quatro países nórdicos, anunciada no mês passado.

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