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Quarto indiciamento de Trump faz parte de show que virou rotina surreal

Eleitores já nem sabem diferenciar processos, e republicanos ignoram acusações em série contra candidato

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Peter Baker
Washington | The New York Times

Mais um grande júri, mais um indiciamento. Na segunda (14), pela quarta vez em igual número de meses, Donald Trump foi acusado de crimes graves, e algo antes sem precedentes agora virou uma rotina surreal.

Não se sabe bem como a ideia de um ex-presidente dos Estados Unidos ser chamado de criminoso deixou de ser novidade. Não que o indiciamento de 98 páginas apresentado na Geórgia, que o acusa de procurar, por meio de corrupção, reverter os resultados da eleição presidencial de 2020 nesse estado, não tenha sido grave e carregado de consequências. Mas um país em que o tempo de atenção das pessoas é curto já assistiu a isso três vezes antes e parece ter estranhamente se acostumado ao espetáculo.

De costas, o ex-presidente e pré-candidato à Casa Branca, Donald Trump, em clube de olfe em Bedminster, no estado de Nova Jersey
De costas, o ex-presidente e pré-candidato à Casa Branca, Donald Trump, em clube de olfe em Bedminster, no estado de Nova Jersey - Timothy A. Clary - 11.ago.23/AFP

Múltiplos promotores delinearam cumulativamente uma alegada orgia de crimes presidenciais de proporções épicas, cheia de intrigas complicadas, conspiradores misteriosos e subtramas que se entrecruzam. O indiciamento na Geórgia foi mais longe que os anteriores, ao incluir 18 outras pessoas na acusação de colaborar em uma empreitada criminosa com o ex-presidente. Entre essas pessoas estão figuras estreitamente ligadas a Trump como Rudy Giuliani, Mark Meadows, Jeffrey Clark e John Eastman.

Mas pesquisas apontam que a maioria dos americanos formou sua opinião sobre Trump muito antes de promotores como Fani Willis ou Jack Smith intervirem. A depender do ponto de vista, Trump é um infrator serial das leis que está enfim sendo levado à Justiça ou uma vítima de perseguição com intuito partidário para não deixar que ele volte à Presidência. Por forte que tenha sido sua linguagem, o indiciamento na Geórgia já foi incluído nos cálculos dos riscos do mercado, como diriam executivos de Wall Street.

"Os indiciamentos acumulados são como ruído branco para os eleitores", diz Sarah Longwell, consultora política republicana que organizou a oposição a Trump e conduz grupos semanais de eleitores. "Eles não diferenciam Geórgia de Smith –tudo se funde num ciclo de notícias em que ‘Trump enfrenta problemas’."

Esse fato revela muita coisa sobre como Trump transformou os EUA desde que se candidatou à Casa Branca pela primeira vez. No passado, o país rejeitava candidatos flagrados conduzindo um veículo alcoolizados ou citando frases de outros em um discurso sem reconhecer a autoria das frases.

Hoje, um dos dois principais partidos do país não excluiu um candidato que é o favorito para a indicação presidencial e foi acusado de conspirar para subverter a democracia, colocar a segurança nacional em risco, obstruir a Justiça e falsificar documentos sobre pagar uma atriz pornô para garantir o silêncio dela.

Trump deslocou os limites do aceitável a tal ponto que seus partidários, incluindo a maioria de seus rivais para a indicação presidencial em 2024, já não dão sinais de se voltar contra ele, não importa quantos indiciamentos sejam emitidos. É um sinal do quanto ele forçou seu partido a abraçar sua narrativa de martírio. A ideia de que uma folha criminal com múltiplos crimes não seria razão para sua desqualificação automática teria chocado os 44 presidentes que o antecederam, incluindo os republicanos.

O martelar incessante de evidências contra ele pode, em tese, convencer alguns de seus apoiadores a abandoná-lo, nem que seja porque isso pode reduzir suas chances de vencer uma revanche contra Biden na eleição do ano que vem. Isso, claro, é o que alguns analistas previram que pudesse acontecer se Trump chegasse a ser indiciado de fato. Se não da primeira vez, com certeza da segunda. Se não no segundo indiciamento, certamente no terceiro. Com o quarto indiciamento, as previsões deixaram de ser feitas.

Ainda é possível que aconteça o contrário. Embora os fatos gerais não sejam contestados, alguns dos processos são construídos a partir de argumentos legais que podem acabar não persuadindo um júri. Se Trump for absolvido, ele vai alardear a decisão, dizendo que tinha razão: "Não falei para vocês?".

"Uma condenação pode levar ao menos o setor não tão convicto do Partido Republicano a mudar de ideia sobre a elegibilidade de Trump", diz Whit Ayes, pesquisador republicano veterano. "Por outro lado, se for absolvido no primeiro processo, isso virtualmente vai garantir sua escolha como candidato da legenda."

Trump está prestes a virar réu profissional. O júri de um julgamento cível já o considerou culpado de abuso sexual e ordenou o pagamento de US$ 5 milhões de indenização. Em um julgamento criminal separado, sua empresa familiar foi condenada por 17 acusações de fraude fiscal e outros crimes financeiros.

Trump tem cinco outros julgamentos criminais previstos até maio de 2024: no caso do pagamento à atriz pornô, no caso dos documentos secretos, um julgamento cível por fraude na Justiça estadual de Nova York e dois julgamentos cíveis na Justiça federal. Um sexto julgamento será programado, este ligado à ação movida por Jack Smith por conspiração eleitoral, e agora um sétimo, pelas acusações na Geórgia.

Ao todo, isso significará nove julgamentos desde que deixou a Casa Branca, sem contar o julgamento de impeachment pelo Senado logo após o término de seu mandato. Mas esses quatro julgamentos criminais são os mais importantes. A mesa foi posta, e as questões foram expostas sobre ela. No total, quatro grandes júris acusam Trump de 91 crimes, e qualquer um dos quais pode colocá-lo na prisão por anos.

E assim o país precisa se preparar para o que certamente será descrito como o julgamento do século. Que será seguido pelo julgamento seguinte do século. E depois mais um. E depois mais um.

Tradução de Clara Allain 

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