Descrição de chapéu Livros

É difícil visualizar retrocesso democrático na Europa ocidental, diz Larry Bartels

Cientista político, autor de 'Democracy Erodes from the Top', afirma que risco de colapso institucional é exagerado

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

São Paulo

Na contramão de autores que apontam uma crise da democracia em todo o mundo, o cientista político Larry Bartels, 66, afirma em seu novo livro que o risco de colapso é exagerado. Ele lançou há pouco "Democracy Erodes from the Top" (a erosão da democracia se dá pelo alto, ainda sem edição no Brasil), no qual analisa quase duas décadas de pesquisas de opinião pública feitas em diversos países da Europa.

Bartels, professor da Universidade Vanderbilt (EUA), mostra que o apoio à democracia quase não mudou nesse período e argumenta que a opinião pública não deve ser considerada um termômetro de saúde institucional. À Folha o americano diz que o processo de autocratização visto na Hungria e na Polônia não serve de parâmetro para o continente. "É difícil visualizar esse retrocesso na Europa ocidental."

Retrato de homem branco, com óculos
O cientista político Larry Bartels - Arquivo pessoal

Em contraste com uma literatura recente sobre crise da democracia, o sr. afirma que o perigo de colapso é exagerado. Por quê? Pensando na Europa ocidental, não há nenhum partido populista de direita suficientemente forte para controlar um governo. Em sistemas multipartidários, essas siglas às vezes têm representação significativa no Parlamento, mas não o suficiente para negociar uma coalizão governante. E em sistemas mais majoritários, tendem a ter alguma influência sobre os principais partidos, mas sem apoio suficiente para representar uma ameaça real. Além disso, em parte, essa questão tem a ver com os detalhes dos sistemas eleitorais e com as instituições governamentais. Se olharmos para onde houve retrocesso democrático significativo, como Hungria e Polônia, as instituições permitiram que partidos com leve maioria governassem como se tivessem apoio popular avassalador.

Ou seja, o senhor não vê Hungria e Polônia como exemplos do que poderia ocorrer em outros países da Europa ocidental? Houve retrocesso democrático significativo na Hungria e na Polônia, mas é preciso qualificar o que aconteceu por lá. Em gráficos com os índices de democracia calculados pelo projeto V-Dem, Hungria e Polônia estão caindo para um nível que poderíamos chamar de sistemas autoritários leves, mas isso está longe de ser uma ditadura ou um sistema autoritário profundo. Acredito que seja difícil visualizar esse retrocesso na Europa ocidental. Se pensarmos na Itália, que provavelmente é o sistema mais frágil no momento, os populistas de direita lideram uma coalizão governamental, mas dependem dos partidos conservadores tradicionais para efetuar mudanças nas políticas de governo.

A menos que esses partidos conservadores tradicionais se acovardem ou mudem sua própria ideologia, é improvável que ocorra o mesmo tipo de retrocesso que vimos na Hungria e na Polônia.

Muitos autores dizem que, hoje, as democracias não terminam por meio de um golpe com tanques nas ruas, mas num lento processo de erosão interna. Países da Europa ocidental estão livres disso? Qualquer sistema democrático é vulnerável ao que chamo de erosão pelo alto, com líderes políticos adotando medidas que prejudicam a democracia na tentativa de se consolidarem no poder. No entanto, é importante perceber que isso ocorre em uma escala variável, desde ataques bastante modestos às normas democráticas até incursões muito mais graves. Isso pode ocorrer na maioria dos sistemas políticos, mas é muito improvável que chegue ao ponto do que se poderia chamar de morte da democracia.

Todas as democracias possuem aspectos não democráticos, e mesmo os sistemas que consideramos altamente democráticos são democráticos apenas em um sentido limitado. É uma questão de julgamento traçar a linha a partir da qual as instituições não podem mais ser consideradas democráticas.

No seu livro, o sr. demonstra que o sentimento do europeu em relação à democracia não piorou. Ainda assim, há países na Europa virando autocracias, enquanto em outros partidos extremistas crescem. Os acadêmicos gostam de distinguir entre o que chamam de oferta e demanda de populismo. A demanda é o sentimento público a favor do populismo, e a oferta se refere aos políticos. Em geral, o lado da demanda não mudou muito nas últimas décadas. Se houve mudança, foi na oferta: primeiro, a disposição dos populistas de explorar a existência desse tipo de sentimento; depois, a disposição dos políticos tradicionais de cooperar com eles ou de cometer erros que levam a um salto no apoio a populistas.

Mas outra coisa importante é que o aumento geral no apoio eleitoral aos partidos populistas de direita é modesto, de alguns pontos percentuais quando se considera a Europa como um todo. Esse apoio é visto de maneira exagerada porque a imprensa tende a se concentrar em casos específicos em que os partidos populistas de direita cresceram, mas presta menos atenção nos casos em que esse apoio ruiu.

Ainda assim, há países em que partidos de ultra e extrema direita cresceram. Um dos exemplos é a Suécia, onde o sr. considera que a elite política tradicional foi bem-sucedida em barrar o extremismo. Até onde forças democráticas podem ir para impedir a erosão do sistema? Na Suécia, por muito tempo as siglas tradicionais foram muito agressivas para isolar os Democratas Suecos [de ultradireita], não negociando nem formando coalizões com eles. Isso ainda acontece, embora em menor grau. O problema de tentar excluir esses partidos é que aumenta a sensação de injustiça entre seus apoiadores.

A confiança dessas pessoas nos políticos e a satisfação delas com o funcionamento da democracia se desgastaram substancialmente. Mas, dependendo das circunstâncias específicas, os políticos tradicionais devem fazer o que puderem para minimizar a influência desses partidos extremistas. A lição que se pode extrair da literatura, como no livro "Como as Democracias Morrem" [Zahar, 2018], é que potenciais líderes autoritários dependem da cooperação de políticos tradicionais para tomar o poder.

O sr. argumenta no livro que a crise financeira europeia e a imigração não estão relacionadas ao estabelecimento de autocracias na Hungria e na Polônia nem ao crescimento de partidos de direita. Isso é contraintuitivo, não? Se olharmos no nível individual, as pessoas mais propensas a apoiar partidos de direita populista são as que se opõem à imigração. Mas, se olharmos para a população como um todo, há uma diminuição do sentimento anti-imigrante ao longo do tempo. De novo, parece surpreendente, dada a representação jornalística da situação. Mas, em especial entre as gerações mais jovens, houve um aumento no apoio à imigração em toda a Europa. Portanto, a ideia de que uma grande mudança na opinião pública produziu apoio a esses partidos de direita populista provavelmente é enganosa.

Por outro lado, esses partidos às vezes conseguiram apelar para esse apoio. Na Hungria, antes de Viktor Orbán chegar ao poder, não havia muita relação entre o apoio a ele e o sentimento anti-imigrante. Uma vez no poder, ele começou a fazer propaganda contra imigrantes e contra a União Europeia, e as pessoas que o apoiavam passaram a adotar essas atitudes. Quanto à crise econômica, ela teve algum efeito de curto prazo na opinião pública, mas os lugares em que houve erosão mais séria da democracia não foram os mais afetados pela crise. A Hungria e a Polônia, por exemplo, saíram-se muito bem.

Pelo seu argumento, os líderes políticos é que influenciam a opinião pública, não o contrário. Não quero dizer que a opinião pública nunca influencia os líderes. Às vezes, ela afeta suas escolhas políticas e seus comportamentos, mas isso acontece em escala menor do que gostaríamos de pensar. E isso porque as eleições não funcionam tão bem quanto gostaríamos para responsabilizar os líderes ou fornecer mandatos precisos para escolhas políticas específicas. Uma das razões é que a opinião pública é bastante sensível às indicações das elites sobre quais posições políticas são apropriadas e quais são as reações adequadas às mudanças no mundo. Precisamos de uma teoria da democracia que enfatize muito mais a liderança em vez de imaginar que a democracia seja um sistema que funciona de baixo para cima.

Por que as redes sociais não aparecem no seu livro? Elas não mudam a relação entre opinião pública e políticos? Suspeito que isso aconteça em certa medida, mas não é uma diferença revolucionária em relação ao que já tínhamos, com pesquisas de opinião, protestos, lobbies. Uma razão prosaica para não focar isso é que as pesquisas com as quais trabalho não perguntaram às pessoas sobre a atividade nas redes sociais. E é justo dizer que os acadêmicos estão só começando a tentar entender qual é a influência real das redes sociais no sistema político. Elas são importantes para permitir que pessoas com visões políticas extremas se organizem, mas não têm influência ampla na tomada de decisão política.


RAIO-X | Larry Bartels, 66

Cientista político, é professor da Universidade Vandervilt, nos EUA, na qual é codiretor do Centro de Estudos das Instituições Democráticas. É autor, entre outros livros, de "Democracy Erodes from the Top: Leaders, Citizens, and the Challenges of Populism in Europe" (Princeton, 2023).

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.