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Incêndios em baterias de bicicletas elétricas se multiplicam em Nova York

Episódios, muitas vezes com mortos, abrem discussão sobre baixa regulamentação de veículos com dispositivos de lítio

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Winnie Hu
The New York Times

A namorada de Alfonso Villa Muñoz tinha dito para ele não comprar uma patinete elétrica, mas ele ficou curioso. Trabalhava numa adega no Brooklyn em agosto quando um entregador disse que conhecia alguém que vendia uma por US$ 700 (R$ 3.351). Muñoz disse que sim.

A scooter era vermelho-cereja, com o número 7 na frente. Sob o assento havia uma bateria de íons de lítio extra grande. Quando precisava ser carregada, Muñoz a removia e a levava até o apartamento do casal, no terceiro andar em College Point, no bairro nova-iorquino do Queens.

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Alfonso Villa Muñoz, Marilu Torres e Jefferson Jimenez, pais e irmão de Stephanie Villa Torres - José A. Alvarado Jr. - 10.mai.23/The New York Times

Um mês depois, a bateria explodiu na sala, desencadeando chamas que tomaram conta do apartamento. Muñoz gritou por sua filha Stephanie, 8, que dormia. Ele não conseguiu atravessar a parede de fumaça preta para chegar até ela. Stephanie morreu por inalação de fumaça.

"É como se você trouxesse morte e destruição para sua casa, não apenas para você, mas para todos ao seu redor", disse Muñoz, 36, tirando os óculos para enxugar as lágrimas. "Você pode perder tudo."

Bicicletas e scooters elétricas inundaram as ruas de Nova York adotadas por entregadores e passageiros como uma maneira econômica e eficiente de se locomover. Apesar de os dispositivos terem ficado quase onipresentes, suas baterias fizeram da cidade o epicentro de um novo tipo de incêndio feroz e rápido.

Esses incêndios são perigosos, alerta Laura Kavanagh, comissária de bombeiros de Nova York. Com pouco ou nenhum aviso, as baterias podem pegar fogo, deixando segundos para as pessoas escaparem. Em apenas três anos, os incêndios com baterias de lítio igualaram os elétricos e superaram os provocados por cozinhar e fumar como principais causas de incêndios fatais na cidade.

Stephanie Villa Torres, 8, foi uma das 23 vítimas de incêndios provocados por baterias de lítio na cidade de Nova York neste ano
Stephanie Villa Torres, 8, foi uma das 23 vítimas de incêndios provocados por baterias de lítio na cidade de Nova York neste ano - José A. Alvarado Jr. - 10.mai.23/The New York Times

As razões para o aumento desses acidentes são inúmeras. Incluem falta de regulamentação e testes de segurança para dispositivos de propriedade individual, práticas perigosas de carregamento (como o uso de equipamentos incompatíveis ou sobrecarga) e falta de áreas de carregamento seguras numa cidade densamente povoada, com inúmeros prédios residenciais, onde começa a maioria dos incêndios.

Para os que dependem de bicicletas elétricas e outros dispositivos movidos a bateria para fazer entregas ou ganhar a vida, os incêndios forçaram uma escolha entre estabilidade financeira e segurança pessoal.

Em todos os EUA, mais de 200 casos de incêndio ou superaquecimento de micromobilidade foram relatados em 39 estados, resultando em ao menos 19 mortes, segundo a Comissão de Segurança de Produtos de Consumo. Mas a organização enfatiza que o problema é especialmente grave em áreas densamente povoadas. Em Londres, incêndios do tipo são o risco que mais cresce, com 57 casos em bicicletas elétricas e 13 em patinetes elétricas neste ano, de acordo com o Corpo de Bombeiros local.

Em Nova York, incêndios em baterias de lítio mataram 13 pessoas neste ano —quatro num episódio que começou numa loja de bicicletas em Chinatown. No total, 23 pessoas morreram em incêndios de baterias desde 2021. Neste ano, foram 108 incêndios, ante 98 no mesmo período do ano passado.

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Resultado de um incêndio em uma loja de reparos de bicicletas elétricas em Chinatown, Manhattan - Amir Hamja - 10.jun.23/The New York Times

'Esses dispositivos estão aqui agora, e são muitos'

Durante a pandemia de Covid, quando o transporte público foi reduzido e a demanda por entrega de alimentos disparou, houve uma oferta imediata de bicicletas elétricas e patinetes eletrônicas baratas de qualidade questionável em toda a cidade. Aqueles em busca de bons negócios atacaram.

Com muitos vivendo em locais apertados, eles carregavam suas baterias nos próprios apartamentos.

Mas quando uma bateria de lítio superaquece ou apresenta mau funcionamento, a velocidade e o impacto dos incêndios as tornam especialmente perigosas, sobretudo quando muitos moram em locais pequenos.

Isso levou cada vez mais proprietários de apartamentos a proibir bicicletas elétricas e outros dispositivos de mobilidade elétrica, enquanto políticos de Nova York trabalham para evitar incêndios em várias frentes.

Em setembro, a cidade se tornará a primeira do país a proibir a venda de bicicletas elétricas e outros dispositivos de mobilidade elétrica que não atendam aos padrões de segurança aprovados.

Autoridades e bombeiros também pressionaram por maior supervisão estadual e federal, fecharam estações ilegais de carregamento de baterias, trabalharam com apps de entrega para educar os trabalhadores e mostraram mensagens de serviço público com baterias explodindo. "Tenho preocupações muito sérias em curto prazo", diz Kavanagh. "Esses dispositivos estão aqui agora, e há muitos deles."

Um 'mini-inferno' no Citi Bike prenuncia uma crise

Em março de 2019, o Citi Bike, popular programa de compartilhamento de bicicletas, estava carregando suas bicicletas elétricas com pedal em seu depósito no Brooklyn quando houve um incêndio.

Começou com um estrondo. Então vieram chamas com faíscas cromadas voando e uma onda de calor. "Num instante, as baterias começaram a explodir em chamas uma a uma, como em efeito dominó", relatou uma testemunha aos bombeiros. "Em dez segundos, toda a linha superior se tornou um mini-inferno."

Embora os incêndios em bicicletas elétricas estivessem se tornando um problema, os bombeiros estão cientes dos perigos das baterias de lítio há anos. Inicialmente, concentraram-se nas baterias altamente reguladas em sistemas de armazenamento de energia, que estocam eletricidade para edifícios.

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Após incêndio em um depósito da Citi Bike em 2019, a segurança da bateria se tornou uma prioridade para o serviço de compartilhamento de bicicletas - José A. Alvarado Jr. - 19.jun.23/The New York Times

Após o caso Citi Bike, a segurança da bateria tornou-se prioridade para o programa de compartilhamento de bicicletas. Ele utiliza apenas baterias certificadas de acordo com as normas de segurança e com sensores integrados que as monitoram em tempo real, bem como um interruptor de desligamento. No armazém, cada bateria é inspecionada e carregada em um rack com divisórias de concreto à prova de fogo. Não houve um grande incêndio de bateria no Citi Bike desde que esses protocolos foram adotados.

Bombeiros também revisaram o código de incêndio da cidade, que agora exige que os edifícios forneçam medidas de segurança, como uma sala de carregamento dedicada com sprinkler quando mais de cinco estiverem carregando. Mas o código de incêndio não cobre o uso individual de bicicletas elétricas, e os inspetores não entram em residências para verificar violações de segurança sem um mandado.

'Estamos tentando espremer muita energia dessas baterias'

As baterias de lítio, usadas comercialmente desde 1991, têm histórico de provocar incêndios em notebooks Dell, smartphones Samsung e hoverboards, levando a grandes recalls.

Depois de anos de pesquisa para eliminar o perigo, porém, as baterias de lítio geralmente se tornaram mais seguras, diz Adam Barowy, engenheiro de proteção contra incêndios especializado em baterias de lítio para o Instituto de Pesquisa de Segurança contra Incêndios, nos Institutos de Pesquisa UL.

Dentro de uma bateria de lítio, várias pequenas células são agrupadas. Quando a bateria é usada, os íons de lítio se movem entre os eletrodos dentro de cada célula, gerando uma corrente elétrica.

O perigo ocorre quando uma célula entra em "descontrole térmico", reação em cadeia na qual o calor se desenvolve com extrema rapidez, criando uma ameaça de incêndio e, às vezes, explosão. Uma célula pode entrar em descontrole térmico por sobrecarga, defeito de fabricação ou calor de uma célula adjacente.

Mas há pressão do mercado sobre os fabricantes para adicionar mais energia às baterias, o que pode ultrapassar os limites de segurança. As baterias das bicicletas elétricas contêm muito mais energia do que as dos celulares e, assim, são mais destrutivas em caso de incêndio. "Estamos tentando espremer muita energia dessas baterias, e isso as torna mais perigosas", diz Nikhil Gupta, professor de engenharia mecânica e aeroespacial da Escola de Engenharia Tandon da Universidade de Nova York.

Regulamentação significa testes caros, mas dispositivos mais seguros

Baterias mais potentes são apenas parte do motivo pelo qual tantos veículos elétricos estão pegando fogo. Os carros elétricos e os sistemas de armazenamento de energia, cada vez mais adotados para combater as mudanças climáticas, exigem muito mais energia e, no entanto, provocam menos incêndios.

A diferença, de acordo com especialistas em baterias e segurança contra incêndios, é que essas indústrias são rigorosamente regulamentadas e precisam passar por várias etapas de testes para provar que os produtos são seguros. Até recentemente, bicicletas elétricas não recebiam escrutínio semelhante.

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Entregador observa o trânsito antes de pegar um pedido em Nova York - José A. Alvarado Jr. - 4.nov.20/The New York Times

A Comissão de Segurança de Produtos de Consumo aumentou a supervisão de dispositivos de mobilidade elétrica, instando as empresas a "cumprir os padrões de segurança voluntários estabelecidos ou enfrentar possíveis ações de fiscalização". E os legisladores de Nova York propuseram um padrão de segurança federal para baterias de lítio usadas nesses dispositivos.

Ash Lovell, diretora de política e campanha de bicicletas elétricas da PeopleForBikes, a associação nacional de fabricantes de bicicletas, que pediu mais regulamentos de segurança, disse que as baterias de baixa qualidade não refletem a indústria de bicicletas elétricas como um todo. A maioria de seus membros também vende bicicletas elétricas na Europa e já atende a regulamentos de segurança robustos lá, disse.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves 

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