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Sindicatos argentinos relatam tensão e temem 'novo 2001' se Milei ganhar

Para movimentos sociais, muitos ligados ao kirchnerismo, ultraliberal terá mais dificuldades em conter eventual crise social

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Buenos Aires

O clima nos sindicatos e movimentos sociais na Argentina, muitos historicamente ligados ao peronismo ou ao kirchnerismo, é de tensão e medo de um novo caos social "à la 2001" caso o ultraliberal Javier Milei, favorito nas pesquisas, seja eleito presidente. A avaliação geral no setor é de que ele terá mais dificuldades em conter um eventual caos social do que o atual ministro da Economia, Sergio Massa.

"Acho que Milei tem poucas chances de terminar seu mandato", opina Nicolás Mayr, secretário-geral da FNT (federação nacional de trabalhadores de cooperativas), refletindo a visão de uma ala mais pessimista. "Milei tem nula presença territorial, péssima relação com 99% dos sindicatos e com todas as organizações sociais", afirma.

Manifestantes protestam contra gestão do presidente argentino Alberto Fernández e seu acordo com o FMI em meio a crise econômica, no Obelisco, em Buenos Aires - Agustin Marcarian - 28.set.2023/Reuters

Segundo ele, que diz que sua agremiação é apartidária e reúne cerca de 10 mil pessoas, o governo só conseguiu até agora evitar que a raiva ou indignação explodissem porque tem peso sobre esses grupos. Com uma inflação que chega a 138% ao ano, corrói o valor dos salários e põe 40% dos argentinos abaixo da linha da pobreza, não são poucos os que estão descontentes.

Nicolás mesmo iniciou uma greve de fome nesta semana ao lado de centenas de pessoas em frente ao Ministério do Desenvolvimento Social, no centro de Buenos Aires, para tentar ser ouvido pelo governo de Alberto Fernández. Ele reclama que, apesar de representarem 10% da classe trabalhadora do país, as cooperativas foram um dos únicos setores que não receberam ajuda para mitigar a inflação.

O clima é também de espera para ver como será a votação no outro domingo (22). "Os setores populares estão ansiosos e angustiados, mas também têm uma esperança de sair dessa situação", opina Tano Catalano, secretário-geral da ATE (Associação de Trabalhadores do Estado), que agrupa 36 mil funcionários públicos na capital, mais ligados ao kirchnerismo.

"Estamos militando para que Massa seja presidente, tentando alertar sobre o que pode acontecer se Milei ganhar, esclarecendo que quem está desestabilizando o país são esses candidatos que pensam numa economia dolarizada, incitando as pessoas a tirar os pesos do banco", argumenta ele, ressoando as acusações do governo.

Nos últimos dias, o dólar paralelo, que rege os preços na Argentina, teve uma nova disparada, ultrapassando a marca dos 1.000 pesos. Massa e grande parte dos economistas dizem que a corrida ocorre pelas perspectivas de dolarização da economia proposta por Milei, que nega e culpa as últimas gestões pela crise, bem como o aumento de gastos pré-eleições.

Catalano afirma que os funcionários públicos estão num "estado de tensão permanente", com medo de serem demitidos. "Pensamos que pode haver muita tensão social e violência, não só pela vitória de Milei, mas pelo que ele propõe: despedir trabalhadores, privatizar saúde e educação. O que resta diante disso são pessoas sem trabalho, instituições atacadas pelo próprio Estado".

Um ensaio do que pode estar por vir ocorreu alguns dias depois das eleições primárias, em agosto, quando o dólar também explodiu e uma onda de saques se espalhou pela Argentina. Foram registradas mais de 150 tentativas de roubos a supermercados e lojas, muitas orquestradas via redes sociais, só na área metropolitana de Buenos Aires, somando perto de 200 prisões no país.

Nesse contexto, a macrista Patricia Bullrich, terceira colocada nas pesquisas —mas que em alguns levantamentos se aproxima de Massa no segundo lugar—, é quem faz as promessas mais duras. Ela promete um "país ordenado" e tolerância zero contra paralisações e greves.

Os sindicalistas dizem esperar, porém, que a violência não se materialize como ocorreu na crise econômica de 2001. Naquela época, com a forte desvalorização do peso, a população correu aos bancos e sacou cerca de US$ 22 bilhões de suas contas em cerca de três meses. Um peso valia um dólar até então, e a inflação acumulada era um terço da de hoje.

Para evitar a fuga de recursos, no dia 3 de dezembro daquele ano, o governo limitou a retirada de dinheiro (o chamado "corralito"). Revoltados, os argentinos atacaram bancos, tentaram entrar à força em agências e moveram ações na Justiça. Ao mesmo tempo, um clima de tensão social rapidamente escalou, sendo reprimido brutalmente e terminando com 39 mortos.

A crise saiu completamente do controle do então presidente, Fernando de la Rúa (1937-2019), que renunciou no dia 20 de dezembro e abandonou a Casa Rosada a bordo de um helicóptero. O país teve cinco presidentes em 11 dias, até que Eduardo Duhalde assumiu a tarefa de organizar minimamente o caos.

O líder Catalano afirma que naquela época os movimentos sociais não existiam como existem hoje e que estão mais atentos para evitar que a situação chegue a esse ponto. Também diz que depois disso criou-se uma espécie de colchão social com aposentadorias e benefícios sociais que tampouco existia naquela crise.

Agora, ele acredita que os movimentos sociais estejam em um momento de grande dispersão —para não desgastar o governo kirchnerista e após investirem muito tempo apostando que a vice-presidente Cristina Kirchner seria a candidata, o que acabou não acontecendo—, mas acha que "mais cedo que tarde vai ter que haver uma coordenação".

"Se Milei for governar como está falando, não tenho dúvida de que nosso povo vai defender nas ruas seus direitos, como a soberania nacional e a participação social", afirma também Hugo Godoy, secretário-geral da CTA autônoma (Central de Trabalhadores da Argentina), que representa 1,5 milhão de trabalhadores organizados, estatais e privados.

Ele prevê grandes manifestações a depender do que aconteça depois das eleições. "Não são valores aos quais nossa classe trabalhadora vai renunciar. Pelo contrário, faremos como fizemos nos anos de governo de [Mauricio] Macri, evitando que ele pudesse governar mais de quatro anos [2015-2019]", diz.

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