Podcast aborda como Guerra da Ucrânia influencia crime organizado e contrabando

Respostas, no entanto, ainda são pouco claras, o que mostra como criminalidade no país permanece bastante opaca

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

São Paulo

Existe uma relação entre a Guerra da Ucrânia e o contrabando como crime organizado. Um exemplo: 40% do petróleo extraído da Nigéria é hoje desviado para refinarias da Bulgária ou de outros países que suprem a carência do petróleo russo, por ora submetido a um embargo de americanos e europeus.

Outra conexão se refere às armas de pequeno porte. A Ucrânia é um tradicional mercado receptor, com uma demanda ampliada devido à guerra. Mas traficantes ucranianos em seguida comercializam esse arsenal com grupos mafiosos que atuam no Leste Europeu.

Pedestre caminha perto de monumento em homenagem a Mikhail Kalachnikov, inventor dos fuzis Kalashnikov, na capital Moscou
Pedestre caminha perto de monumento em homenagem a Mikhail Kalachnikov, inventor dos fuzis Kalachnikov, na capital Moscou - Iuri Kadobnov - 9.fev.23/AFP

Essas informações foram recentemente veiculadas em podcast da emissora de rádio pública France Culture. Detalhe curioso: três dos quatro especialistas convidados publicaram livros recentes sobre o crime organizado; ainda assim, nenhum foi capaz de fornecer números sobre o tráfico ligado à guerra. A Ucrânia é um drama em que a criminalidade ainda permanece bastante opaca.

Até 2014, quando a Rússia se apoderou da Crimeia, um dos portos locais, o de Odessa, funcionava como centro de distribuição da heroína que chegava do Afeganistão. Fabrice Rizzoli, especialista em crime organizado no Instituto de Ciências Políticas de Paris, diz que o mercado era sobretudo russo, em razão dos militares que se viciaram enquanto combatiam nos anos 1980 em território afegão.

Esse circuito, que na época envolvia a Ucrânia então sob guarda-chuva soviético, diversificou-se e, agora, alastrou-se até as Ilhas Maurício e a Turquia, que foi o grande centro de tratamento da heroína durante a Segunda Guerra Mundial. Laboratórios clandestinos têm hoje o controle de mafiosos da Síria, no negócio há duas décadas.

É um negócio complexo e diversificado, diz a economista Clotilde Champeyrache, do liceu parisiense de Artes e Ofícios. A Ucrânia já foi considerada no passado o terceiro país mais corrompido do mundo. Praticava narcotráfico, tráfico de pessoas e de armas, lavagem de dinheiro e contrabando diversificado.

Bertrand Monnet, especialista em gestão de riscos provocados pelo crime organizado, cita outro exemplo. Temendo o bloqueio de seus capitais, oligarcas russos, tão logo começou a guerra, transferiram centenas de milhões de dólares para bancos dos Emirados Árabes Unidos. Não havia nisso nada de ilegal, mesmo com o detalhe bizarro de o dinheiro ter chegado em notas e não por ordem de pagamento.

Mas eis que um grupo da ONU descobriu que os mesmos bancos são procurados por narcotraficantes do México —a origem lícita se misturou com a ilícita, e talvez a lícita não fosse tão limpa assim.

Outra curiosidade está no fato de as Kalachnikov, as imbatíveis metralhadoras russas, estarem experimentando uma queda em seus preços no porto de Marselha, notória plataforma de exportação.

É algo que não faria muito sentido diante do crescimento do tráfico e de uma guerra no continente europeu. Mas eis as razões, segundo Nicolas Giannakopoulos, presidente do Observatório do Crime Organizado, localizado em Genebra: fabricantes artesanais de armas na Bósnia e na Albânia, nem sempre em atividade legal, forneciam a grupos criminosos russos e ucranianos. O preço da metralhadora caiu porque houve uma oferta maior que a demanda.

Pode-se perguntar como é que esses arsenais são contrabandeados sob as barbas das autoridades policiais. E a resposta seria a mesma quando se trata do narcotráfico: os produtos escoam em meio a um volume incomparavelmente maior de bens de consumo.

Clotilde Champeyrache cita alguns exemplos. A polícia do porto de Antuérpia nada pode fazer –exceto se estiver previamente informada– com a cânabis e a cocaína que chegam da América do Sul.

As autoridades conseguem inspecionar no máximo 2% dos contêineres. E os guindastes desembarcam um contêiner a cada oito segundos. O volume é excepcionalmente grande para uma boa fiscalização.

Criminosos ucranianos operam na Europa com as brechas permitidas por essa enorme grandeza do comércio internacional. Em meio às importações legais há o tráfico de drogas sintéticas, de componentes eletrônicos ou de peças de reposição.

O Grupo Wagner, que rompeu recentemente com Vladimir Putin, pertence ou não a essa rede do crime organizado? Clotilde Champeyrache responde que o grupo não comercializa drogas e seria por isso inocente dessa acusação. Mas é um notório traficante de armas, e os serviços de inteligência americanos têm provas do fechamento de negócios do grupo com países da África.

Les mafias face à la guerre en Ukraine

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.