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'Lei ônibus' de Milei vai a plenário desidratada e testa apoio ao governo

Presidente argentino teve que retirar partes importantes do projeto para acelerar reformas

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Buenos Aires

O presidente Javier Milei finalmente deverá ver a "lei ônibus" que propôs para promover uma reforma ultraliberal na Argentina ser discutida na Câmara dos Deputados nesta quarta (31). Mas talvez não como imaginou. O projeto chega ao plenário desidratado diante da resistência de parlamentares, governadores e de parte da população.

Dos 664 artigos originais, sobraram cerca de 380. A lei foi sendo depenada pouco a pouco ao longo das últimas três semanas, diante de debates em comissões, de uma greve geral e de intensas negociações do governo para obter quórum, já que o presidente conta apenas com uma pequena minoria do Congresso.

Javier Milei, presidente da Argentina, chega a evento em homenagem a vítimas do Holocausto em Buenos Aires, na última sexta (26) - Agustin Marcarian - 26.jan.24/Reuters

A votação, que pode durar mais de 30 horas porque analisará pontualmente mais de uma centena dos artigos mais controversos, colocará à prova o apoio da chamada "oposição dialoguista" a Milei, formada por partidos de direita, centro-direita e centro. Diferentes forças já indicaram que o acompanharão, mas com ressalvas.

"Até agora há uma clara derrota do governo, porque precisou diminuir a lei ônibus praticamente à metade e retirar grande parte do pacote fiscal. Mas não me atreveria a dizer que é uma derrota total, porque se os deputados a aprovarem, ainda será uma vitória", diz Guido Bambini, analista econômico do Centro de Economia Política Argentina (Cepa).

Um dos artigos que simboliza a meia vitória de Milei é o que lhe concede poderes excepcionais em diversas áreas enquanto durar a situação de emergência no país. O presidente queria que esses poderes durassem por até quatro anos. O texto segue ali, mas o prazo foi reduzido para no máximo dois anos e não valerá para assuntos fiscais e previdenciários.

Em resumo, ficou de fora todo o coração fiscal da reforma, que incluía uma nova fórmula de reajuste da aposentadoria, a ampliação do imposto de renda e o aumento da taxação de exportações. Por outro lado, Milei manteve a possibilidade de contrair dívidas externas sem o aval do Congresso e de privatizar total ou parcialmente 40 estatais, por exemplo.

Para que a sessão ocorra nesta quarta, é necessário um quórum de 129 dos 257 deputados, dos quais metade mais um precisam votar a favor da medida para que ela siga ao Senado.

Segundo cálculo feito pelo jornal Clarín, o governo conseguiu somar até aqui pelo menos 116 deputados que devem votar total ou parcialmente a favor da medida, enquanto a coalizão peronista e a esquerda reúnem ao menos 104 que votarão completamente contra.

"Daremos as ferramentas para que um governo que acaba de começar possa levar adiante seu plano de gestão. Apesar da desorganização do Executivo, não nos guiam questões pessoais, nem o apoio a pessoas. A Argentina precisa estabilizar sua economia e dar certezas", publicou o deputado Rodrigo de Loredo, à frente do partido UCR (União Cívica Radical).

Já Germán Martinez, líder do bloco peronista União pela Pátria, referiu-se à lei como um dos "maiores vexames parlamentares" da Argentina. "Nenhum dos 55 deputados que assinaram o parecer da 'lei ônibus' conhecia o texto que assinavam. E nenhum dos 257 deputados começará a possível sessão sabendo o que será colocado em votação", criticou.

Os recuos de Milei aconteceram em sucessão. No dia 22, após duas semanas de debates, o governo abriu mão de alguns pontos e apresentou uma nova versão do projeto que excluía 141 artigos, eliminando uma reforma eleitoral que pretendia acabar com as eleições primárias e retirando a petroleira YPF da lista de privatizações.

Isso permitiu que, na madrugada do dia 24, horas antes da greve geral convocada por centrais sindicais contrárias à lei ônibus, as comissões da Câmara chegassem a um "parecer de maioria", consentindo que o texto fosse a plenário. No total, 55 deputados assinaram o relatório favorável ao governo, mas 34 deles com "dissidência parcial".

A equipe do presidente tentou que a votação ocorresse ainda naquela semana, mas novas discordâncias travaram o debate e geraram uma série de farpas públicas entre o governo, governadores e deputados das diferentes forças políticas.

Na sexta (26), então, o ministro da Economia, Luis Caputo, convocou uma entrevista coletiva de última hora e anunciou a retirada de toda a parte fiscal do pacote.

"Há discordâncias no capítulo econômico, ouvimos todos e compartilhamos muitas dessas reivindicações. Tivemos que tomar decisões desconfortáveis para alcançar o déficit zero, mas de maneira alguma queremos que este capítulo fiscal atrase o que acreditamos ser necessário e urgente", disse ele.

Foi o que aliviou as negociações e fez com que os deputados permitissem que o texto chegasse ao plenário. O governo, porém, continua argumentando que não abrirá mão do déficit zero e que, já que parte das medidas foram travadas, terá que cortar por outros lados.

"Milei defende que a 'lei ônibus' e o seu decreto de urgência [que impôs outras centenas de reformas e ainda não foi discutida pelo Congresso] são os pilares que permitirão um plano de estabilização. Mas esse plano até hoje não existe", critica o economista Guido Bambini. "Enquanto isso, trabalhadores e aposentados veem seu poder de compra ir embora com uma inflação de 25% ao mês."

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