Descrição de chapéu Armênia Rússia

Soldados russos são mortos horas após cessar-fogo do Azerbaijão

Moscou costurou acordo após um dia de ataques em Nagorno-Karabakh sem a Armênia

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

São Paulo

As forças do Azerbaijão aceitaram cessar-fogo negociado com a Rússia em sua ofensiva contra o enclave armênio étnico de Nagorno-Karabakh nesta quarta (20), um dia depois de violarem o acordo que estava em curso havia três anos na região.

Horas depois, contudo, um comboio com soldados russos da força de paz de Moscou na região foi atacado por desconhecidos, segundo o Ministério das Relações Exteriores, e há um número incerto de mortos. O incidente joga sombras sobre a precária estabilidade da região.

O governo em Stepanakert, a capital de Nagorno-Karabakh que já esteve no centro de duas guerras entre forças de Baku e aquelas apoiadas pela Armênia desde os anos 1990, disse que ao menos 32 pessoas morreram durante os ataques e 200 ficaram feridas.

Policiais guardam a entrada do prédio do governo armênio durante protesto contra o premiê Pashinyan
Policiais guardam a entrada do prédio do governo armênio durante protesto contra o premiê Pashinyan - Karen Minasyan/AFP

Os termos da pausa militar, contudo, ainda estão nebulosos e têm implicação estratégica, que pode ser afetada por incidentes. Segundo o Ministério da Defesa do Azerbajião, forças pró-Armênia na região de 120 mil habitantes "concordaram em depor armas, abandonar posições de combate, postos militares e se desarmar completamente".

Na véspera, a pasta havia falado que só iria parar sua ofensiva quando isso acontecesse, o governo em Stepanakert fosse dissolvido e Nagorno-Karabakh, absorvido pelo Azerbaijão. Não há referência a essa capitulação total até aqui.

Ierevan ficou de fora das negociações para a trégua, tocadas pelo Ministério das Relações Exteriores da Rússia em contato direto com o Azerbaijão, segundo o primeiro-ministro armênio, Nikol Pashinyan. Isso enfraquece ainda mais a posição a posição do político, que sofre resistências de Vladimir Putin há anos e poderá cair se houver perda territorial no enclave.

Com efeito, manifestantes passaram a noite na frente de um cercado palácio do governo, na capital armênia, pedindo a renúncia do primeiro-ministro. Ele vinha se queixando do papel russo na manutenção da paz de 2020 e acenando ao Ocidente, com exercícios militares conjuntos com Washington que acabaram nesta quarta, mas sua economia é dependente da relação com a Rússia.

"Nós buscamos desescalada e a paz", afirmou nesta quarta o presidente Putin.

Já políticos do enclave são menos otimistas. "Eles [azeris] estão basicamente dizendo que nós devemos sair, não ficar aqui, ou aceitar que isso é uma parte do Azerbaijão. Isso é uma típica operação de limpeza étnica", afirmou um ex-dirigente local, Ruben Vardanyan, no X (ex-Twitter). O Azerbaijão tem 10 milhões de habitantes, e a Armênia, pouco menos de 3 milhões.

A trégua começou às 13h (6h em Brasília), e a força de paz russa que está na região desde o fim da guerra passada por ora permanecerá por lá. Moscou divulgou o ataque contra seus soldados cerca de seis horas depois.

Em 2020, forças azeris apoiadas pela Turquia lançaram uma ofensiva e retomaram quase todos os territórios que haviam perdido no conflito ocorrido de 1992 e 1994 para a Armênia, que posicionou tropas em torno de Nagorno-Karabakh visando proteger a população local, historicamente ligada a si etnicamente.

O enclave não é, contudo, considerado território armênio por Ierevan, e sim uma república autônoma chamada Artsakh. Ele é uma reminiscência das fronteiras borradas durante a vida da União Soviética (1922-1991), da qual Armênia e Azerbaijão eram integrantes.

Quando o império comunista, que emulava o controle dos czares no Cáucaso para guarnecer sua fronteira sul contra rivais como os impérios Otomano (atual Turquia) e Persa (atual Irã), implodiu, os armênios étnicos vivendo no Azerbaijão ficaram isolados —assim como os azeris do território de Nakhchevan, espremidos entre Armênia, Turquia e Irã.

Isso levou à guerra no local, na qual Ierevan saiu em vantagem, que foi revertida há três anos. Uma paz frágil foi mediada por Putin, que no papel é aliado da Armênia, onde tem sua maior base militar no exterior. Com efeito, nem naquele conflito, nem agora, houve ataques ostensivos azeris contra as fronteiras oficiais do vizinho. Nos últimos meses, a pressão azeri sobre Nagorno-Karabakh cresceu, com o corte constante da ligação terrestre do território com a Armênia.

Houve muita pressão diplomática, a começar pelas delegações reunidas em Nova York para a Assembleia-Geral da ONU, visando o fim das hostilidades. Diplomatas europeus, franceses à frente, buscaram protagonismo, aproveitando a percepção de fragilidade russa na região, devido ao foco na Guerra da Ucrânia.

Os Estados Unidos foram mais cautelosos, preferindo repetir o Kremlin e pedir o fim dos combates. Já o presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, aproveitou sua fala nas Nações Unidas para defender os aliados em Baku e dizer que Nagorno-Karabakh é território azeri.

Nesta quarta, a delegação azeri em Nova York descartou a necessidade de intervenção do Conselho de Segurança da ONU, dizendo que a crise seria resolvida. "Queremos integrar pacificamente a população ao Azerbaijão", afirmou o conselheiro de política externa Hikmet Hajiyev.

Resta agora saber o que de fato ocorrerá com o território. Se ele for absorvido pelo Azerbaijão, os termos da paz de 2020 estarão rompidos e o uso da força, recompensado. Aí é preciso entender a posição russa, já que Putin aproximou-se do Azerbaijão para conter a influência turca nos últimos anos e está insatisfeito com o governo armênio.

Por outro lado, a perda de Nagorno-Karabakh seria um duro golpe para a imagem de mantenedor do status quo da região que Moscou ainda tem. Novamente, aí será preciso saber se Putin e Erdogan já não haviam chegado a algum acordo prévio, como por exemplo no encontro que tiveram recentemente na Rússia para discutir o acordo de escoamento de grãos no mar Negro.

A Turquia é membro da Otan, a aliança militar ocidental, e apoia a Ucrânia na guerra. Mas tem boas relações políticas e econômicas com Moscou, apesar de diversos pontos de rivalidade.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.