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Oposição sinaliza apoio a pacotão liberal de Milei na Argentina

Presidente teve que desidratar 'lei ônibus' e retirar reforma econômica para conseguir quórum na Câmara

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Buenos Aires

A sessão havia começado há pouco mais de duas horas quando o primeiro bate-boca tomou conta do plenário. Deputados da esquerda apontavam o dedo para um homem na plateia, o homem se defendia dizendo que não tinha insultado ninguém, e parlamentares protestavam enquanto seguranças o retiravam.

Nesse clima se iniciou o debate sobre a "lei ônibus" de Javier Milei nesta quarta-feira (31), uma das principais apostas do presidente argentino para dar uma guinada liberal no país e atingir o equilíbrio das contas públicas. Até o momento, grande parte da oposição na Câmara tem sinalizado que vai apoiar o texto de maneira geral.

Manifestante bate panela contra "lei ônibus" de Javier Milei em frente ao Congresso da Argentina nesta quarta (31) - Agustin Marcarian/Reuters

Uma projeção do jornal local La Nacion com base nas declarações de cada deputado indica que pelo menos 136 devem votar a favor do projeto, o que superaria os 129 votos necessários para que a medida passe no Senado. Outros 108, de tendência peronista ou da esquerda em geral, já indicaram que serão contra.

Com uma pequena minoria no Congresso, Milei depende da chamada "oposição dialoguista", composta por partidos de direita, centro-direita e centro. Nesta quarta, o plenário se dividiu fisicamente nesses blocos, com o lado direito ocupado pelos parlamentares governistas, o esquerdo pelos opositores peronistas, e o centro com os votos em disputa.

A discussão ainda está longe de acabar; alguns estimam que ela durará mais de 30 horas, outros falam em dias. Os legisladores precisam votar o texto como um todo antes de debater em detalhes mais de uma centena de artigos contestados em comissões nas últimas semanas até definirem a redação final. É nessa fase posterior que deve haver mais discordâncias.

"Os deputados nunca trabalharam tanto em janeiro", comenta nas coxias uma funcionária de confiança do governo. O Congresso argentino só volta das férias em março, mas Milei convocou sessões extraordinárias até 15 de fevereiro, ainda prorrogáveis, para apressar a análise do seu pacotão liberal.

Se esses votos se concretizarem, o ultraliberal colherá sua primeira vitória no plenário, mas não sem derrotas. Para chegar ao quórum que permitiu a sessão, o governo teve que desidratar o projeto original, que trazia 664 artigos, e abrir mão de reformas centrais, relativas a assuntos como economia e processo eleitoral.

Na sessão dessa quarta, o governo confirmou a exclusão de mais de uma centena de artigos, prometida em um encontro com a imprensa convocado às pressas pelo ministro da Economia, Luis Caputo, na última sexta (26). "Não queremos que o capítulo fiscal atrase o que acreditamos ser necessário e urgente", disse ele.

Essas eliminações incluem capítulos inteiros sobre temas como trabalho, dívida externa, energia, pesca, taxas a importações e exportações, imposto de renda e fórmula de reajuste das aposentadorias. Com isso, o projeto que será votado pelo plenário tem cerca de 380 artigos, quase 280 a menos do que o original.

Um dos trechos mantidos foi, por exemplo, aquele que abre caminho para que 40 empresas estatais possam ser total ou parcialmente privatizadas, ainda motivo de controvérsia entre os deputados —a petroleira YPF foi retirada da lista anteriormente.

O peronismo tentou levar o projeto de volta às comissões, alegando que ele se tornou um novo texto após as exclusões, mas foi derrotado em votação. "Nunca se viu isso na Câmara de Deputados", queixou-se o líder do bloco peronista, Germán Martínez, ao microfone. "Todos os deputados vão começar esse debate sem saber quais são as modificações que estão sendo propostas."

"O projeto é polêmico, mas apenas para aqueles que querem proteger seus privilégios, que vêm do modelo anterior que nos trouxe até aqui, a este lugar de miséria e indigência. Os jovens estão deixando o país e as empresas estão fugindo", rebateu o deputado José Luis Espert, apoiador de Milei, em fala elogiada pelo porta-voz da Casa Rosada.

Do lado de fora do Congresso, manifestantes de esquerda e de organizações sociais agitavam bandeiras e batiam em panelas pedindo a rejeição da lei. "Se de fato querem liberdade: terra, teto e trabalho", dizia uma faixa pendurada diante de uma fileira de policiais que cercava o edifício.

A tensão subiu no fim da tarde, por volta das 17h30, quando um grupo tentou fechar a avenida para protestar. Eles entraram em confronto com policiais federais, que usaram gás de pimenta para desobstruir a rua, em obediência ao novo "protocolo antipiquetes" adotado por Milei e sua ministra da Segurança, Patricia Bullrich.

Não é a primeira vez que um presidente argentino leva um grande pacote de leis ao Congresso nos primeiros dias de gestão. O antecessor do ultraliberal, Alberto Fernández, enviou um texto com 88 artigos para o Legislativo ao assumir. Antes dele, Mauricio Macri fez o mesmo, apresentando um projeto com 97 pontos.

A proposta de Milei, porém, é não só a mais extensa, como a mais ambiciosa, buscando avanços em temas polêmicos mesmo sem ter maioria no Congresso.

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