Câmara aprova versão desidratada da 'lei ônibus' de Milei na Argentina

Pacote de leis liberais será discutido artigo por artigo antes de ir ao Senado

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Buenos Aires

Depois de três dias e mais de 30 horas de debate, a Câmara dos Deputados da Argentina enfim aprovou o pacote de reformas liberais de Javier Milei. Foi o primeiro teste de apoio ao presidente recém-empossado —que terminou com uma vitória parcial, já que seu projeto original sofreu cortes significativos.

A base da chamada "lei ônibus" recebeu 144 votos a seu favor, mais do que os 129 necessários para ser aprovada. Agora, os legisladores vão discutir artigo por artigo até chegarem à redação final da legislação, que então será enviada às comissões e depois ao plenário do Senado. Os deputados voltarão a se reunir na próxima terça-feira (6).

O presidente da Argentina, Javier Milei, durante Fórum Mundial de Davos em 17 de janeiro - REUTERS

Do lado de fora do Congresso, no centro de Buenos Aires, o debate foi marcado por tensão e protestos que terminaram com dezenas de feridos de quarta (31) até esta sexta (2), quando manifestantes chegaram a atear fogo em objetos. Entre os lesionados estão ao menos 32 jornalistas, além de 7 policiais, que têm agido segundo um novo "protocolo antipiquetes" que prevê tolerância zero com bloqueios de ruas.

Já do lado de dentro, o texto passou por três semanas de intensas negociações e fortes embates de forças no plenário. Isso porque Milei tem apenas uma pequena minoria no Congresso e depende do apoio da chamada "oposição dialoguista", composta por partidos de direita, centro-direita e centro.

Em nota nas redes sociais, a Presidência comemorou o resultado e agradeceu em especial à "colaboração dos senhores deputados e chefes dos blocos" que pressionou nas últimas semanas. "Esperamos contar com a mesma grandeza no dia da votação específica da lei, para que ela avance para o Senado e comecemos a devolver a dignidade ao povo argentino."

Esses grupos já haviam demonstrado que aprovariam a forma geral do texto, mas que discordam com a forma que ele aborda alguns temas, como os poderes do Legislativo concedidos ao presidente durante o estado de emergência, a privatização de estatais e a contração de dívida externa sem o aval do Congresso.

O texto aprovado, com menos de 400 dos 664 artigos propostos pelo governo, manteve esses pontos centrais, mas eliminou por inteiro as reformas fiscal e eleitoral, por exemplo. Os trechos excluídos tinham relação com temas como trabalho, imposto de renda, reajuste das aposentadorias, taxas a importações e exportações, energia e pesca.


O que diz a 'lei ônibus" até agora

  1. Dá poderes do Congresso ao presidente nos campos econômico, financeiro, de segurança, tarifário, energético e administrativo por um ano, prorrogável por mais um
  2. Permite que o Executivo privatize ou feche estatais, de acordo com uma lista que originalmente tinha 41 empresas e agora tem 27
  3. Extingue a lei de "defesa da concorrência", que proíbe "práticas anticompetitivas" para "limitar ou distorcer a concorrência ou o acesso ao mercado, ou que constituem abuso de uma posição dominante em um mercado"
  4. Proíbe que funcionários públicos participem de eventos ou usem as redes sociais para fins político-partidários

A lista de empresas que podem ser privatizadas também foi reduzida de 41 para 27 até o momento. A petroleira YPF foi uma das retiradas, enquanto a Aerolíneas Argentinas, os Correios e a companhia de água e saneamento (Aysa) foram mantidas. Outras três (banco, telecomunicações e energia nuclear) só poderão ser privatizadas parcialmente.

Mais cedo, o governo tinha minimizado a desidratação da lei: "Aqui não há nenhum desmonte, porque parte nós mesmos optamos por tirar para acelerar a discussão parlamentária", disse o porta-voz Manuel Adorni. "Não entendo por que há tanta discussão sobre três artigos mais, três artigos menos. O caminho é claro e vamos fazer tudo que seja necessário para seguir por ele."

O peronismo e a esquerda, que somam 104 dos 109 que votaram contra, chegaram a tentar levar o texto de volta às comissões, alegando que ele foi desconfigurado e que os deputados nem sequer sabiam o que seria votado, mas foram derrotados no plenário.

"Já dissemos e continuamos a dizer: existe outro caminho, e ele envolve produção, indústria, trabalho, exportações, mercado interno, ciência e tecnologia. Palavras absolutamente ausentes na 'lei ônibus'", afirmou o líder do bloco peronista, Germán Martínez.

O projeto, chamado pelo governo de "Lei de Bases e Pontos de Partida para a Liberdade dos Argentinos", é uma das principais apostas de Milei para reequilibrar as contas do país e abrir caminho para privatizações. Ele é, porém, cobrado por críticos por não ter apresentado um plano concreto de estabilização da economia até agora.

A outra medida que ele tomou para levar adiante suas reformas foi um decreto de necessidade e urgência (DNU) com mais de 300 artigos. Este já está valendo desde dezembro, exceto a parte trabalhista, que foi suspensa pela Justiça a pedido de sindicatos.

O decreto presidencial só deixaria de valer se mais da metade da Câmara e do Senado conseguissem quórum e depois o invalidassem por completo. Mas a comissão bicameral que deveria ter recebido o texto nunca foi formada, e não há perspectivas de que isso ocorra, o que tem gerado protestos da oposição peronista.

Não é a primeira vez que um presidente argentino impõe um grande pacote de leis ao Congresso nos primeiros dias de sua gestão. Seu antecessor, Alberto Fernández, enviou um texto com 88 artigos para o Legislativo ao assumir. Antes dele, Mauricio Macri fez o mesmo, apresentando um projeto com 97 pontos.

Mas proposta de Milei é não só mais extensa, como mais ambiciosa que as de seus predecessores, buscando avanços em temas polêmicos mesmo sem que sua coalizão tenha maioria no Congresso.

O ultraliberal tentou ditar o ritmo legislativo, convocando sessões extraordinárias até 31 de janeiro, mas já teve que estender o prazo para a aprovação da lei até 15 de fevereiro —e provavelmente terá que prorrogá-lo novamente.

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