Israel tira sigilo de documentos para evitar revés em julgamento sobre genocídio

Gesto se dá às vésperas de Corte de Haia emitir parecer inicial sobre acusação submetida por África do Sul

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São Paulo

Israel tornou públicos mais de 30 documentos confidenciais relacionados à sua ofensiva contra o Hamas na Faixa de Gaza, informou o jornal The New York Times nesta quinta-feira (25).

O gesto se dá às vésperas de a Corte Internacional de Justiça (CIJ), mais conhecida como Corte de Haia, emitir um parecer sobre a denúncia de que o Estado judeu promove um genocídio contra os palestinos. Embora julgamentos do tipo possam demorar anos, a expectativa é de que o tribunal dê uma primeira resposta à acusação, submetida pela África do Sul, já nesta sexta (26).

Destroços de prédios atingidos por bombardeio nas cercanias da cidade de Rafah, no sul da Faixa de Gaza - AFP

Segundo o NYT, ao divulgar os documentos Tel Aviv busca mostrar que o governo israelense se esforçou ativamente para poupar civis em meio aos combates. Desde os ataques de 7 de outubro, que deixaram 1.200 mortos em solo israelense, quase 26 mil palestinos morreram na Faixa de Gaza segundo cálculos das autoridades de saúde locais, ligadas ao Hamas.

Na teoria, a estratégia israelense faz sentido. O principal argumento dos sul-africanos é que o Estado judeu tem uma "motivação genocida" contra os palestinos, impondo condições que levam à sua morte e à destruição de seu território. Isso, por si só, já violaria a Convenção Internacional contra o Genocídio de 1948 —não à toa, boa parte da denúncia de 84 páginas submetida pela África do Sul reproduz declarações públicas de líderes israelenses que supostamente comprovam essa motivação.

Para se contrapor a essa ideia, a defesa de Israel afirma que atos oficiais do governo têm precedência sobre as declarações públicas de líderes do país. Os documentos divulgados conteriam, assim, evidências de que Israel promove uma guerra legítima contra o Hamas, e não uma campanha militar visando civis palestinos.

Ainda segundo o NYT, que teve acesso ao dossiê, entre esses papéis há atas de reuniões que indicariam que o primeiro-ministro, Binyamin Netanyahu, ordenou o envio de suprimentos e combustível a Gaza. Ele também teria instruído o governo a avaliar a possibilidade de "agentes externos" estabelecerem hospitais de campanha para acolher os habitantes locais, e teria aventado ancorar um navio-hospital ao largo da costa.

Ao mesmo tempo, o jornal americano aponta uma série de problemas nos documentos. Um deles é que os papéis divulgados não incluem ordens dos primeiros dez dias de guerra, quando Israel bloqueou o envio de ajuda e suspendeu o fornecimento de água e eletricidade ao território palestino.

Cinco dias após o começo dos enfrentamentos, por exemplo, o ministro de Energia, Israel Katz, escreveu o seguinte no X: "Nenhum interruptor elétrico será ligado, nenhum hidrante de água será aberto e nenhum caminhão de combustível entrará até que os reféns israelenses sejam devolvidos para suas casas".

A CIJ —que, ao contrário do TPI (Tribunal Penal Internacional) julga Estados, não indivíduos— ouviu as alegações iniciais de ambos os lados no início de janeiro. A expectativa é de que sua primeira decisão, de caráter liminar, seja uma ordem de cessar-fogo.

As decisões do principal órgão judicial da ONU têm caráter vinculante, mas o tribunal tem poucos meios de fazê-las valer na prática. Em março de 2022, um mês depois da invasão da Ucrânia pela Rússia, por exemplo, a CIJ exigiu que as tropas de Vladimir Putin deixassem o território ucraniano imediatamente. A decisão foi contestada pela Rússia e por sua aliada China, que argumentaram que a entidade não tinha jurisdição sobre o caso —e nada foi feito acerca do conflito, que no próximo mês de fevereiro completará dois anos.

De todo modo, uma decisão contra Israel na Corte de Haia aumentaria ainda mais a pressão internacional sobre o governo de Binyamin Netanyahu, que enfrenta oposição também no plano doméstico.

Nesta quinta, familiares de reféns do Hamas tentaram bloquear pelo segundo dia consecutivo a entrada de suprimentos na Faixa de Gaza, exigindo que o fluxo de ajuda humanitária para o território fosse interrompido até a libertação dos sequestrados. Na segunda (22), manifestantes ligados à mesma causa já tinham tentado invadir o Knesset, o Parlamento israelense.

Enquanto isso, o diálogo com o Hamas, há muito travado, sofreu um novo baque na terça-feira (23), com a divulgação pelo Canal 12 de um áudio em que Netanyahu supostamente diz que o Qatar é problemático.
"Você não me viu agradecer ao Qatar, já percebeu? Eu nunca agradeci ao Qatar. Por quê? Porque o Qatar, para mim, é basicamente a mesma coisa que a ONU, que a Cruz Vermelha, e em certa medida é ainda mais problemático [que eles]", afirma uma voz que parece ser a do do premiê na gravação.

O país do Golfo disse estar indignado com a situação. Era ele que vinha mediando as conversas entre o Estado judeu e o grupo terrorista, tendo sido responsável, entre outros, por costurar o acordo que permitiu a libertação, em novembro, de 105 reféns.

Questionado se a gravação é autêntica e se comentaria a declaração do Qatar, um porta-voz do governo de Israel disse não poder "entrar em detalhes no que se refere aos esforços e passos dados para libertar os reféns".

Também nesta quinta, um dos líderes do Hamas, Osama Hamdam, afirmou que a facção obedeceria a uma eventual ordem de cessar-fogo emitida pelo tribunal desde que Israel também a respeitasse. Além disso, Hamdam declarou que o grupo soltaria todos os reféns que ainda mantém em Gaza —que seriam mais de cem— se Tel Aviv libertasse todos os palestinos que mantém encarcerados em seus presídios.

Com Reuters e The New York Times

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