Influencer ganha a vida explicando Coreia do Sul para latino-americanos

Solteira e autônoma, Sujin Kim seria considerada um fracasso em sua Seul natal, mas faz sucesso na Cidade do México

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Elda Cantú
Cidade do México | The New York Times

Para sua mãe, que é sul-coreana, Sujin Kim é um fracasso: tem mais de 30 anos, ainda está solteira e não trabalha para uma grande corporação.

Mas para seus milhões de seguidores na América Latina, ela virou uma amiga com quem se identificam e que ensina a eles tudo o que é coreano. Tanto é que no México, onde vive, ela é conhecida pelo apelido "Chinguamiga" na internet —uma mistura das versões da palavra "amiga" em coreano e em espanhol.

Mulher jovem de cabelo azul e roupas brancas sorri com perna levantada ao lado de duas amigas com céu azul ao fundo
A influencer sul-coreana Sujin Kim dança com amigos na Cidade do México - Marian Carrasquero - 15.jul.23/The New York Times

O sucesso de Kim se deve não apenas a seu carisma e criatividade, mas também à onda sul-coreana que se espalhou pelo mundo, impelida em parte por um esforço do governo para posicionar o país como um gigante cultural e para exercer soft power.

Em seu país natal, Kim, 32, se debateu com as exigências de uma sociedade hipercompetitiva em que o sucesso é definido segundo critérios restritivos e em que as mulheres jovens enfrentam perspectivas de trabalho cada vez mais limitadas, cargas de trabalho estafantes, machismo e padrões de beleza restritivos.

No México, o interesse por tudo que tem relação com a Coreia do Sul a converteu em uma sensação nas redes sociais, com mais de 24 milhões de seguidores no TikTok e 8 milhões de assinantes no YouTube. Tudo isso lhe valeu popularidade, estabilidade financeira e um parceiro romântico —e bem do jeito que ela queria.

"Ela veio embalada por toda uma cultura", diz o professor Renato Balderrama, diretor do Centro de Estudos Asiáticos da Universidade Autônoma de Nuevo León, em Monterrey, no México, cidade que é um centro industrial com presença crescente sul-coreana. "Teve uma formação na Coreia do Sul, nesta nova Coreia do Sul, que permitiu que ela aterrissasse num lugar como o México e fizesse sucesso."

Kim é uma espécie de professora de, digamos, cultura pop comparativa. Ela dá aulas sobre telenovelas, letras de música, moda, tradições e normas sociais de seu país. Uma vez ela passou um dia trabalhando como garçonete no México e fez um post sobre a confusão que sentiu em relação às gorjetas, inexistentes na Coreia do Sul. Ela mostrou a seus seguidores como os estudantes coreanos estudam obsessivamente para exames. Percorreu o México degustando iguarias regionais.

Seu sucesso nas redes sociais atrai convites para eventos, nomeações a prêmios, patrocínios e longos artigos a seu respeito em revistas. Também permitiu que ela criasse um negócio de sucesso dando aulas de língua coreana online. Ela se mudou de Monterrey para a Cidade do México para aumentar sua exposição e desenvolver sua marca.

Assim, o império nascente de Kim hoje inclui uma loja online de produtos de beleza coreanos. E ela será uma das participantes na segunda temporada do programa Bake Off Celebrity, da HBO.

Seu sucesso reflete o crescimento da influência coreana no México e na região. Mais de 2.000 empresas sul-coreanas têm presença no país latino-americano, parte de uma estratégia batizada de "near-shoring" que está levando grandes corporações –como Kia, LG, Samsung e Hyundai, entre outras— a tirar vantagem de um acordo de livre comércio com o Canadá e os Estados Unidos.

A Coreia do Sul chegou ao México não apenas com empregos, carros e celulares, mas também com algo mais impalpável: seu conceito específico de cultura. O K-pop, a K-beauty (produtos sul-coreanos de cuidados com a pele) e os K-dramas mostram aos latino-americanos um jeito novo e diferente de ser "cool".

Desde 2012, bandas de K-pop vêm se apresentando diante de plateias cada vez maiores, sempre com ingressos esgotados. Este ano um festival de verão levará 16 bandas coreanas à Cidade do México. Os ingressos para os shows custam a partir de US$ 170 (cerca de R$ 810).

Há bancas de jornais especializadas em revistas, pôsteres e produtos ligados a celebridades sul-coreanas. A Netflix oferece dublagem em "espanhol latino" nos programas sul-coreanos de seu catálogo. Cinemas exibem shows de K-pop no exterior ao vivo.

Kim cresceu em Seul, mas depois de passar um período trabalhando e estudando no Canadá e depois viajando pela América do Sul, voltou para casa e achou a vida na Coreia do Sul sufocante. Ela conta que pensou: "Não quero voltar à minha vida antiga".

Ela se mudou para o México em 2018, impelida pelo desejo de saber como é viver na América Latina e escapar de um burnout grave. A princípio, foi trabalhar para uma multinacional coreana, mas como o ritmo de trabalho era já era algo familiar, ela optou por começar a dar aulas de coreano.

Então a pandemia virou o mundo do avesso.

"É meu momento. Não tenho nada para fazer", ela conta ter pensado antes de começar a postar suas aulas de coreano no YouTube. "Eu tinha zero visualizações. Ninguém me via."

Seus vídeos eram simples aulas de idiomas: "Palavras fáceis em coreano —três minutos!" Mas aí ela postou no TikTok e um vídeo curto dando explicações sobre a cultura coreana.

"Meu clipe teve umas 5.000 visualizações no mesmo dia, e eu fiquei pasma", ela conta gesticulando, suas unhas pontudas enfeitadas com estrelas, lacinhos e luas.

Em pouquíssimo tempo, seus seguidores no TikTok se multiplicaram. Em uma tarde deste ano, Kim recebeu seus alunos para uma aula virtual de coreano pelo Zoom. Ela cobra de US$ 35 a US$ 45 (R$ 165 a R$ 210) por cada pacote mensal, que inclui quatro aulas de 90 minutos, uma por semana.

Kim conta que depois de concluir a faculdade na Coreia do Sul, ficou muito estressada. "Tive vontade de morrer e de descansar", ela diz em um de seus vídeos mais vistos. Nele, fala abertamente sobre ter sido internada para cuidar de sua saúde mental. Ela atribui seu esgotamento à cultura sul-coreana de sacrifício e trabalho intenso, o que ajudou o país a virar uma potência econômica após a Guerra da Coreia.

"Tudo é rápido, imediato, neste exato segundo", comenta Balderrama. "Isso criou uma cultura em que não há espaço para a mediocridade, não há lugar para quem não se dispõe a competir."

No México, Kim tinha a esperança de encontrar uma vida mais alegre. "Eu vi como é a cultura latina, como vivem as pessoas latinas, e elas vivem felizes", diz. "Não quero desperdiçar um único momento em que estou na América Latina, porque esse tempo é tão precioso para mim."

Ela afirma ter encontrado uma paixão e criado um negócio, mas não ter alcançado por completo a paz de espírito que buscava. Está fazendo terapia para lidar com o que descreveu como alguma depressão e ansiedade.

Sua popularidade e sua grande base de seguidores acabaram alimentaram um temor: "Fico com medo de as pessoas me esquecerem, de ninguém gostar de mim", diz, preocupada com o estresse de ser obrigada a gerar conteúdos criativos para continuar relevante.

"Também tenho um problema com os 'haters', com os comentários de algumas pessoas, que me afetam", acrescenta.

De fato, Kim é criticada online por pessoas que dizem que ela deveria voltar à Coreia do Sul, que perguntam se ela paga impostos no México (ela diz que sim) e a enxergam como mais uma estrangeira atraída por uma vida de custo mais baixo e que contribui para a gentrificação de partes do país, às custas dos mexicanos nativos.

Em um vídeo recente, quando estava se preparando para voltar a seu país para uma visita, Kim mostrou um documento de identidade que disse ser o comprovante de seu status de residente legal no México. Ela queria desfazer quaisquer boatos de que seria obrigada a sair do país por estar com visto de turista,

Kim se negou a falar de sua situação de cidadania com o New York Times, mas meses atrás postou um vídeo em que disse que havia completado uma etapa para obter cidadania mexicana.

Tradução de Clara Allain

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