Minas terrestres espalhadas por russos emperram contraofensiva da Ucrânia

Territórios estão forrados com dezenas de tipos de armadilhas que mantêm forças de Kiev empacadas

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Andrew E. Kramer
Orikhiv | The New York Times

Foi uma cena terrível de membros ensanguentados e veículos esmagados quando uma série de minas russas explodiu num campo no sul da Ucrânia.

Um soldado ucraniano pisou numa mina e caiu na vegetação, na zona intermediária entre os dois Exércitos. Nas proximidades, havia outros soldados ucranianos com as pernas amarradas com torniquetes, esperando resgate médico, segundo vídeos publicados na internet e relatos de militares.

Pouco depois, um veículo blindado chegou para resgatá-los. Um médico saltou para tratar os feridos e se ajoelhou no chão, que considerava seguro –mas detonou outra mina com o joelho.

Soldado ucraniano carrega mina antitanque durante treinamento próximo da cidade de Huliaipole, na região de Zaporíjia
Soldado ucraniano carrega mina antitanque durante treinamento próximo da cidade de Huliaipole, na região de Zaporíjia - David Guttenfelder - 24.jun.23/The New York Times

Após cinco semanas de uma contraofensiva que até as autoridades ucranianas dizem ter começado hesitante, entrevistas com comandantes e soldados que lutam na frente de batalha indicam que o progresso lento tem um motivo: as minas terrestres.

Os campos que as forças ucranianas devem atravessar estão forrados com dezenas de tipos dessas minas –feitas de plástico e de metal, com o formato de latas de tabaco para mascar ou latas de refrigerante, e com nomes curiosos como "a bruxa" e "a folha".

O Exército da Ucrânia ainda é prejudicado pela falta de apoio aéreo e pela rede de estruturas defensivas construída pelos russos. Mas é a vasta gama de minas, armadilhas e dispositivos explosivos improvisados que mantém as forças ucranianas empacadas a poucos quilômetros de onde partiram.

"Eu não poderia imaginar algo assim", disse um soldado ucraniano chamado Serhii, integrante de uma unidade que resgatou os soldados feridos nas explosões. "Pensei que as minas estariam dispostas em linhas. Mas campos inteiros estão cheios delas, em todos os lugares."

As minas há muito são um elemento básico da guerra russa, usadas extensamente no Afeganistão e na Tchetchênia e nas fases anteriores dos combates na Ucrânia, que remontam a 2014. Mas os campos minados no sul ucraniano são vastos e complexos, segundo soldados que entraram neles.

"Para limpar minas, você precisa ter muita motivação e cabeça fria", disse o major Maksim Prissiajniuk, especialista ucraniano em retirada de minas que entra nos campos à noite, antes do avanço da infantaria. "É um trabalho delicado como o de um cirurgião, mas ao mesmo tempo há explosões ao seu redor."

Especialistas no processo de retirada de minas se aventuram com detectores de metal e sondas presas a cabos para cutucar o solo, tentando encontrar minas enterradas sem detoná-las. "Essas são nossas ferramentas –e um ícone no bolso", disse Prissiajniuk, referindo-se às imagens religiosas ortodoxas. Ele estava num ponto de atendimento médico, onde soldados feridos por minas surgem num fluxo constante.

Os campos minados contam com armadilhas e dispositivos antimanipulação que fazem com que as minas detonem se forem movidas —o objetivo é impedir o trabalho das equipes de retirada de minas.

Explosivos mais sofisticados incluem as chamadas minas saltadoras, que, ao sofrerem pressão, saltam e espalham estilhaços, atingindo soldados próximos. A Rússia também usa minas acionadas por fios finos e amarelos que se estendem por cerca de uma dúzia de metros –qualquer um deles, quando movido, pode desencadear uma explosão e uma rajada de estilhaços.

As equipes de retirada de minas trabalham abrindo caminhos de cerca de 60 cm de largura para permitir o avanço da infantaria. Em seguida, os soldados alargam a via em mais 30 cm para permitir que dois militares caminhem ombro a ombro enquanto carregam macas com feridos. Em junho, um maqueiro com um colega ferido acionou uma mina porque o caminho não pôde ser alargado com rapidez suficiente.

O perigo existe mesmo após os caminhos serem abertos. As forças russas costumam disparar foguetes que espalham pequenas minas de plástico na cor verde, difíceis de serem detectadas, e segundo Prissiajniuk chamadas de minas-borboletas, sobre áreas onde os equipamentos foram removidos.

Volodimir, que atua como médico militar, realiza amputações em soldados cujos pés ou pernas foram arrancados por explosões de minas. Assim como outros militares entrevistados, ele só quis revelar o primeiro nome por questões de segurança.

Ele diz que as minas ultrapassaram a artilharia como principal causa de ferimentos. Algumas delas são feitas de plástico, o que evita que sejam detectadas. Além disso, os estilhaços que lançam sobre os soldados podem ser invisíveis para os médicos nos postos de primeiros socorros próximos ao front, nos quais equipes médicas usam detectores de metal para encontrar e remover fragmentos.

Os soldados são tratados e encaminhados para hospitais mais distantes. Volodimir conta que, na semana passada, amputou ambas as mãos de um especialista em retirada de minas ferido enquanto tentava desarmar um artefato. No sul, as tropas ucranianas estão atacando pelo menos três áreas, mas não romperam as principais linhas de defesa dos russos. As minas não são a única dificuldade que enfrentam. À medida que avançam, os soldados ucranianos saem do alcance de alguns de seus sistemas de defesa aérea e ficam vulneráveis aos helicópteros de ataque russos.

Na semana passada, no ponto onde as forças ucranianas mais avançaram, ao sul da vila de Velika Novosilka, o Exército ucraniano havia percorrido cerca de oito quilômetros. Na região onde os soldados se depararam com um campo minado, ao sul da cidade de Orikhiv, o avanço foi de 1,5 km. Para chegar ao mar de Azov e cortar as linhas de abastecimento para a Crimeia ocupada pela Rússia, um dos objetivos da contraofensiva, as forças da Ucrânia devem avançar aproximadamente 95 km.

Minas terrestres na região de Novodarivka, na Ucrânia
Minas terrestres na região de Novodarivka, na Ucrânia - David Guttenfelder - 6.jul.23/The New York Times

Um ponto positivo, segundo os soldados ucranianos, é a proteção fornecida por blindados ocidentais. Onde foram usados, os veículos salvaram vidas com sua blindagem capaz de proteger das explosões. Os veículos de combate de infantaria Bradley, fabricados nos EUA, com blindagem de alumínio e aço, passam impunemente. Eles são imobilizados por minas antitanque russas, dispositivos robustos e circulares carregados com cerca de sete quilos de TNT, muitas vezes sem causar ferimentos graves nos soldados.

"Os americanos fizeram esta máquina para salvar a vida da tripulação", diz Serhii, soldado da equipe de resgate, que opera seu terceiro Bradley após dois anteriores atingirem minas antitanque. A segunda explosão ocorreu quando ele foi enviado para remover a infantaria ferida de um campo minado.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves 

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