Descrição de chapéu Governo Biden

Suprema Corte dos EUA bloqueia programa de Biden de alívio da dívida estudantil

Decisão de tribunal de maioria conservadora é forte revés a presidente em busca de reeleição

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Washington

Em forte revés para o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, a pouco mais de um ano da eleição presidencial de 2024, a Suprema Corte enterrou o programa do governo de alívio a dívida estudantil que poderia beneficiar mais de 40 milhões de americanos, promessa da campanha do democrata em 2020 para chegar à Casa Branca.

O programa tem custo estimado em US$ 430 bilhões (cerca de R$ 2,1 trilhões) nos próximos 30 anos e permitiria que estudantes com renda de até US$ 125 mil por ano abatessem até US$ 10 mil (R$ 48 mil) da dívida que fizeram nas universidades —o alívio poderia chegar a US$ 20 mil em casos específicos de alunos de baixa renda. Até aqui, 26 milhões de americanos já haviam se cadastrado no benefício, e 16 milhões foram aprovados. O governo estima que 43 milhões são elegíveis.

Americanos protestam contra decisão da Suprema Corte dos EUA que bloqueou programa de Biden de alívio da dívida estudantil - Olivier Douliery/AFP

Anunciado em agosto no ano passado, o programa foi alvo imediato de críticas de republicanos, que defendem o corte de gastos do governo, e seis estados comandados por republicanos acionaram a justiça contra a medida: Arkansas, Carolina do Sul, Iowa, Kansas, Missouri, Nebraska. Desses estados, apenas o Kansas é governado por uma democrata, mas o procurador-geral, responsável pela ação, é republicano. Os estados argumentavam que, ao contrário do que diz o governo, o alívio da dívida não poderia ser feito pelo presidente a partir de lei aprovada pelo Congresso em 2003 sobre o tema.

A legislação, chamada Lei dos Heróis, foi aprovada em meio às guerras do Afeganistão e do Iraque, mirando estudantes que serviam nas Forças Armadas, e autorizava que o governo suspendesse ou alterasse termos dos contratos firmados pelos alunos. O governo Biden argumentava que seu programa apenas modificava benefício já existente, e por isso não precisava de nova aprovação no Congresso.

Os estados afirmavam que suas instituições de empréstimo para estudantes sofreriam forte rombo financeiro caso o programa fosse levado a cabo. Em novembro, tribunais inferiores pausaram o perdão da dívida até que a Suprema Corte analisasse o caso. Nesta sexta, a Suprema Corte concordou com esse argumento e disse que o crédito estudantil deve ser aprovado em nova lei pelo Congresso.

"O plano do secretário [de Educação, Miguel Cardona] 'modificou' as disposições citadas [lei de 2003] apenas no mesmo sentido em que a Revolução Francesa 'modificou' o status da nobreza francesa —aboliu-a e a substituiu por um novo regime inteiramente", escreveu o presidente da Suprema Corte, John Roberts. "A partir de algumas situações estritamente especificadas pelo Congresso, o secretário expandiu o perdão para quase todos os tomadores de empréstimo do país", disse.

O governo estima em US$ 1,6 trilhão (R$ 7,7 trilhões) o tamanho da dívida de americanos com universidades. Para efeitos de comparação, em 2022 o PIB do Brasil foi de R$ 9,9 trilhões. Essa dívida estava congelada desde 2020, com o início da pandemia, e voltará a valer a partir de outubro.

Em comunicado, Biden afirmou que o programa "teria sido a tábua de salvação de que dezenas de milhões de americanos trabalhadores precisam enquanto tentam se recuperar da pandemia" e que cerca de 90% dos beneficiados ganhavam menos de US$ 75 mil por ano. "Teria sido uma mudança de vida para milhões de americanos e suas famílias. E teria sido bom para o crescimento econômico, tanto no curto quanto no longo prazo", disse.

"A hipocrisia dos políticos republicanos é impressionante. Eles não tiveram problemas com bilhões em empréstimos relacionados à pandemia para empresas —incluindo centenas de milhares e, em alguns casos, milhões de dólares para seus próprios negócios. E esses empréstimos foram perdoados. Mas quando se trata de fornecer alívio a milhões de americanos trabalhadores, eles fazem tudo ao seu alcance para impedir."

Estudantes cobraram uma ação firme do presidente e houve um pequeno protesto em frente ao tribunal. "Diante da decisão injusta da Suprema Corte, a responsabilidade de lutar pelo alívio da dívida estudantil cai diretamente sobre os ombros do presidente. Este é um momento que exige ação rápida", disse em comunicado Natalia Abrams, presidente do grupo SDCC (centro de crise da dívida estudantil, na sigla em inglês), afirmando que "famílias de todo o país precisam desesperadamente" do cancelamento da dívida.

A resposta da Casa Branca veio horas depois. "A decisão de hoje fechou um caminho. Agora vamos começar outro", disse Biden durante entrevista coletiva em que manteve tom comedido até ser questionado sobre a possibilidade de ter dado falsas esperanças aos devedores. "Eu não dei falsas esperanças," disse, levantando a voz. "Os republicanos arrebataram a esperança que lhes foi dada."

O bloqueio reflete a maioria conservadora da Suprema Corte atingida na era Donald Trump. O tribunal tem seis juízes conservadores e três progressistas, que refletiram o placar do julgamento desta sexta. É o segundo julgamento do dia com esse placar, depois que a maioria decidiu que uma designer evangélica do Colorado pode se recusar a prestar serviço para casais gays protegida pela liberdade de expressão.

Outra decisão polêmica veio na quinta-feira (29), quando a mesma maioria conservadora do tribunal reverter entendimentos anteriores em outro caso sensível e determinar que universidades não podem considerar a raça dos candidatos em processos de admissão, encerrando assim as políticas de ações afirmativas para incentivar o ingresso de minorias raciais no ensino superior.

Quem é quem na Suprema Corte dos EUA

  1. John Roberts, 68 (conservador)

    Indicado por George W. Bush em 2005. Ainda que seja considerado conservador, o atual presidente da Corte às vezes atua mais ao centro

  2. Clarence Thomas, 74 (conservador)

    Indicado por George Bush em 1991

  3. Samuel Alito, 73 (conservador)

    Indicado por George W. Bush em 2006

  4. Neil Gorsuch, 55 (conservador)

    Indicado por Donald Trump em 2017

  5. Brett Kavanaugh, 58 (conservador)

    Indicado por Trump em 2018

  6. Amy Coney Barrett, 51 (conservadora)

    Indicada por Trump em 2020

  7. Sonia Sotomayor, 68 (progressista)

    Indicada por Barack Obama em 2009

  8. Elena Kagan, 63 (progressista)

    Indicada por Obama em 2010​

  9. Ketanji Brown Jackson, 52 (progressista)

    Indicada por Joe Biden em 2022

O bloqueio ao alívio da dívida estudantil deve provocar forte impacto na campanha de reeleição de Biden, que está focada em vender a ideia de prosperidade econômica de sua gestão, com desemprego em mínimos recordes e aumento de salários.

A Casa Branca tem falado em "Bidenomics", juntando o nome do presidente à palavra "economics", economia em inglês. "Bidenomics se trata do futuro", disse o democrata na última quarta (28) em discurso em Chicago. "Bidenomics é só uma outra maneira de dizer: recupere o sonho americano", afirmou.

Um dos pilares da gestão econômica atual da Casa Branca é justamente o aumento de gastos do governo em programas que beneficiam a classe média e classes mais baixas, como ele mesmo disse no discurso em Chicago, e a decisão da Suprema Corte é um duro golpe ao impactar o orçamento das famílias.

Apesar da propaganda, Biden precisa combinar com os americanos, porque após um ano de inflação recorde e crescimento econômico abaixo do esperado os eleitores não têm colocado muita fé na economia americana. Pesquisa da Associated Press publicada na mesma quarta-feira apontou que apenas 34% dos americanos aprovam a condução econômica da gestão atual, número inferior até a aprovação geral do atual governo, em 41%.

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