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A polêmica militarização dos presídios de Honduras após massacre de detentas

Forças militares assumiram controle das prisões do país em esforço para desmantelar gangues criminosas

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BBC News Mundo

Uma grande operação para desmantelar quadrilhas criminosas que atuam em penitenciárias de Honduras foi iniciada nesta semana, com a tomada do controle dos presídios por forças militares do país.

Nas imagens, distribuídas pelo governo de Xiomara Castro, centenas de presos, tatuados e descalços, podem ser vistos sentados com as mãos atrás da cabeça, enquanto são vigiados pelos militares.

Detentos durante operação das Forças Armadas de Honduras na penitenciária nacional Francisco Morazan, em Tamara
Detentos durante operação das Forças Armadas de Honduras na penitenciária nacional Francisco Morazan, em Tamara - 26.jun.23/Divulgação Forças Armadas de Honduras via AFP

As fotos se assemelham às registradas no país vizinho, El Salvador, quando centenas de integrantes de gangues foram transferidos para uma megaprisão inaugurada pelo presidente Nayib Bukele.

Segundo o secretário de Estado de Defesa Nacional de Honduras, José Manuel Zelaya Rosales, a operação —denominada "Fé e Esperança"— busca que esses centros "deixem de ser escolas do crime".

Autoridades apreenderam armas, telefones via satélite, granadas e drogas, entre outras coisas, das celas dos presos. O plano é que as Forças Armadas tenham o controle dos presídios por um ano.

A ação militar ocorre dias depois de 46 detentas terem sido queimadas e mortas a tiros em uma rebelião entre integrantes das gangues rivais Barrio 18 e Mara Salvatrucha, em um presídio perto da capital Tegucigalpa. Castro descreveu o motim como um "assassinato monstruoso de mulheres", demitiu o ministro da Segurança e nomeou um conselho prisional.

A intervenção ocorre também após um fim de semana particularmente violento: só no último sábado, 21 pessoas foram mortas. Treze delas foram vítimas de um massacre dentro de um salão de bilhar no município de Choloma, no norte do país. A presidente prometeu tomar "medidas severas".

Toque de recolher

A violência é um dos desafios mais complexos para o governo de Castro. Sob forte pressão dos cidadãos que exigem mais segurança, a presidente tenta controlar o crime organizado por meio de várias medidas.

Além da intervenção militar nas prisões, o governo decretou toque de recolher no domingo, das 21h às 4h, para as cidades de Choloma e San Pedro Sula, uma das maiores do país. A restrição foi imposta por 15 dias, período que pode ser prorrogado.

Grande parte do país encontra-se também em estado de emergência, medida que vigora desde 6 de dezembro do ano passado e que foi prorrogada três vezes —a última em 21 de maio.

A presidente também realiza uma operação policial que visa a controlar a violência no norte do país e recuperar áreas ocupadas por gangues. A ofensiva inclui recompensas para quem facilitar a captura de autores dos crimes.

Questionamentos

As medidas foram criticadas por algumas organizações.

Em conversa com a BBC News Mundo, Evelyn Escoto, comissária do Centro Nacional para a Prevenção da Tortura, Tratamento Cruel, Desumano ou Degradante de Honduras, afirmou que a militarização das prisões é uma "regressão do ponto de vista dos direitos humanos".

"Preocupa-nos porque não somos um país insular, temos muitas obrigações e compromissos em matéria de direitos internacionais e somos obrigados a garantir esses direitos nas prisões" afirmou.

Cesar Muñoz, diretor adjunto para as Américas da Human Rights Watch, concorda que a medida é um retrocesso. "É fundamental reduzir a superlotação, já que os guardas não conseguem controlar os presídios superlotados, bem como reduzir o uso da prisão preventiva, que em Honduras cobre quase a metade da população carcerária, e garantir condições dignas e oportunidades de emprego e educação para os internos", disse Muñoz.

A diretora da Anistia Internacional para as Américas, Erika Guevara, diz que o governo Castro, "em plena demonstração de populismo punitivo de Bukele", estava replicando "políticas de segurança fracassadas que só aprofundam um contexto de crise de direitos humanos".

No entanto, Carlos Javier Estrada, subsecretário de imprensa do gabinete presidencial, disse à BBC que é uma "intervenção curta, com respeito aos padrões internacionais" para evitar o risco de violações dos direitos humanos. "Assumir o controle dos centros não necessariamente leva à tortura ou à manipulação imprópria", disse Estrada.

Em relação ao toque de recolher e ao estado de exceção, Evelyn Escoto diz acreditar que as medidas não estão resolvendo a "questão de fundo". "Isso deve ser resolvido com políticas. Temos problemas com narcotráfico, extorsão, quadrilhas... E cada crime tem suas articulações e deve ser atacado de uma forma diferente."

O comissário alertou que em algumas áreas as prisões estão sendo feitas "por mera suspeita". "Existe uma estigmatização em relação às pessoas." No entanto, de acordo com as autoridades hondurenhas, o estado de emergência permitiu identificar e capturar membros de gangues que lucram com outros crimes, como tráfico de armas e drogas, roubo de veículos, feminicídios e lavagem de dinheiro.

'Efeito Bukele'

Tudo acontece no contexto da guerra contra as gangues conduzida pelo presidente de El Salvador, Nayib Bukele, cujo país faz fronteira com Honduras. Historicamente, os dois países já tiveram algumas das taxas de homicídio mais altas do mundo. Seus habitantes sofreram anos de insegurança.

El Salvador está em um regime de emergência há mais de um ano, que é questionado por organizações de direitos humanos, mas aplaudido pela maioria dos salvadorenhos por reduzir a criminalidade e os homicídios, segundo dados do governo.

A popularidade de Bukele também atinge amplos setores hondurenhos que veem com bons olhos como o presidente vizinho está conduzindo a guerra contra as gangues. "Bukele é muito valorizado na sociedade hondurenha, e há amplos setores da população que clamam por uma liderança como ele, que os criminosos o temem", disse Eugenio Sosa, sociólogo do Instituto Nacional de Estatística de Honduras.

Para Sosa, a intervenção militar nas prisões —e a posterior distribuição das imagens pelo governo— faz parte do "efeito Bukele" na região.

"O que está sendo feito em El Salvador pressiona os governantes hondurenhos que, vendo que algumas coisas estão funcionando no país vizinho, têm motivação para desenvolver aspectos semelhantes ao modelo de Bukele", diz o sociólogo.

No entanto, o porta-voz do governo, Carlos Javier Estrada, descartou que a política de Castro "copie literalmente" a estratégia de Bukele. "Não podemos nos comparar diretamente com o país vizinho", disse. "Adotamos alguns elementos, mas queremos que esta intervenção não seja a norma, mas uma exceção."

Embora Bukele tenha reduzido drasticamente a criminalidade, diminuindo o número de homicídios, ele foi criticado pela ausência de um plano para o futuro, além de medidas emergenciais. Assim, analistas ouvidos pela BBC garantem que o grande desafio em Honduras é atacar o crime pela raiz.

Medidas como o toque de recolher ou o estado de exceção só funcionarão se forem implementadas juntamente com políticas mais profundas, como o combate à corrupção, a redução da desigualdade e da pobreza e a recomposição das instituições.


Este texto foi originalmente publicado aqui.

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