Descrição de chapéu África

Corte de Haia não determina cessar-fogo imediato a Israel e frustra palestinos

Tribunal ordena apenas que Tel Aviv tome medidas para evitar genocídio em Gaza em resposta a denúncia da África do Sul

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São Paulo

A Corte Internacional de Justiça (CIJ), mais conhecida como Corte de Haia, determinou nesta sexta-feira (26) que Israel tome medidas para evitar atos de genocídio na guerra contra o Hamas. A decisão, que responde a uma denúncia apresentada pela África do Sul no ano passado, frustrou palestinos e muitos analistas, que esperavam uma ordem de cessar-fogo imediato.

"O Estado de Israel deverá [...] tomar todas as medidas ao seu alcance para impedir a prática de todos os atos no âmbito do artigo dois da Convenção do Genocídio", declarou o tribunal.

Manifestantes agitam bandeira palestina em frente à Corte Internacional de Justiça enquanto o tribunal decide sobre acusações da África do Sul contra Israel - Piroschka van de Wouw/Reuters

No final do ano passado, Pretória submeteu aos magistrados uma petição em que acusava Tel Aviv de ter "motivação genocida" contra os palestinos em Gaza, impondo condições que levariam à sua morte e à destruição de seu território.

Depois, na audiência inaugural do caso, no início deste mês, solicitou, entre outros, a suspensão imediata das operações israelenses na faixa e o fim do "assassinato" e deslocamento da população palestina.

A maioria das demandas da África do Sul no documento foi atendida, com 15 dos 17 juízes da corte votando a favor delas. A exceção foi o pedido para que Tel Aviv suspendesse imediatamente as operações militares em Gaza. A possibilidade de uma trégua era aguardada com expectativa pelos palestinos.

Critério estabelecidos na Convenção Internacional contra o Genocídio para definir o crime

  • Matar membros de um determinado grupo nacional, étnico, racial ou religioso;

  • Causar danos físicos ou mentais graves;

  • Infligir condições de vida que destruam a capacidade de sobrevivência;

  • Impedir a proliferação de um determinado grupo;

  • Transferir crianças de um grupo para outro local de forma forçada;

Outra dos anúncios feitos pela CIJ nesta sexta é a decisão de que ela tem poder legal para julgar Israel, o que desagradou o país —ele, que classificou as alegações da África do Sul de falsas e "gravemente distorcidas", havia pedido que Haia rejeitasse totalmente o caso, argumentando que apenas exerce seu direito legítimo à defesa em sua ofensiva contra o Hamas.

A decisão proferida nesta sexta diz respeito a medidas de emergência a serem implementadas.

A CIJ —que, ao contrário do Tribunal Penal Internacional (TPI), julga Estados, não indivíduos—, não deve se pronunciar sobre as acusações de genocídio tão cedo, contudo, uma vez que um julgamento sobre o tema pode se arrastar por anos. Além disso, embora as sentenças do principal órgão judicial da ONU sejam vinculantes, a corte tem poucos meios de fazê-las valer na prática.

Apesar disso, a África do Sul saudou o que chamou de uma "vitória decisiva" para o direito internacional. Na saída do tribunal, a ministra das Relações Exteriores da nação, Naledi Pandor, disse que Israel terá de promover um cessar-fogo para cumprir as medidas. "Sem isso, o pedido realmente não funciona", afirmou.

Sami Abu Zuhri, alto funcionário do Hamas, disse que a decisão contribui para isolar Israel no plano internacional. "Pedimos que a ocupação [como o grupo terrorista se refere ao Estado israelense, o qual não reconhece] seja forçada a implementar as decisões do tribunal", afirmou ele à agência de notícias Reuters.

Após o veredicto, que não é passível de recursos, o vice-presidente da África do Sul, Paul Mashatile, e o ministro da Justiça do país, Ronald Lamola, foram vistos aos aplausos numa reunião do CNA (Congresso Nacional Africano), partido governista ao qual Nelson Mandela (1918-2013) era filiado.

Países como Estados Unidos, Qatar e Arábia Saudita, além da União Europeia, também afirmaram ter recebido positivamente a decisão.

O Brasil, que havia apoiado a petição sul-africana, também demonstrou satisfação. "O governo brasileiro tem a convicção de que as medidas cautelares contribuirão para garantir o cumprimento da Convenção [contra o Genocídio] e a proteção dos direitos do povo palestino", disse em nota divulgada pelo Itamaraty.

Em comunicado, o primeiro-ministro de Israel, Binyamin Netanyahu, disse que a acusação de genocídio era "ultrajante" e que faria tudo o que fosse necessário para defender sua nação. "A tentativa vil de negar a Israel este direito fundamental é uma discriminação flagrante contra o Estado judeu", afirmou. Tel Aviv deverá informar sobre as medidas que está tomando dentro de um mês, segundo a corte.

O tribunal declarou estar "gravemente preocupado" com o destino dos reféns em Gaza e apelou ao Hamas e a outros grupos armados para que libertasse imediatamente. Calcula-se que cerca de 130 pessoas permanecem sob poder do grupo terrorista desde 7 de outubro, quando membros do Hamas atacaram o sul de Israel e deixaram cerca de 1.200 mortos.

Os sequestrados somavam cerca de 240 quando a guerra começou, mas o número diminuiu no fim de novembro, quando um acordo intermediado por EUA, Qatar e Egito levou à libertação de 105 reféns em troca da soltura de 240 palestinos de presídios israelenses.

Os palestinos, aliás, esperavam ansiosos a decisão do CIJ nesta sexta. "O que acontece se depois do julgamento Israel continuar seus massacres? O mundo parecerá uma piada", disse à Reuters Tamer, 55, empresário e pai de quatro filhos, antes da sessão. Ele é um dos que fugiram para Rafah, no sul do território, após o início do conflito —a cidade na fronteira com o Egito reúne mais da metade do total da população da faixa, a maioria em tendas improvisadas ou em prédios públicos.

"Estamos cansados, nossos filhos estão exaustos, privados de sono e comida", disse Tamer, em referência à restrição de ajuda humanitária que Israel impôs após o início do conflito. "Todos aguardam sua vez de morrer por bombas israelenses se isso não acabar."

Milhares de pessoas chegaram nos últimos dias à cidade. O fluxo agravou a busca por mantimentos e por um lugar para acampar no frio chuvoso do inverno.

A comida é escassa na região, e a situação é ainda pior no norte e no centro de Gaza, onde organizações de ajuda humanitária dizem que milhares de pessoas passam fome, especialmente crianças pequenas, mais vulneráveis à desnutrição. "Todo mundo com quem conversamos implora por comida", afirmou Sean Casey, representante da OMS (Organização Mundial da Saúde) em Gaza, à Reuters.

Os adultos podem lidar com a fome, "mas nossas crianças não podem", disse Abu Abdallah Humeid, um morador de Jabalia, no norte de Gaza, à mesma agência. Sem farinha, as pessoas têm moído milho e cevada para fazer pão seco.

Enquanto a audiência ocorria em Haia, na Holanda, as forças israelenses continuavam a bombardear a principal cidade do sul de Gaza, Khan Yunis, que abriga centenas de milhares de civis deslocados. Os palestinos dizem que Israel bloqueou hospitais, tornando impossível para os socorristas atender os feridos. O número de mortos na Faixa de Gaza superou 26 mil nesta sexta, de acordo com a facção terrorista.

Tel Aviv nega que tenha bloqueado centros de saúde, mas diz que a ação militar próxima deles é necessária porque os combatentes do Hamas operam de lá, o que equipes médicas negam.

Com Reuters

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