Países resistem a plano de Lula de reativar Unasul e defendem integração sem ideologia

Presidente brasileiro recebe nesta terça 11 líderes da América do Sul para discutir cooperação em bloco

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Brasília

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) recebe em Brasília nesta terça-feira (30) dez presidentes da América do Sul com o objetivo de relançar as bases da integração regional, mas seu projeto esbarra na resistência de um grupo de países contra a Unasul (União de Nações Sul-Americanas).

Ao longo das negociações que antecederam a reunião, representantes de líderes convidados fizeram chegar ao Itamaraty a mensagem de que não concordam com uma integração regional baseada só na revitalização da Unasul. Além disso, esses governos defendem que qualquer mecanismo de integração precisa ser "desideologizado" e centrado em uma cooperação pragmática que sobreviva à alternância de poder.

Lula chega para entrevista coletiva no Palácio do Planalto, após reunião com Maduro - Evaristo Sa - 29.mai.23/AFP

O principal argumento é que a própria Unasul foi vítima da sua associação com a época de ouro da esquerda sul-americana. O órgão foi criado em 2008 pelos presidentes que então eram os maiores expoentes regionais dessa corrente ideológica: Lula, Cristina Kirchner (Argentina) e Hugo Chávez (Venezuela). O objetivo era criar um mecanismo regional sem a influência dos Estados Unidos.

A aliança, no entanto, foi dinamitada em 2019 por uma coincidência de governantes de direita, entre os quais Jair Bolsonaro (Brasil), Sebastián Piñera (Chile) e Mauricio Macri (Argentina). Eles chegaram a lançar uma aliança alternativa, chamada Prosul, que acabou enterrada por novas vitórias eleitorais da esquerda —inclusive a de Lula.

Participam da reunião desta terça em Brasília os líderes Alberto Fernández (Argentina), Luís Arce (Bolívia), Gabriel Boric (Chile), Gustavo Petro (Colômbia), Guillermo Lasso (Equador), Irfaan Ali (Guiana), Mário Abdo Benítez (Paraguai), Chan Santokhi (Suriname), Luís Lacalle Pou (Uruguai) e Nicolás Maduro (Venezuela).

O Peru será representado pelo presidente do chefe do Conselho de Ministros, Alberto Otárola, uma vez que a presidente Dina Boluarte está legalmente impedida de deixar o país.

Uma nova política de integração da América do Sul sempre esteve entre as prioridades de Lula. E o petista vê a revitalização da Unasul como o caminho mais óbvio para se colocar como líder desse movimento. O tema foi abordado em seu discurso de posse no Congresso Nacional.

"Nosso protagonismo se concretizará pela retomada da integração sul-americana, a partir do Mercosul, da revitalização da Unasul e das demais instâncias de articulação soberana da região", disse Lula na ocasião.

Em abril, o governo oficializou o retorno do Brasil à entidade.

As declarações de Lula ao lado de Maduro, nesta segunda, refletiram as dificuldades de encontrar consenso no tema com os demais países sul-americanos. O petista afirmou que a reunião de terça "não decide nada" e é "apenas uma prospecção de possibilidade". Afirmou ainda que a própria Unasul foi discutida por mais de quatro anos antes de ser concretizada.

"A ideia central é que nós precisamos formar um bloco para trabalharmos juntos, na questão econômica, na questão de investimento, do meio ambiente. Acho que isso não é difícil porque temos mais ou menos os mesmos problemas. Então eu penso que vamos ter sucesso amanhã na primeira reunião", disse Lula.

Celso Amorim, assessor especial da Presidência para política externa, disse à Folha que a intenção do presidente é defender na reunião a adesão dos vizinhos à Unasul, mas de maneira não impositiva. Ele reconheceu que há resistência de países ao ingresso no bloco, mas afirmou que a existência de uma organização facilitaria a cooperação entre os governos, inclusive com aporte de recursos.

O projeto de relançar a Unasul esbarra ainda numa realidade regional bastante mais desafiadora do que a existente em 2008. Além das dificuldades econômicas, há governos submersos em crises de popularidade e que podem ser castigados nos próximos ciclos eleitorais.

Além do mais, o organismo está atualmente fora de operação, tendo perdido sua sede em Quito, no Equador. Conta atualmente com apenas sete dos 12 países da América do Sul; somente um acervo documental ainda está conservado.

Negociadores brasileiros começaram a sentir as resistências dos vizinhos tão logo Lula anunciou que pretendia convocar uma reunião com os presidentes da América do Sul. Alguns obstáculos foram levantados publicamente. Em declarações ao jornal uruguaio El País no início de maio, o presidente Luis Lacalle Pou disse que mantinha sua opinião sobre a Unasul —ele foi o responsável por retirar o Uruguai da organização.

O chanceler do Chile, Alberto van Klaveren, destacou, por sua vez, segundo o jornal La Tercera, que o retorno de seu país à Unasul implicaria em uma nova análise pelo Congresso chileno. "Não nos interessa tanto dar ênfase a instituições formais, mas em encontrar caminhos de cooperação em temas específicos", disse.

A tendência é que opiniões semelhantes surjam na reunião vindas dos presidentes do Equador e do Paraguai, além do chefe da delegação do Peru. Esses países avaliam que há espaço para aprofundar a integração em temas específicos, como saúde, infraestrutura e combate ao crime organizado, mas têm afirmado que é preciso corrigir erros do passado.

A resistência do Paraguai à Unasul tem raízes ainda mais antigas. Em 2012, a organização suspendeu temporariamente o país após o impeachment de Fernando Lugo. A atitude foi vista como uma interferência em assuntos internos do país —que também se retirou em 2019, junto ao governo Bolsonaro.

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