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Livro faz longa explicação do fascismo de Portugal, mas deixa repressão política de lado

História cotidiana, que fez o país renascer na Revolução dos Cravos, fica fora de 'Salazar e os Fascismos', de Fernando Rosas

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São Paulo

Existem duas maneiras de abordar o fascismo português, conduzido sob as garras de Antônio de Oliveira Salazar (1889-1970). A primeira é descrever factualmente o longo período de 36 anos em que ele exerceu a ditadura em seu país. A segunda é formular uma longa e exaustiva explicação histórica e teórica sobre o fascismo, enquadrando Salazar como um triste e demorado exemplo.

A segunda alternativa é praticada pelo historiador português Fernando Rosas, em "Salazar e Os Fascismos", publicado no Brasil pela editora Tinta da China. O fôlego do autor e a atenção do leitor se voltam para uma historiografia comparativa e para uma aula exaustiva de teoria política, que deixam em plano menor o dia a dia de um período que mergulhou Portugal no capitalismo atrasado e no anacrônico colonialismo.

Antonio de Oliveria Salazar, ditador que governou Portugal entre 1932 e 1968
Antonio de Oliveria Salazar, ditador que governou Portugal entre 1932 e 1968 - Keystone

O que há, assim, é uma pulsão em esmiuçar o aspecto fascista do regime derrubado com a Revolução dos Cravos (1974). A ditadura é dissecada com a complexidade dos modelos teóricos. Mas o varejo da repressão política deixa de ser enfocado.

Nada leremos sobre a Pide, a temida polícia dos alcaguetes, sobre a juventude que se exilou para não morrer nas guerras inglórias de Angola ou Moçambique, sobre a ação clandestina do Partido Comunista Português, sobre as penitenciárias e aqueles que as habitavam com a famigerada punição dos dissidentes, sobre a imprensa clandestina e as gráficas que nunca deixaram de funcionar sob o salazarismo.

Temos com isso a sensação de que, em troca de uma intensa elaboração teórica, é a história cotidiana que acabou ficando de fora. E foi justamente ela que, com liberdade restabelecida há quase 50 anos, fez renascer um país de portentosa riqueza política e cultural.

Em contrapartida, Fernando Rosas nos transporta para um passeio altamente instrutivo sobre os regimes políticos que cresceram na Europa logo após a Primeira Grande Guerra —o fascismo italiano é de 1922— e que construíram a ilusão de que a cidadania e a liberdade individual eram coisas do passado. Foi necessária uma nova guerra mundial para que o iluminismo desse o troco.

Antes disso, o historiador relata que o fascismo nasceu como uma serpente de múltiplas cabeças. A partir de 1919, e nos dez anos seguintes, regimes da direita autoritária brotaram em Hungria, Bulgária, Grécia, Polônia, Lituânia e Iugoslávia. Portugal e Espanha viriam nos anos seguintes, ao lado do fascismo italiano e do nazismo alemão.

O fascismo crescia em torno de características didaticamente bem descritas por Fernando Rosas. Como o "mito palingenético", segundo o qual dos escombros do liberalismo brotaria um modelo de sociedade calcado numa fantasia de regeneração. Ou então o "nacionalismo organicista", em que uma identidade coletiva nasceria do compartilhamento de uma só noção de raça ou de uma "ordem natural das coisas" que o marxismo teria tentado destruir. E ainda o próprio corporativismo como a expressão de uma nação orgânica. Esse conceito supõe uma sociedade uniforme, que se opõe à divisão entre empregados e patrões e a tudo o que amputa o que é nacional e supostamente indivisível.

Vejamos mais de perto o corporativismo, tal qual os fascistas trabalhavam com o conceito. O Estado, que se misturou à dualidade entre patrões e trabalhadores, precisava disciplinar as relações de maneira a proteger os mais fracos contra os abusos que os mais fortes supostamente cometiam sob o regime liberal. O Estado fascista se via como socialmente avançado. Do mesmo modo que, de início, Benito Mussolini queria que as mulheres italianas pudessem votar e compreendessem a política eleitoral sem depender da tutela do clero católico. É claro que nada disso aconteceu.

Capa do livro 'Salazar e os Fascismos', de Fernando Rosas
Capa do livro 'Salazar e os Fascismos', de Fernando Rosas - Divulgação

O Estado Novo português –mesma designação que a ditadura brasileira de 1937– tinha partido único, via-se como totalitário, palavra que não era pejorativa, e operava com violência contra aqueles que não se enquadravam em sua cartilha.

Há por fim a contextualização da ideia de grandeza que Portugal tentou construir a partir de 1932, com o império colonial herdado pelo salazarismo. Não eram apenas territórios africanos, como contrapartida às colônias britânicas, belgas ou francesas. No caso português havia um componente ideológico trabalhado pelo então ministro das Colônias, Armando Monteiro, e que remetia a uma ideia meio atemporal, com o retorno das navegações do século 16 e de tudo aquilo que Portugal ganhou em sua condição de metrópole. Era bem mais que um pequeno país na Península Ibérica.

Mas deu no que deu. O fascismo português caiu pela articulação clandestina de jovens oficiais do Exército que se revoltaram contra as infrutíferas e sangrentas guerras coloniais. Foi pela boca das colônias que a ditadura sucumbiu.

Salazar e os Fascismos: Ensaio Breve de História Comparada

  • Preço R$ 90 (304 págs.)
  • Autoria Fernando Rosas
  • Editora Tinta da China
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