Descrição de chapéu The New York Times

Foca em extinção surge em Israel e vira sensação em período de turbulências

População se diz aliviada de poder conversar sobre animal em vez de discutir abrigos antibombas ou novos protestos

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Patrick Kingsley
Tel Aviv | The New York Times

Yulia, uma foca ameaçada, não pareceu se perturbar com os foguetes vindos da Faixa de Gaza, muito menos com os mísseis indo na direção oposta.

Com cerca de dois metros de comprimento e 20 anos de idade, Yulia se arrastou pela areia da praia em Jaffa, cidade antiga imediatamente ao sul de Tel Aviv, em 12 de maio. Foi o quarto de cinco dias de combates entre militares israelenses e militantes palestinos em Gaza. Ela logo caiu no sono.

An endangered and rare female Mediterranean monk seal visits the shore of Jaffa in Israel - Amir Cohen - 15.mai.2023/Reuters

Yulia era a definição de uma visão incongruente. Dois dias antes, sirenes de alarme na mesma costa fizeram os banhistas correrem para os abrigos antibomba municipais. Agora, uma foca-monge do Mediterrâneo ameaçada –uma das cerca de 700 no mundo– aportava no litoral israelense pela primeira vez desde 2010.

"Um milagre", disse Ruthy Yahel, ecologista marinha da Autoridade de Parques e Natureza de Israel, que ajudou a cuidar de Yulia esta semana. "Ela não conhece limites, nem fronteiras, nem guerras entre os países."

Yulia ficou na praia por alguns dias, dormindo tranquilamente durante o anúncio de um cessar-fogo. Ela não reagiu quando as pessoas começaram a se aglomerar no fim de semana para vê-la enquanto ela cochilava. Pareceu não se importar quando um menino local a batizou de Yulia, e o nome começou a ganhar manchetes na mídia israelense.

Em vez disso, ela se concentrou na mudança de pelo, que passava gradualmente de marrom para cinza. De vez em quando ela rolava na areia. Mas principalmente dormia.

Criança se apoia sobre os ombros de um adulto para admirar a foca Yulia, na praia de Jaffa, em Tel Aviv, Israel - Amir Cohen - 15.mai.2023/Reuters

À medida que sua fama se espalhava, a autoridade ambiental de Israel isolou a praia para evitar que os curiosos a perturbassem. Kan, a emissora nacional, apontou uma câmera para seu local de descanso, criando uma transmissão ao vivo online. Ela inspirou memes nas redes sociais, com usuários brincando que poderia derrotar o primeiro-ministro Binyamin Netanyahu numa eleição.

No espaço de um fim de semana, a conversa nacional de Israel mudou, em parte, da guerra para as focas —fornecendo um dos frequentes momentos de comoção que definem a vida cotidiana no país, onde um conflito de décadas com os palestinos, somado a divisões internas cada vez maiores, tornam a existência tumultuada.

Turbulência doméstica numa semana, conflito mortal na outra –até que o país recebeu um membro raro da fauna marinha.

"Estamos todos procurando um pouco de sanidade devido a toda a loucura que está acontecendo", disse Avi Blyer, 47, um animador que foi ver a foca na manhã de quarta-feira (17). "Ela é uma embaixadora da sanidade", acrescentou. "Representa uma coisa diferente."

Para especialistas em conservação, a chegada de Yulia também é uma pequena vitória depois de décadas de esforço para reviver uma espécie quase extinta.

No final dos anos 1800, a população de focas-monge do Mediterrâneo era de milhares, dizem os pesquisadores, mas ela diminuiu para apenas algumas centenas durante o século 20, depois que caçadores mataram um grande número de representantes da espécie e a atividade humana destruiu habitats marinhos.

Nas últimas duas décadas, equipes de conservação, principalmente na Grécia e na Turquia, expandiram as reservas naturais costeiras, ajudando a aumentar o número de focas. "É algo que realmente devemos comemorar", disse Yahel, a ecologista marinha.

Como muitos viajantes (não necessariamente focas), Yulia parou na Turquia antes de seguir para Israel. Depois que Mia Elasar, especialista israelense no animal, enviou fotos de Yulia para colegas turcos, estes localizaram uma marca conhecida e distinta em suas costas —uma cicatriz que eles comparam a uma "tughra", ou a elaborada assinatura caligráfica de um califa otomano.

A equipe turca percebeu que a foca era um espécime que eles estavam rastreando desde meados dos anos 2000 e que avistaram regularmente em cavernas perto de Mersin, no sul do país —mais recentemente, em março. A foca era tão familiar para os especialistas marinhos turcos que há anos ela é conhecida por eles como Tugra, em homenagem à grafia turca da assinatura caligráfica.

É um mistério por que a foca nadou mais de 500 km até Jaffa, mas uma teoria é que a crescente população de focas criou mais competição por comida, empurrando-a para mais longe.

Yulia parece mais ousada do que a maioria de sua espécie, disseram os especialistas turcos –em geral menos assustada com o contato humano e mais preparada para nadar longas distâncias. Em 2019, ela foi avistada no Líbano.

"É uma foca especialmente tranquila", disse Meltem Ok, cientista marinha turca que disse acompanhá-la desde 2005. "Ela realmente não se importa com a presença humana."

As notícias sobre os movimentos de Yulia dominaram os grupos de rede social de bairros nos últimos dias, disse Deborah Danan, moradora de Jaffa que administra um deles. "É bom poder falar sobre onde está a foca na praia, em vez de onde fica o abrigo antibomba mais próximo ou se há um protesto", disse.

Mas na quarta os visitantes se depararam com uma praia tristemente vazia. Yulia tinha desaparecido no mar e ninguém sabia se voltaria. Na quinta (18), Yulia fez algumas tentativas frustradas de parar numa praia mais ao norte, mas todas as vezes parecia desencorajada pela presença de cães.

"Espero pelo bem deste país que ela volte", disse Danan. "Israel precisa de distração."

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.