Descrição de chapéu Partido Republicano

Trump vira réu pela 2ª vez e alega inocência em caso de documentos sigilosos

Autoridades prepararam esquema de segurança especial, mas não houve protestos violentos

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Washington

Pela segunda vez em dois meses, o ex-presidente dos Estados Unidos Donald Trump se apresentou à Justiça, foi fichado, virou réu em um caso criminal e alegou inocência. Desta vez, nesta terça-feira (13), em um tribunal federal no centro de Miami, onde esteve sob custódia para ouvir as 37 acusações às quais responderá por manter consigo documentos secretos após deixar a Casa Branca.

É um dos grandes testes da política americana, uma vez que Trump, pré-candidato à Presidência, vai responder a uma investigação federal conduzida pelo Departamento de Justiça de Joe Biden —que será seu adversário na eleição de 2024 se o republicano receber de fato a indicação de seu partido, como apontam as pesquisas até aqui. Por isso, ele tem defendido que o processo é perseguição política e um complô para evitar sua vitória. A Casa Branca, no entanto, tem tentado se distanciar do processo, e Biden disse que não falou nem falará com seu secretário de Justiça, ‎Merrick Garland, sobre o tema.

O ex-presidente dos Estados Unidos Donald Trump em Miami após se apresentar à Justiça e virar réu em caso de documentos sigilosos - Alon Skuy/Getty Images/AFP

Trump é o primeiro ex-presidente americano a responder a processos criminais. Em abril, ele se tornou réu pela primeira vez na Justiça de Nova York, alvo de acusações sobre fraude envolvendo a compra do silêncio de uma atriz pornô antes das eleições de 2016, quando foi eleito presidente.

Trump chegou ao tribunal por volta das 14h (15h em Brasília) e saiu cerca de duas horas depois, liberado sem necessidade de fiança ou qualquer outra condição, após se declarar inocente de todas as acusações.

Na sala onde ocorreu a audiência estava também o conselheiro especial do Departamento de Justiça Jack Smith, responsável pelas investigações contra Trump na esfera federal e alvo da ira do republicano, que, em rede social, disse que este "é um dos dias mais tristes da história" dos EUA, "uma nação em declínio".

Como na primeira vez, as autoridades não tiraram uma fotografia de Trump como suspeito, mas colheram suas impressões digitais. Em casos do tipo, é comum que os juízes proíbam os réus de deixarem o distrito em que são processados, mas não será o caso do republicano, que está em plena campanha eleitoral.

De acordo com a CNN, os promotores do caso afirmaram ao juiz que não veem risco de fuga do ex-presidente. Ele foi proibido de se comunicar com seu auxiliar Walt Nauta, que também é réu no caso.

Um grande esquema de segurança foi montado na porta do tribunal, a Corte Distrital do Sul da Flórida, onde a polícia esperava entre 5.000 e 50 mil pessoas após convocação do próprio ex-presidente, que escreveu em rede social, em maiúsculas, "vejo vocês em Miami na terça".

A milícia de extrema direita Proud Boys, com membros condenados pela invasão violenta do Congresso em 6 de janeiro de 2021, convocou manifestação em frente ao tribunal nesta terça. Aliados de Trump como Kari Lake e o deputado Andy Biggs chegaram a dizer que o país "chegou à fase de guerra".

Até o início da tarde havia centenas de pessoas no local, sem sinal de violência. Na saída, um homem contrário ao republicano, vestido de presidiário, foi detido após entrar na frente do comboio que levava o ex-presidente. Ao deixar o tribunal, Trump parou num restaurante cubano e tirou fotos com apoiadores.

Trump tem na Flórida, onde mora na maior parte do tempo desde que deixou a Presidência, uma forte base de apoiadores. Até segunda-feira (12), no entanto, ele estava em um clube de golfe de sua propriedade em Nova Jersey, onde costuma passar os verões. O republicano viajou a Miami para ir ao tribunal e deve voltar no fim do dia para participar de um evento de arrecadação de recursos para sua campanha.

O processo de agora é considerado mais robusto que o de Nova York, e por isso preocupa menos as autoridades que tenha caído nas mãos de uma juíza indicada ao cargo pelo republicano, Aileen M. Cannon, que já foi criticada por tomar decisões a favor dele. Trump responderá a 37 acusações —31 das quais por "retenção intencional de informação de defesa nacional", crime previsto pela lei de espionagem com pena de até dez anos, além de queixas por conspiração para obstrução da Justiça.

Autoridades retiraram de seu resort em Mar-a-Lago, no sul da Flórida, dezenas de caixas com documentos ultrassecretos que não deveriam ter saído da Casa Branca, com informações sobre programas nucleares, capacidades militares e pontos de vulnerabilidade dos EUA e de aliados e até planos de ataques a outros países, segundo a investigação. No total, considerando documentos que foram entregues voluntariamente em janeiro de 2022 e apreendidos por policiais em agosto, há cerca de 300 arquivos sigilosos.

Foi na propriedade em Nova Jersey que, em julho de 2021, ele deu entrevista a um escritor, um editor e dois funcionários, durante a qual mostrou e detalhou um plano de ataque ao Irã que disse ter sido preparado pela Defesa americana. Na conversa, reconheceu que as informações eram confidenciais.

No mesmo clube, em outra conversa, mostrou a um apoiador um mapa sigiloso de uma operação militar e disse que não deveria compartilhar aquela informação, segundo o caso levantado pelos procuradores. Trump afirma, porém, ser inocente e que retirou o segredo dos documentos, mas não há registro disso.

Pesam contra o ex-presidente não apenas a retenção dos documentos e a armazenagem em locais inadequados (de um salão de festas do resort a um banheiro), mas também a sequência de manobras que fez para mantê-los mesmo após cobranças do governo e investigação federal, o que justificam as acusações de obstrução da Justiça. Um de seus auxiliares, Walt Nauta, veterano da Marinha, responsável por trocar as caixas com os documentos secretos de lugar várias vezes, também responderá ao processo.

Foto em denúncia contra o ex-presidente dos EUA Donald Trump mostra caixas de documentos armazenadas em banheiro em Mar-a-Lago - Departamento de Justiça dos EUA

Enquanto os documentos estiveram em Mar-a-Lago, houve mais de 150 eventos no local, incluindo casamentos, estreias de filmes e encontros de arrecadação de fundos, com milhares de pessoas que poderiam acessá-los, escreveram os procuradores. "A divulgação não autorizada desses documentos pode colocar em risco a segurança nacional dos EUA, as relações exteriores, a segurança militar e fontes humanas, bem como a continuidade da viabilidade de métodos sensíveis de coleta de inteligência."

Apesar da pendência na Justiça, Trump não ficará impedido de concorrer à Presidência, nem mesmo se for condenado e preso —os EUA já tiveram um candidato preso, o líder sindicalista Eugene Debs, que recebeu quase 1 milhão de votos na eleição de 1920 enquanto estava no cárcere. Isso porque não há dispositivo legal no país que impeça a candidatura de pessoas condenadas, como acontece no Brasil.

A única brecha para tirá-lo da corrida seria pela 14ª Emenda, que proíbe quem "tiver se envolvido em insurreição ou rebelião" contra o governo de ocupar cargos civis ou militares em governos federal ou estadual. Trump é alvo de uma investigação sobre sua participação no ataque ao Capitólio. O comitê da Câmara que investigou a invasão recomendou a acusação formal dele por insurreição, mas o Departamento de Justiça não enquadrou nenhum dos acusados até agora pelo crime.

Além disso, Trump é alvo de outra investigação que pode resultar em acusação criminal, por tentativa de interferência na eleição na Geórgia em 2020, quando perdeu para Biden.

Até aqui, no entanto, os processos não atrapalharam suas ambições de voltar à Presidência. Após o primeiro indiciamento, ele angariou mais apoio na legenda, arrecadou US$ 10 milhões em menos de uma semana e disparou como favorito para receber a indicação. Hoje, tem 54,3% das intenções de voto entre os republicanos, segundo o site FiveThirtyEight. Em segundo lugar, Ron DeSantis tem 21,4%.

Uma pesquisa da agência de notícias Reuters com o instituto Ipsos divulgada na segunda-feira apontou que 81% dos republicanos dizem acreditar que o processo tem motivações políticas.

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