Podcast discute camadas da desinformação na guerra Israel-Hamas

Conflito no Oriente Médio já está marcado por disputa de versões e pela divulgação de histórias e imagens inverídicas

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

São Paulo

Já se disse quase tudo sobre o conflito que vem ensanguentando Israel e a Faixa de Gaza. Mas bem menos se falou sobre as mentiras que o episódio tem fabricado. Foi justamente esse o assunto de um podcast produzido pela Brookings Institution, centro americano de pesquisas em ciências sociais, baseado em Washington.

A entrevistada foi Valerie Wirtschafter, pesquisadora em inteligência artificial e tecnologias emergentes. Ela diz logo de início que os episódios mais sujeitos a versões esquisitas foram a autoria do bombardeio ao hospital de Gaza, a suposta decapitação de 40 bebês e a versão de que os terroristas do Hamas atacaram os kibutzim uniformizados como se fossem soldados israelenses.

E há sobretudo o boato de que os terroristas do Hamas estão recebendo armas da Ucrânia. A informação assim travestida foi provavelmente espalhada pela Rússia, embora não existam ainda comprovações de que tenha sido o caso.

Corpo de repórter da Palestine TV, Muhammad Abu Hatab, que foi morto na Faixa de Gaza
Corpo de repórter da Palestine TV, Muhammad Abu Hatab, que foi morto na Faixa de Gaza - Rizek Abdeljawad - 3.nov.23/Xinhua

O podcast não é um manual que ensina a distinguir informações falsas das verdadeiras. Aliás, a pesquisadora da Brookings não usa nenhuma vez a expressão "fake news". Ela não diz o que é verdade e o que é mentira. Apenas discorre sobre os mecanismos que favorecem a difusão de afirmações inverídicas, incompletas ou imprecisas.

Wirtschafter coloca as redes sociais no centro de todo processo de difusão de notícias inverídicas. E sobretudo aquelas que remuneram os internautas com maior audiência. Esses influenciadores são teoricamente incontroláveis, porque colocam rigorosamente tudo o que possa chamar mais a atenção.

É esse o perfil de cerca de 70% das informações falsas que circulam na internet, diz a pesquisadora. Imagens de explosões noturnas costumam ter alta audiência, e muitas delas não têm nada a ver com Gaza e foram criadas bem antes do início do conflito. As imagens saíram dos estúdios de produção de videogames.

No fundo, há a responsabilidade de plataformas como o X, antigo Twitter, que estimulavam a produção de mensagens que viralizavam e, para que a viralização ocorresse, remuneravam proporcionalmente os responsáveis. No entanto, em se tratando de videogame, pode-se argumentar que essa forma de falsificação é grosseira e sujeita a dúvidas que tirariam a credibilidade das imagens.

Mas, contrapondo-se a isso, diz a pesquisadora, há a necessidade de confirmar alguma crença política ou cultural. Se determinado internauta é favorável a Israel ou se ele se considera partidário da "causa palestina", ele acreditará em certas mensagens e descartará outras. O Oriente Médio é um campo de divisões passionais, em que todos os lados procuram narrativas que confirmem suas convicções.

Uma sigla de aparição recente, e já bem conhecida no Brasil, funciona como outro instrumento de tentativa de verificação da veracidade de algum episódio. É o Osint, acrônimo para "open source intelligence" (informação retirada de dados públicos).

Durante o podcast da Brookings, outro participante, Fred Dews, diretor de comunicação da instituição, evocou um grupo de jornalismo investigativo que levou à formação de uma comunidade que acompanha a Guerra da Ucrânia. E virou, para seus usuários, uma Osint.

Mas Wirtschafter não foi tão longe. Afirmou que nem sempre a informação publicada em várias mídias é a correta e disse que pode haver falhas, apesar da multiplicidade de fontes movidas pela boa intenção.

O ponto de partida para a discussão foi o foguete que caiu sobre o hospital de Gaza e que o Hamas insistia em afirmar que fora lançado por Israel.

A informação incorreta, explica a pesquisadora, circula a partir de duas motivações. A primeira é a do internauta pouco experiente ou desatento, que por uma reação meio simplista passa para frente tudo o que recebe e julga interessante.

A segunda motivação é aquela que deliberadamente procura destruir a reputação de uma empresa, de um político, de uma marca comercial, do Exército de um país. Difundir desinformação se confunde assim com um crime. A pesquisadora usa duas palavras diferentes em inglês (misinformation/disinformation) para especificar os dois tipos de notícias falsas. A diferença depende da intenção de quem produz a notícia.

O conselho que ela dá para que as pessoas não espalhem voluntariamente informações inverídicas tem pouca técnica e muito bom senso. Se a notícia escapa à normalidade e parece inverossímil, o ideal é que o internauta se abstenha de espalhar de imediato para amigos e gaste algum tempo em confirmação.

A receita não vale apenas para relatos em texto. Também vale para imagens. Uma imagem pode ser falsa caso seja gerada por inteligência artificial com o propósito de enganar. Sim, existe isso também. Há algum tempo imagens mostraram uma explosão que nunca existiu nas imediações do Pentágono, a sede da Defesa dos Estados Unidos.

Parsing disinformation in the Israel-Hamas conflict

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.