Zelenski admite temer Trump e espera não ver traição dos EUA

Ucraniano não citou republicano pelo nome, mas deixou claro que apoio ocidental cai sem Biden

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São Paulo

Em meio às dúvidas acerca do comprometimento do Ocidente com sua resistência à invasão promovida pela Rússia na Ucrânia, o presidente Volodimir Zelenski disse nesta terça-feira (19) não acreditar que será traído pelos aliados, mas admitiu, sem citar nomes, temer a eleição de Donald Trump nos EUA.

"Eu estou certo de que os Estados Unidos não irão nos trair. O apoio financeiro americano e europeu irá continuar", afirmou, durante uma entrevista coletiva de final de ano em Kiev.

Com a bandeira da União Europeia no telão ao fundo, Zelenski concede entrevista coletiva em Kiev
Com a bandeira da União Europeia no telão ao fundo, Zelenski concede entrevista coletiva em Kiev - Serguei Supinski/AFP

O ucraniano tentou pintar um quadro positivo da situação na guerra, ainda que admita que "foi um ano difícil" —sua propalada contraofensiva para retomar o sul do país e isolar a Crimeia da Rússia fracassou, e Moscou teve mais ganhos, ainda que incrementais, do que Kiev no conflito.

O problema de Zelenski começa no Congresso americano, onde a oposição republicana vem vetando a ajuda de R$ 300 bilhões para 2024, proposta pelo governo Joe Biden, e na UE (União Europeia), onde a Hungria lidera a resistência a um pacote de R$ 250 milhões para os ucranianos.

Nenhuma das questões parece estar próxima de ter uma solução. Zelenski ressaltou que já começa o ano com apoio anunciado de peso da Alemanha, que prometeu algo como R$ 40 bilhões ao longo de 2024, embora os valores não estejam assegurados ainda.

"Estamos numa posição mais forte agora", disse, comparando a realidade militar com a do início da guerra. É fato, mas ele omite que a Ucrânia teve um momento de quase virada de onda no final do ano passado, que os países da Otan [aliança militar ocidental] usaram como argumento para enviar mais armas e dinheiro.

O processo ao longo de 2023 foi confuso, com a contraofensiva sendo atrapalhada pelo que a cúpula militar admitiu ser soberba de planejamento. O ministro da Defesa caiu, além de tudo, em meio à crise e a escândalos de corrupção.

Agora, isso tudo pesa nos debates sobre mais auxílio. A perspectiva de que o vencedor da eleição seja Trump, antecessor e provável rival de Biden na disputa de 2024, turva ainda mais os planos: republicanos correm para denunciar a estratégia do presidente, e os democratas se veem compelidos a modular o discurso.

O ucraniano foi direto sobre o risco percebido. "Se as políticas do próximo presidente forem diferentes, seja quem for ele ou ela, mais frias, ou mais frugais, eu acho que esses sinais terão um grande impacto no curso da guerra. Porque é assim que o mundo funciona. Se uma parte forte quebra, o mecanismo todo vai junto", disse, sem citar o nome de Trump.

Sobre a contraofensiva em si, Zelenski disse que "todo mundo estava falando sobre objetivos e discutindo detalhes, o que não podia acontecer desse jeito porque a Rússia ainda tem mais armas". Disse que mantém uma "relação de trabalho" com o chefe militar do país, Valeri Zalujni, de quem discordou em público.

Zelenski afirmou que as Forças Armadas pediram uma mobilização extra de 450 mil a 500 mil pessoas. Elas tinham quase 200 mil soldados antes da guerra, e o estado de sítio vigente colocou toda a população masculina de 18 a 60 anos à disposição do governo.

O Ministério da Defesa estimava em quase 1 milhão os envolvidos na guerra em meados do ano —a Rússia diz ter 617 mil homens no vizinho. O problema, disse o presidente, é que tal ação implica gastos na casa dos R$ 65 bilhões, o que só pode ser feito com ajuda externa.

Até outubro, o país recebeu ao menos R$ 1,2 trilhão de apoio militar e financeiro, quase o equivalente a seu PIB (Produto Interno Bruto) do ano anterior. "Eles estão quebrados", alfinetou o ministro da Defesa russo, Serguei Choigu, que participou com o presidente Vladimir Putin de uma reunião sobre metas para o ano que vem.

Nela, ele confirmou que quer ver suas forças fechando 2024 com 1,5 milhão de pessoas em uniforme, ante o 1,1 milhão atual, e confia para isso no recrutamento de soldados profissionais, sob contrato. No mais, fez estimativas impossíveis de aferir sobre as perdas ucranianas na guerra, 200 mil mortos e feridos na contraofensiva para começar.

Zelenski voltou a dizer que "a guerra no Oriente Médio teve impacto na ajuda à Ucrânia", dada a prioridade do auxílio a Israel na classe política americana e ao impacto do atentado do Hamas de outubro que levou ao conflito com Tel Aviv.

Mas adicionou uma pitada de teoria conspiratória. "Há uma pegada russa lá, o Kremlin teve sucesso nisso", afirmou, sugerindo relação entre o apoio que Putin dá ao Hamas, que sempre foi paralelo a uma relação estável com Israel, e a origem da crise. Em termos de resultado político concreto, contudo, ele está certo.

No mais, o ucraniano voltou a dizer que não há possibilidade de conduzir eleições presidenciais na Ucrânia, como previsto para 2024, devido ao estado de sítio e à guerra.

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