Peronismo tem respiro, e Milei mostra solidão nas eleições locais da Argentina

Governistas perdem espaço, mas sinalizam ainda ter força no interior do país; mais da metade das províncias já votou

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Buenos Aires

Enquanto o tabuleiro presidencial da Argentina era montado, até a última semana, mais da metade das províncias do país foi às urnas eleger governadores. Com a nação dividida principalmente em três forças políticas, começa a se desenhar o clima para as eleições primárias em agosto e gerais em outubro.

Segundo analistas, os resultados até aqui pintam um peronismo debilitado, mas ainda capaz de conseguir votações importantes; uma oposição republicana robustecida pelo desejo de mudança; e o ultradireitista Javier Milei ainda solitário, ainda que o cenário regional seja descolado do nacional.

Os principais candidatos a presidente na Argentina, da esquerda para a direita: Sergio Massa, Horacio Larreta, Patricia Bullrich e Javier Milei - Ministério da Economia da Argentina e Luis Robayo/AFP

A Argentina é dividida em 24 "jurisdições", das quais 14 já votaram neste ano. Oito destas eleições foram vencidas por candidatos apoiados pelo governo de Alberto Fernández; quatro, por opositores ligados à coalizão Juntos por el Cambio, fundada por Mauricio Macri, presidente entre 2015 e 2019; e duas, por nomes que se apartaram dessas alianças principais. Nenhum dos candidatos apoiados por Milei foram eleitos.

"O peronismo está em um dos momentos mais débeis da sua história, com uma reprovação a nível nacional muito alta [principalmente em razão da crise econômica], mas ainda conseguiu reter muitas províncias", diz o analista político Pablo Pero, da Furp (Fundação Universitária do Rio da Prata). O resultado das eleições locais foi, portanto, melhor do que o esperado para os peronistas —o que não significa que eles estejam a salvo.

Pero se refere, por exemplo, a Córdoba, o segundo maior colégio eleitoral do país. O peronismo, que costumava ganhar com folga, teve vitória apertada no último domingo (25), com apenas três pontos de diferença, mesmo representando um setor mais moderado e menos ligado à figura da vice-presidente Cristina Kirchner.

Também houve derrotas inesperadas em locais como Neuquén, na região da Patagônia fronteiriça com o Chile, onde um candidato que rompeu com o partido peronista local conseguiu um resultado histórico. Ele formou uma frente ampla com ambos os lados, num país profundamente polarizado, e acabou com a hegemonia de 60 anos da legenda governista.

Outra ocorreu em San Luis, onde dois irmãos peronistas que estavam no poder há 40 anos brigaram, dando a vitória a um opositor do Juntos por el Cambio pela primeira vez. "Mas há particularidades locais, então não é possível dizer que esses movimentos se traduzam em vitória nacional", pondera Pero.

As regiões que já votaram também têm populações relativamente pequenas em relação ao todo. Os redutos de vitória do peronismo somam até agora 22% dos 34 milhões de eleitores, enquanto os do Juntos por el Cambio totalizam 10%. Outros 60% de argentinos ainda precisam eleger governadores neste ano, dos quais 37% estão concentrados na província de Buenos Aires e 7%, na capital federal. Elas são separadas administrativamente, como Brasília.

Na província, o peronismo manteve o controle local em 31 dos últimos 35 anos, com exceção da onda macrista de 2015 a 2019. Não deve ser diferente desta vez, nas votações marcadas para outubro, preveem analistas e pesquisas. Assim como não deve mudar a tendência antiperonista da capital, onde a oposição triunfa há mais de 15 anos.

A cientista política Camila Miele, da Universidade de Buenos Aires (UBA), diz acreditar que, assim como ocorreu com Macri, o centro do país pode decidir as eleições nacionais. "[O ministro da Economia Sergio] Massa foi escolhido [como candidato do peronismo] porque é mais moderado, não é kirchnerista puro. Em lugares como Córdoba, Mendoza e capital, é preciso algo menos radical", diz ela.

Massa vai competir com Horacio Larreta, chefe de governo da capital federal, ou Patricia Bullrich, ex-ministra da Segurança de Macri, que concorrem nas primárias pelo Juntos por el Cambio. O radical Javier Milei, líder do A Liberdade Avança, também se apresenta como uma rara terceira via.

O poder de fogo do deputado federal de cabelos desgrenhados, porém, ainda parece se limitar às fronteiras de Buenos Aires e à sua própria imagem, segundo indicam os resultados provinciais até o momento. Mesmo os dois candidatos que ele apoiou mais diretamente tiveram resultados considerados decepcionantes.

Suas reiteradas visitas a Tucumán, no norte argentino, com caminhadas pelo local e respaldo a propostas polêmicas como a liberação do porte de armas, não foram suficientes para levar Ricardo Bussi a vencer as eleições. O filho do ditador Antonio Bussi, condenado por crimes contra a humanidade em 2008, angariou menos de 4% dos votos.

Perto dali, em La Rioja, o também apadrinhado de Milei Martín Menem —sobrinho do ex-presidente Carlos Menem— obteve uma votação um pouco melhor, de 16%, mas não garantiu nem o segundo lugar. Com isso, Milei tenta agora se distanciar dos maus resultados: "Vocês viram minha cara na 'boleta' [boletim de voto]?", reagiu ao ser questionado em uma entrevista televisiva sobre a questão.

"Ele se construiu como uma espécie de estrela de rock, e não ainda como um movimento. Seu sucesso não é facilmente transferível", diz Pero, o analista político. Segundo ele, o rosto de Milei nas fichas eleitorais provavelmente será mais efetivo ao puxar deputados federais —na Argentina, se o eleitor quiser votar em coalizões diferentes para Executivo e Legislativo, precisa recortar o papel, o que poucos fazem.

Esse personalismo, diz Camila Miele, da UBA, pode fazer a figura do libertário se diluir caso a economia não dê maiores sustos até o primeiro turno. "Milei sobe quando o dólar dispara, mas cai quando a economia fica estável." Em outubro, afirma a pesquisadora, sua performance responderá à pergunta: é possível fazer uma boa eleição nacional sem triunfar nas províncias?

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