Prefeito de Nova York vira alvo de colegas democratas que o querem mais à esquerda

Ex-republicano, Eric Adams flerta com conservadorismo em temas como religião e segurança

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Emma G. Fitzsimmons
Nova York | The New York Times

Quando um homem sem teto foi asfixiado até a morte por outro passageiro no metrô de Nova York no início deste mês, a reação do prefeito Eric Adams foi cautelosa. Por mais de uma semana ele se absteve de denunciar a morte, como muitos de seus colegas democratas fizeram imediatamente, e não manifestou muita solidariedade com a vítima, Jordan Neely.

Em vez disso, o prefeito deu uma declaração mais distanciada, destacando que "há problemas mentais sérios em questão". Ele disse à CNN: "Fui policial do trânsito no passado e fui chamado para muitas ocorrências em que havia um passageiro socorrendo outro. Não é possível dizer sem margem de dúvida o que um passageiro deve ou não fazer em uma situação como essa".

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Protesto pedindo justiça para Jordan Neely, morto após ser estrangulado por um passageiro do metrô - Gabriela Bhaskar - 5.mai.23/The New York Times

A resposta foi a mais recente manifestação que o afastou da esquerda nova-iorquina e criou uma barreira com alguns de seus colegas democratas. Adams vem defendendo posições mais moderadas, às vezes até conservadoras, em questões como aluguel, religião e seu tema favorito, a melhoria da segurança pública.

Assim, ele se afasta nitidamente de seu predecessor democrata, Bill de Blasio, e dos líderes progressistas que venceram eleições municipais recentemente em cidades como Chicago e Los Angeles.

O exemplo mais recente foi visto na quarta-feira (10), quando Adams emitiu uma ordem executiva suspendendo temporariamente algumas das normas ligadas ao direito ao abrigo, válida na cidade há anos, no momento em que as autoridades têm dificuldade em encontrar refúgio para candidatos a asilo que chegam da fronteira sul do país. A iniciativa foi criticada por defensores dos sem teto e líderes democratas como Adrienne Adams, presidente da Câmara dos Vereadores.

O prefeito fala em tom de pesar sobre a separação entre igreja e Estado, apoia a expansão de escolas autônomas e defende a redução do fluxo de migrantes, em discurso descrito por críticos como xenofóbico. E vem propondo cortes que prejudicariam serviços cruciais, como bibliotecas, sob o argumento de que todas as agências municipais precisam ser prudentes quando o custo da crise migratória pode passar de US$ 1 bilhão –fator que prefeitos anteriores não precisaram enfrentar.

Na última semana, o Conselho de Diretrizes de Aluguel, controlado pelo prefeito, propôs mais um ano de grandes aumentos no valor dos aluguéis de cerca de 1 milhão de apartamentos regulados na cidade. São os maiores aumentos sucessivos vistos desde a prefeitura de Michael Bloomberg.

Democratas de esquerda questionam se a abordagem de Adams –que às vezes se assemelha mais à de Bloomberg ou até mesmo à do ex-prefeito republicano Rudy Giuliani— é apropriada para Nova York, uma das cidades mais progressistas do país. Mas o prefeito diz que sua política pragmática é exatamente o que a cidade precisa e o que quer sua base de nova-iorquinos de classe trabalhadora.

"Não é cômodo para as pessoas quando elas não conseguem te enquadrar rigorosamente", disse o segundo prefeito negro de Nova York durante uma entrevista. "Desde quando eu estava em campanha, falei que as pessoas não conseguiriam me enquadrar numa caixinha."

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Eric Adams sorri para uma foto durante a inauguração de uma pequena empresa em Queens - Hiroko Masuike - 4.mai.23/The New York Times

Ele reconheceu que algumas de suas posições são vistas como conservadoras, mas disse que outras são "extremamente progressistas", apontando para seu apoio a ônibus gratuitos e créditos fiscais para os nova-iorquinos de baixa renda. O político, que cresceu frequentando a Igreja de Cristo, disse que muitos democratas são religiosos e que seus seguidores concordam com suas ideias sobre fé e outras questões.

Muitos democratas de Nova York são eleitores negros e latinos que podem estar de acordo com boa parte da agenda do prefeito. Adams segue com o apoio de 52% dos eleitores negros, apesar de sua aprovação geral ter caído para 37%, segundo sondagem da Universidade Quinnipiac em fevereiro. Os eleitores negros também aprovam mais que os brancos a forma como o prefeito lida com o crime e os sem teto.

Mas alguns eleitores estão decepcionados com sua nova direção para a cidade. Adams dispersou acampamentos de sem-teto, prometeu tirar pessoas com doenças mentais das ruas contra sua vontade, defendeu o uso da abordagem e revista policial e resistiu a pedidos para que o complexo presidiário de Rikers Island seja fechado até 2027. Ele também recebeu o endosso do principal sindicato de policiais da cidade, apenas um ano depois de o grupo ter apoiado a tentativa de reeleição do ex-presidente Donald Trump, e recentemente deu aumentos salariais generosos aos policiais, como parte de um novo contrato de trabalho que valerá por oito anos e envolverá US$ 5,5 bilhões.

Na sexta-feira (12), porém, Adams enfrentou uma objeção mais direta: quando começou a discursar na cerimônia de formatura da Escola CUNY de Direito, muitos dos formandos lhe deram as costas.

"Quando o prefeito faz coisas como cortar bibliotecas e escolas, a gente se questiona: qual é a base perante a qual ele se sente responsável e qual é o legado que ele quer deixar?", afirmou Sochie Nnaemeka, diretora do Partido das Famílias Trabalhadoras em Nova York.

O Partido das Famílias Trabalhadoras e democratas progressistas têm avançado em Nova York, conquistando vagas e promovendo uma agenda de esquerda na Câmara Municipal e na legislatura estadual. No início deste ano, parlamentares progressistas conseguiram rejeitar o indicado da governadora Kathy Hochul ao juiz supremo do Estado, Hector D. LaSalle, visto como muito conservador. Mas eles também têm ficado frustrados em algumas questões chaves, já que os dois políticos mais influentes de Nova York, Hochul e Adams, frequentemente não se alinham ideologicamente.

Adams, que na década de 1990 era republicano, tem relações cordiais com republicanos e com o setor imobiliário. Ele aparece regularmente num programa de rádio conservador. Costuma criticar membros de seu partido vistos como "woke" e recentemente nomeou o republicano Jimmy Oddo para chefiar o Departamento de Edifícios, substituindo outro republicano que ocupava o cargo.

O prefeito tem brigado com lideranças de esquerda, incluindo a deputada Alexandria Ocasio-Cortez, embora eles tenham aparentemente selado uma trégua em março, quando a democrata foi jantar na residência oficial do prefeito. Após a morte de Neely, a deputada acusou Adams de ter atingido um "novo ponto baixo" com sua reação estóica. "Matar pessoas mentalmente doentes é errado", escreveu Ocasio-Cortez no Twitter. "Por que é tão difícil dizer isso?"

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Em escola pública, Adams anuncia uma campanha de alfabetização em Nova York - Ahmed Gaber - 9.mai.23/The New York Times

Alguns democratas afirmam acreditar que Adams enfrentará um rival de esquerda em 2025, e suas esperanças cresceram com as recentes vitórias de Karen Bass, em Los Angeles, e Brandon Johnson, em Chicago, ambos endossados pelo progressista Partido das Famílias Trabalhadores.

Concorrendo com um candidato que defendia uma atitude intransigente contra o crime, Johnson venceu graças a uma mensagem de segurança pública que não se limitou ao policiamento, mas enfocou também o emprego de jovens e os serviços de saúde mental. "As bravatas e o estilo retórico de Adams chamaram a atenção de muitas pessoas, mas suas posições políticas estão profundamente fora de sintonia com o que quer a maioria dos eleitores da classe trabalhadora das grandes cidades", disse Anna Bahr, estrategista política democrata que trabalhou nas campanhas de Bass e Johnson.

Na entrevista, Adams disse que se identifica como progressista, mas não com a vertente progressista representada pelos Socialistas Democratas da América. Disse ainda que a "extrema esquerda" conquistou vitórias importantes em sua administração em questões como ambiente, incluindo a compostagem em toda a cidade e os programas para atender jovens envolvidos no sistema de justiça.

Além disso, o prefeito tem defendido o direito ao aborto e questões sociais democratas. Ele também está implementando medidas prometidas na campanha, como um plano para ajudar a população de baixa renda com créditos fiscais, creches a preços baixos e um novo portal para acessar benefícios municipais.

"Sou uma combinação de praticamente todos os prefeitos, de Koch a Dinkins –excluindo Giuliani— até Bloomberg e De Blasio", disse. "Sou uma combinação de todos esses caras pois aprendi com todos eles."

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