Descrição de chapéu Guerra da Ucrânia Rússia

Japão recorre a fezes humanas para fabricar adubo após Guerra da Ucrânia encarecer fertilizantes

Governo retoma prática comum no país entre os séculos 17 e 19 para evitar insegurança alimentar

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Miura (Japão) | AFP

Em meio ao aumento dos preços de fertilizantes causado pela Guerra da Ucrânia, os japoneses vêm recorrendo a uma prática secular de sua cultura para plantar alimentos: a shimogoe, que na tradução literal significa "composto da bunda de uma pessoa". Ou seja, utilizar fezes humanas como adubo.

A prática foi essencial entre os séculos 17 e 19. No início do século 18, por exemplo, estima-se que Tóquio, que tinha um milhão de habitantes, produzisse 500 mil toneladas desse fertilizante por ano. Mas com o desenvolvimento de redes de esgoto, sistemas de purificação e fertilizantes químicos, a prática caiu em desuso.

Nobuyoshi Fujiwara, proprietário de uma fazenda de alface, cheira fertilizante feito de fezes humanas em sua fazenda na cidade de Yokosuka, no Japão - Yuichi Yamazaki - 13.jun.23/AFP

Não para sempre: há cerca de dez anos, as estações japonesas de tratamento de água começaram a pensar em voltar com essa prática devido à dificuldade em destinar o lodo de esgoto de forma correta e segura –o processo é caro e pode ser prejudicial ao meio ambiente.

Com a Guerra da Ucrânia, então, a shimogoe voltou a crescer de vez. Na pequena cidade de Tome, no nordeste do país, uma empresa que produz esse fertilizante desde 2010 registrou um aumento de 160% nas vendas no ano fiscal encerrado em março. A demanda foi tão alta que a companhia chegou a ficar sem estoque.

"Nosso fertilizante é popular porque é barato e ajuda os agricultores a reduzir custos vertiginosos", disse à AFP o vice-presidente da empresa, Toshiaki Kato. "Também é bom para o meio ambiente", ressalta.

Composto por uma combinação de lodo tratado de fossas sépticas e fezes humanas de fossas sanitárias, o composto é vendido a 160 ienes (R$ 5,30) por 15 quilos. Dez vezes menos do que os produtos importados.

As vendas desse tipo de fertilizante também dobraram ou até triplicaram, segundo autoridades da área de Saga, no sudoeste do Japão, onde dezenas de outros municípios japoneses também começaram a usá-lo.

A prática tem o aval até do governo japonês –a administração federal está preocupada com as consequências da guerra na segurança alimentar da população. Em dezembro, o Ministério da Agricultura estabeleceu a meta de dobrar o uso de esterco animal e humano até 2030, de modo que represente 40% dos fertilizantes usados no país.

Em Miura, ao sul de Tóquio, os produtores removem a água dos dejetos humanos antes de processá-los em grandes tanques, onde o material é fermentado por bactérias para diminuir o odor e aumentar os benefícios agrícolas. Nesta região, são produzidas 500 toneladas de fertilizantes todos os anos.

Segundo os produtores locais, é preciso aplicar quatro ou cinco vezes mais fertilizantes do que quando se usam produtos químicos clássicos.

O grande problema é o mau cheiro, que persiste mesmo após os processos de atenuação. Até por isso, os produtores evitam recorrer à prática em plantações próximas a casas. "Há muitas reclamações sobre o cheiro", diz Nobuyoshi Fujiwara, 41, gerente de uma plantação agrícola em uma cidade vizinha.

Isso, porém, não significa que o fertilizante é sujo, segundo Fujiwara. "Apesar de produzirmos alimentos saudáveis, imagino que para quem não sabe muito sobre o assunto, a impressão de que usamos um fertilizante feito de excremento humano não é boa. Um sistema de certificação oficial, portanto, seria útil para promover nossos produtos", diz.

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