Contraofensiva em xeque e novas frentes marcam fase da Guerra da Ucrânia

Impaciência cresce no Ocidente com ritmo da guerra e escalada nos mares Negro e Báltico

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São Paulo

Setenta e cinco semanas depois do início da invasão russa da Ucrânia, a guerra promovida por Vladimir Putin contra o vizinho vive uma nova e complexa fase, marcada pelas dificuldades de Kiev em sua contraofensiva e pela ampliação dos impactos do conflito no mar Negro e na região do Báltico.

Essas divisões temporais são arbitrárias, mas é possível estipular que até aqui houve cinco fases mais amplas da guerra, a mais recente definida inclusive pela contraofensiva lançada por Kiev em 4 de junho.

Fuzileiros navais ucranianos treinam para entrar em ação contra os russos em Donetsk
Fuzileiros navais ucranianos treinam para entrar em ação contra os russos em Donetsk - Viacheslav Ratinskii - 31.jul.23/Reuters

A ação ucraniana evoluiu para uma nova etapa, que passa pelo fato de que ela não logrou romper defesas russas e, como especulava-se no Ocidente, interromper a ponte terrestre que ligava a Rússia à Crimeia anexada em 2014 pelo sul ocupado da Ucrânia. Assim, abundam sinais de preocupação e insatisfação com os rumos da guerra nos países da Otan, a aliança militar liderada pelos EUA que banca o esforço de Kiev contra Moscou, tendo armado e treinado entre 30 mil e 45 mil soldados para a contraofensiva.

Analistas proeminentes e com acesso às linhas de frente, como os americanos Michael Kofman e Rob Lee, passaram a surgir como vozes cautelares em reportagens de veículos importantes que aderiram a uma cobertura da guerra francamente anti-Rússia, como o New York Times e o britânico The Guardian.

Com a ressalva de que tudo ainda é incipiente, um mantra desde junho, eles apontaram nos jornais, na quarta-feira (2), motivos para o insucesso relativo até aqui. Basicamente, teria sido treinamento e poder de fogo, com os badalados tanques alemães Leopard-2 e outras armas sendo, afinal, insuficientes. Estima-se que entre 25% e 30% do material bélico enviado pelo Ocidente já tenha sido perdido ou danificado.

Na terça, o boletim diário da Defesa do Reino Unido, outro vocal apoiador de Volodimir Zelenski, culpou o crescimento de vegetação em áreas antes da guerra usadas para agricultura como fator do avanço lento.

Pode ser, mas o fato é que as defesas russas estão dando conta até aqui de absorver as ondas de ataques. No final da semana passada, o Pentágono vazou a jornalistas um "agora vai", na forma do emprego de forças do 10º Corpo do Exército ucraniano, uma unidade totalmente "ocidental" de Kiev.

Mas não foi. Na verdade, eles avançaram num ponto em Zaporíjia, no sul, um dos três focos da contraofensiva, para apoiar o degradado 9º Corpo, que só chegara à primeira das três linhas defensivas russas. Pelo plano, segundo o Guardian, isso só deveria acontecer quando a barreira final e principal fosse atingida.

O NYT ainda lembrava, o que não é pouco quando se trata de um jornal tão próximo do governo Joe Biden, que os EUA já deram US$ 44 bilhões em ajuda militar desde o ano passado a Kiev. Não por acaso, nem o treinamento de pilotos ucranianos para eventual uso de caças F-16 foi aprovado, apesar de anunciado.

Com a proximidade da campanha pela Casa Branca em 2024, a areia da paciência na ampulheta dos democratas com Kiev parece estar se esvaindo, e essa é a tática desenhada por Putin até aqui, o que também traz consequências eleitorais. Nesse sentido, a conferência de paz na Arábia Saudita neste fim de semana pode ser outra sinalização às partes sobre a vontade internacional de ver a guerra encerrada.

Na mão inversa, a propalada ofensiva russa na região norte de Donetsk, no leste, e em Kharkiv, no norte, vendida por Kiev como avassaladora, também vai a passos de tartaruga. De quebra, Moscou e outras cidades russas passaram a ser alvos mais frequentes de drones ucranianos, com alto valor simbólico, além de a ponte que liga o país à Crimeia ter virado objeto de ataques marítimos.

A ameaça de uma estagnação nas frentes é compensada, em termos de dinâmica, por dois outros fatores novos. Primeiro, o mar Negro como campo ativo de batalha a partir da saída de Putin do acordo de grãos que permitia à Ucrânia escoar sua produção. Desde que isso ocorreu, na segunda retrasada, os russos passaram a bombardear sistematicamente portos ucranianos para provar sua intenção de bloqueio.

A Otan falou grosso e reforçou sua presença nos céus da região, mas Moscou dobrou a aposta e atacou portos secundários no estuário do rio Danúbio, grudados à fronteira do clube na Romênia. Desnecessário apontar o risco de escalada acidental que isso implica, além do impacto inflacionário global.

O segundo ponto de atrito é na Belarus, efeito decorrente do motim de mercenários do Grupo Wagner contra a cúpula militar russa. O acordo que pôs fim à crise previa a ditadura aliada do Kremlin como destino para os soldados que antes lutavam sob contrato na Ucrânia.

Isso tem gerado uma enorme tensão com a Polônia, um dos mais beligerantes integrantes da Otan. Na semana passada, forças de Varsóvia foram enviadas à fronteira, e na terça o país afirmou que helicópteros de Minsk haviam invadido seu espaço aéreo. Mais de mil soldados estão sendo deslocados.

Nesta quinta, o premiê polonês, Mateusz Morawiecki, reuniu-se com o presidente Gitanas Nauseda, da Lituânia, outro país da região báltica que faz fronteira com Belarus e com o encrave russo de Kaliningrado, ensanduichado entre os dois membros da Otan. Minsk tem armas nucleares de Putin em seu território.

Não por acaso, o encontro ocorreu no corredor de Suwalki, faixa pouco habitada na fronteira lituano-polonesa e ponto mais próximo entre Belarus e Kaliningrado, vista como o calcanhar de Aquiles ocidental na região em caso de um ataque russo a partir do aliado para isolar a defesa dos três Estados bálticos.

Morawiecki, mantendo o tom alarmista dos últimos dias, afirmou que há talvez 4.000 soldados do Wagner na Belarus prontos para "desestabilizar" a fronteira, que Nauseda sugeriu ser fechada ali, em seu país e na Letônia, outro membro da Otan. Assim, se o interesse de Putin foi o de ver sua guerra ampliar a faixa de frequência, até aqui ele parece ter logrado algum sucesso.

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