Dioceses acusam ditadura de Ortega de congelar contas bancárias na Nicarágua

Polícia do país centro-americano, entretanto, afirma investigar Igreja Católica por lavagem de dinheiro

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

São Paulo

Dioceses em diferentes regiões da Nicarágua afirmaram neste sábado (27) que o regime do país ordenou a autoridades bancárias que congelassem suas contas. Para a Igreja Católica, trata-se mais uma ação da investida da ditadura de Daniel Ortega contra a instituição.

O jornal El País disse ter confirmado o bloqueio de contas das dioceses da capital Manágua e de Matagalpa e León y Chinandega.

Um cardeal, vestido de branco e sentado, celebra missa em uma igreja com uma imagem de Jesus acima de si
O cardeal Leopoldo Brenes em uma igreja em Manágua - 16.abr.23 - Oswaldo Rivas/AFP

De acordo com o jornal, o congelamento das contas pode ter ligação com a prisão do padre Jaime Iván Montecinos Sauceda, do município de Sébaco, na quinta (25), sob acusação de atentado à soberania nacional.

Montecinos pertence à diocese de Matagalpa, uma das mais atingidas pelas ações do regime autoritário –à qual também pertence o bispo Rolando Álvarez, preso desde 2022 e condenado a 26 anos de prisão em fevereiro passado.

A polícia da Nicarágua, por sua vez, diz que iniciou uma investigação em várias dioceses por lavagem de dinheiro por terem manipulado ilegalmente "fundos e recursos de contas bancárias de opositores".

"O resultado das investigações confirmou o manejo ilegal de recursos de contas bancárias que haviam sido congeladas, além de outros atos ilícitos que ainda estão sendo investigados como parte de uma rede de lavagem de dinheiro que foi descoberta em dioceses de diferentes departamentos", acrescentou um comunicado.

Uma das práticas mais recentes adotadas por Manágua tem sido a de congelar e confiscar bens de opositores que estão no exílio.

A despeito dos 45% de católicos entre 6,8 milhões de habitantes da Nicarágua (dados de 2022 da consultoria CID Gallup), Ortega comprou uma briga pública com a igreja. No país, religiosos sofrem com fechamento de rádios, assédio policial e prisão de sacerdotes.

As procissões, que deveriam ter voltado à normalidade na Semana Santa após a pandemia de Covid, foram proibidas em boa parte do país. Poucos dias antes da celebração religiosa, Ortega havia atacado o clero, dizendo tratar-se de uma "máfia" e uma organização antidemocrática. O pronunciamento foi uma resposta a declarações do papa Francisco que condenavam a prisão do bispo Rolando Álvarez.

O bispo de 56 anos foi condenado em um julgamento a toque de caixa em fevereiro. Um dia antes, ele havia se negado a subir no avião que deportou 222 prisioneiros políticos aos EUA —enquanto eles voavam, o regime tirou a nacionalidade dos opositores, mesma estratégia adotada com outras 94 pessoas na semana seguinte.

A relação entre o líder nicaraguense e a Igreja Católica já foi diferente. Antes de se tornar ele mesmo um ditador, Ortega foi um dos líderes da Revolução Sandinista, que derrubou o regime da família Somoza no final dos anos de 1970.

Naquela década, florescia na América Latina a Teologia da Libertação, abordagem cristã que dá ênfase à justiça social e que encontrou terreno fértil nas esquerdas. Grande parte da região estava sob o jugo de regimes autoritários naquele momento, inclusive o Brasil, e setores da Igreja Católica apoiaram revoltas populares em diversos países —no caso da Nicarágua, o sandinismo. Esse apoio começaria a sofrer desgastes poucos anos depois, no primeiro mandato de Ortega após a democratização, nos anos de 1980.

Há temores de que o governo de Ortega possa confiscar as instalações das igrejas na Nicarágua –repetindo o que foi feito com a Cruz Vermelha recentemente. Em maio deste ano, a ditadura do país encerrou as atividades da organização e confiscou seus bens.

Em 2022, a Cruz Vermelha nicaraguense fez 26.058 atendimentos no país, onde atuava havia 89 anos —o que significa que a organização conseguiu manter suas atividades durante a ditadura da família Somoza, no século 20, e na guerra civil, que acabou em 1979, mas não resistiu ao regime de Ortega.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.