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Argentina América Latina

Milei é nova força política em Argentina antes dividida em torno de peronismo

Terceira via ultraliberal representada por líder nas primárias rompe com polarização que domina país há décadas

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Sylvia Colombo

Historiadora e jornalista especializada em América Latina, foi correspondente da Folha em Buenos Aires. É autora de 'O Ano da Cólera'

Buenos Aires

Na Argentina, ganhou a raiva, o descontentamento e o velho jingle "que se vayan todos" —que vão todos embora—, dos dramáticos protestos que anteciparam o fim do governo de Fernando de la Rúa, em 2001.

Desta vez, quem personificou o "hartazgo", o cansaço dos argentinos, foi o ultradireitista liberal Javier Milei, 52, que liderava a corrida com cerca de 30% dos votos com 97% das urnas apuradas.

Homem branco de cabelos castanhos desgrenhados e olhos azuis e jaqueta de couro
O candidato de ultradireita Javier Milei em seção eleitoral em Buenos Aires - Mariana Nedelcu - 13.ago.23/Reuters

Milei provou que as denúncias de venda de candidaturas políticas que surgiram contra ele e o desgaste provocado pelo crescimento das intenções de voto do peronista Sergio Massa e da conservadora linha-dura Patricia Bullrich nas últimas semanas não o abateram. O resultado preliminar das Paso, como são conhecidas as primárias no país, mostram o candidato revigorado.

A expressividade do voto em Milei, baseado sobretudo na confiança depositada nele por jovens homens e pobres entre 19 e 30 anos, obrigará desde já os demais candidatos a repensarem suas estratégias.

O próprio ultraliberal terá de refletir sobre quais delírios poderá manter entre suas promessas e quais terá de calibrar para obter os apoios necessários. Entre eles estão: tirar a Argentina do Mercosul, acabar com o Banco Central, dolarizar o país, aprovar a venda de órgãos e implementar o seu "plano motoserra", que cortaria mais da metade do gabinete de ministros, além de vários empregos na administração do Estado.

Mas as Paso não são a eleição para valer. Na prática, existem para eliminar candidatos menos votados de cada coalizão, enxugando o primeiro turno da disputa presidencial, que nestas eleições ocorre em 22 de outubro. Ou seja, daqui até lá teremos outro tabuleiro político e muitas negociações de apoios. Também será necessário avaliar o rumo que devem tomar os eleitores dos candidatos que ficaram de fora.

Num país em que as pesquisas eleitorais vêm falhando, as Paso ganham nova dimensão, e seus resultados provocam novos desdobramentos políticos. No espaço da direita tradicional, a coalizão Juntos por el Cambio obteve por volta dos 28% dos votos, confirmando a candidatura à Presidência de Patricia Bullrich. Com seu carisma linha-dura, a ex-ministra da Segurança é, de todos os candidatos, a que mais pode tirar votos de Milei, pois compartilha com ele a pauta do reforço na luta contra a criminalidade.

Ela terá a tarefa de atrair os votos do perdedor de sua chapa, Horacio Larreta, cujo estilo discreto, técnico e cauteloso não entusiasmou. Nessas alianças, e mesmo numa suposta parceria do Juntos por el Cambio com Milei, será chave o papel do ex-presidente Mauricio Macri, padrinho político dos dois candidatos que nas últimas semanas vem conversando intensamente com o autointitulado "anarcocapitalista".

Já no espaço do peronismo/kirchnerismo, que ficou em terceiro lugar no cômputo geral, com aproximadamente 27% dos votos, saiu vencedor Sergio Massa, que desbancou seu rival interno, Juan Grabois. Enquanto Massa é o atual ministro da Economia e prevê ajustes caso assuma como presidente, Grabois está mais à esquerda e carrega com ele os peronistas vinculados a movimentos sociais e a organizações relacionadas à economia popular, além de setores vinculados à Igreja Católica que atuam em favelas.

Embora daqui até outubro exista muito tempo, na Argentina os resultados de votações como esta começam a impactar já no dia seguinte, sobretudo nos mercados. A ascensão de Milei hoje, mesmo que não chegue a ser eleito em outubro, aumentará a presença de sua coalizão, A Liberdade Avança, no Congresso. Para um país que por décadas teve apenas duas grandes forças, peronistas e antiperonistas, a novidade é lidar com uma terceira via com ideias bem mais radicais.

As eleições deste ano marcam os 40 anos do retorno à democracia na Argentina. Caberá ao presidente que tomar posse no dia 10 de dezembro não atentar contra essa conquista da população. Quaisquer flertes com o autoritarismo representariam um retrocesso para o país.

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