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Financial Times Guerra da Ucrânia

Ucrânia sente pressão do tempo e das expectativas na guerra com a Rússia

G7 reforçou apoio a Kiev pelo 'tempo que for necessário', mas recado não oficial é de que 'é bom não demorar'

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Gideon Rachman

Colunista-chefe de relações exteriores do jornal nipo-britânico Financial Times

Financial Times

A Ucrânia acaba de ter uma vitória diplomática, após a roubar a cena da cúpula do G7 em Hiroshima, no Japão. Agora, o país está sob pressão para conseguir um triunfo militar no conflito com a Rússia, para seguir com apoio ocidental.

Passado o G7, o foco do país voltou para as realidades brutais da guerra no leste da Ucrânia. O apoio diplomático e militar oferecido a Volodimir Zelenskyino Japão foi um grande reforço para o presidente ucraniano. Mas o receio é que esse possa ser lembrado como o ápice do apoio internacional à Ucrânia.

Os ucranianos sabem que a melhor maneira de manter o apoio ocidental é conseguir progressos drásticos no campo de batalha. Mas as alegações russas de que finalmente assumiram o controle da cidade de Bakhmut, duramente contestada e em grande parte destruída, destacam o quão desafiador isso pode ser.

O presidente da Ucrânia, Volodimir Zelenski, conversa com oficiais durante visita a Donetsk - 23.mai.23/AFP

Não houve indícios da pressão internacional sobre Zelenski no comunicado do G7. O grupo usou a fórmula conhecida de que apoiará a Ucrânia "pelo tempo que for necessário". Mas a mensagem não oficial é um pouco mais complicada: "O tempo que for necessário. Mas seria melhor se não demorasse tanto".

Esse senso de urgência não reflete falta de simpatia pela Ucrânia nos principais governos ocidentais. Em vez disso, existe a preocupação de que, se a tão esperada contraofensiva de Kiev não conseguir virar o jogo no campo de batalha, será difícil para os apoiadores do país manterem o atual nível de ajuda política, financeira e logística.

A crescente pressão sobre a Ucrânia está intimamente ligada às eleições presidenciais de 2024 nos Estados Unidos. A emergência de Donald Trump como candidato republicano aumenta o medo de que o próximo presidente mude radicalmente a política em relação à Ucrânia. Trump se gabou de que poderia acabar com a guerra em um dia, mensagem bem diferente de "o tempo que for necessário".

Mesmo uma campanha eleitoral presidencial dominada por Trump provavelmente minará o consenso bipartidário dos Estados Unidos sobre a Ucrânia. Todos os tipos de argumentos contra o apoio a Kiev –desde os custos da guerra até os perigos de uma escalada– serão veiculados. Pesquisas de opinião nos EUA já mostram algum declínio no apoio à Ucrânia.

Tudo isso dá a Vladimir Putin motivos para esperar que, se ele conseguir manter a Rússia lutando por mais 18 meses, a cavalaria trumpista poderá aparecer no horizonte. O Kremlin já está flertando fortemente com o ex-presidente dos EUA e seus apoiadores. A lista mais recente da Rússia de americanos sancionados inclui pessoas que não têm nada a ver com a Ucrânia, mas que estão na lista não oficial de inimigos domésticos de Trump –como Brad Raffensperger, a autoridade que resistiu aos pedidos de Trump para "encontrar" mais alguns votos para ele na Geórgia.

Dado que os EUA fornecem a maior parte do apoio militar à Ucrânia, as atitudes em Washington são críticas. Uma mudança na atmosfera política nos EUA também se infiltrará inevitavelmente na Europa. As disrupções no mercado de energia causadas pela guerra já levaram os países europeus a gastar cerca de € 800 bilhões em subsídios à energia. O descontentamento econômico poderá se traduzir em apoio crescente a partidos populistas de extrema direita e extrema esquerda que simpatizam com a Rússia.

Depois, há a questão do fornecimento de armas. Tanto EUA quanto Europa quase esvaziaram seus estoques de munições, como projéteis de artilharia, em seus esforços para manter a Ucrânia abastecida. Sem a conversão para uma economia de guerra, as fábricas de armas ocidentais não conseguirão acompanhar o ritmo da batalha. A luta é tão intensa que, como disse um político ocidental, "os ucranianos estão consumindo em horas o que nós produzimos em semanas". Oficiais de segurança nacional ocidentais tiveram que trabalhar como traficantes de armas –rondando as capitais globais, de Seul a Islamabad– para obter novos suprimentos de mísseis e outras armas a serem enviadas para as frentes.

Os EUA e os europeus acreditam que seus esforços funcionaram e que a Ucrânia hoje tem armamento suficiente para montar uma ofensiva séria. Mas o estoque de armamentos do Ocidente parece bem vazio. Não será totalmente reabastecido até 2024 –embora nessa época os ucranianos possam utilizar os aviões de combate que lhes foram prometidos na semana passada.

A atual contraofensiva da Ucrânia provavelmente começará silenciosamente, com uma série de missões de sondagem que procurarão pontos fracos na linha russa. Mas a extensão dessas fraquezas russas continua sendo o grande "desconhecido conhecido" da guerra.

Algumas autoridades ocidentais, que trabalharam em estreita colaboração com Kiev, acreditam que os ucranianos têm uma boa chance de romper as linhas russas e ameaçar a Crimeia. Outros alertam que os russos estão entrincheirados –e que as tropas ucranianas inexperientes poderão ter dificuldade para ganhar terreno. Pessimistas temem que, se a guerra ainda estiver empatada no ano que vem, Putin consiga mobilizar centenas de milhares de novas tropas para a fase seguinte. Embora os ucranianos tenham um moral mais alto e melhores táticas, a Rússia tem um grupo maior de potenciais soldados.

Mesmo que a Ucrânia não consiga avançar e o apoio ocidental a Kiev comece a vacilar, porém, não será o fim da questão. Autoridades ucranianas apontam que, ao contrário de seus apoiadores ocidentais, elas nunca terão o luxo de se afastar do conflito. Dmitro Kuleba, chanceler da Ucrânia, gosta de citar um ditado atribuído a John Lennon: "Tudo ficará bem no final. Se não estiver bem, não é o final".

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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