EUA fazem reuniões secretas com Irã para reduzir ataques no mar Vermelho

Negociações entre nações inimigas em Omã tiveram como objetivo acabar com os ataques dos houthis contra navios

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Felicia Schwartz Andrew England
Washington e Londres | Financial Times

Os Estados Unidos tiveram conversas secretas com o Irã para tentar convencer Teerã a usar sua influência sobre os rebeldes houthis do Iêmen para encerrar os ataques a navios no mar Vermelho, segundo autoridades dos dois países.

Imagem de satélite mostra navio de bandeira do Belize e carga do Reino Unido que foi atacado por rebeldes houthis no mar Vermelho
Imagem de satélite mostra navio de bandeira do Belize e carga do Reino Unido que foi atacado por rebeldes houthis no mar Vermelho - 1º.mar.24/Divulgação Maxar Technologies via Reuters

As negociações, durante as quais Washington manifestou preocupações sobre o programa nuclear em expansão do Irã, ocorreram em Omã em janeiro e foram as primeiras entre os inimigos em ao menos dez meses.

A delegação dos EUA foi liderada pelo conselheiro de Oriente Médio da Casa Branca, Brett McGurk, e pelo enviado do Irã, Abram Paley. O vice-chanceler iraniano Ali Bagheri Kani, principal negociador nuclear de Teerã, representou a república islâmica.

Autoridades de Omã fizeram a ponte entre os representantes iranianos e americanos para que não falassem diretamente.

Essas conversas evidenciam como a administração Biden está usando canais diplomáticos com seu inimigo, ao lado de dissuasores militares, na tentativa de desinflar uma onda de hostilidades regionais envolvendo grupos apoiados pelo Irã, desencadeada pela guerra entre Israel e Hamas.

Autoridades americanas veem um canal indireto com o regime iraniano como "um método para atenuar toda a gama de ameaças provenientes" do país, disse uma pessoa familiarizada com o assunto. Isso incluía, entre outras coisas, transmitir "o que eles precisam fazer para evitar um conflito mais amplo, como afirmam querer".

Uma segunda rodada de negociações envolvendo McGurk estava agendada para fevereiro, mas foi adiada quando ele ficou ocupado com os esforços dos EUA para intermediar um acordo entre Israel e Hamas para interromper a guerra em Gaza e garantir a libertação de reféns israelenses mantidos na Faixa, segundo Washington.

"Temos muitos canais para passar mensagens ao Irã", disse um porta-voz do Departamento de Estado dos EUA.

Desde o ataque do Hamas a Israel em 7 de outubro, que desencadeou a guerra, o Hezbollah, movimento libanês apoiado pelo Irã, tem trocado ataques diários com Israel; os houthis atacaram dezenas de navios, incluindo navios mercantes e navios de guerra dos EUA; e as milícias iraquianas alinhadas ao Irã lançaram dezenas de mísseis e drones contra forças americanas no Iraque e na Síria.

Os EUA acusaram repetidamente Teerã de fornecer aos houthis drones, mísseis e inteligência para conduzir seus ataques a navios.

O Irã reconhece seu apoio político aos houthis, que controlam o norte do Iêmen e justificaram seus ataques como apoio aos palestinos. No entanto, Teerã insiste que os rebeldes agem de forma independente.

"O Irã repetidamente disse que só tem uma forma de influência espiritual [sobre os rebeldes]. Eles não podem ditar aos houthis, mas podem negociar e conversar", disse um oficial iraniano.

Porém, houve sinais de que Teerã buscou amenizar as tensões com Washington desde que um ataque com drone a uma base militar dos EUA na fronteira da Jordânia com a Síria matou três soldados americanos.

Depois que o presidente dos EUA, Joe Biden, prometeu responsabilizar os autores do ataque, o Irã retirou comandantes de alto escalão de sua Guarda Revolucionária de elite da Síria.

Dias depois, em 2 de fevereiro, as forças americanas realizaram uma onda de ataques contra forças afiliadas ao Irã na Síria e no Iraque.

Não foram lançados ataques contra bases americanas no Iraque e na Síria desde 4 de fevereiro, com autoridades dos EUA dizendo que houve indicações de que Teerã trabalhou para conter as milícias iraquianas.

O oficial iraniano afirmou que, quando o brigadeiro-general Esmail Ghaani, comandante da força Quds, a ala da guarda responsável por operações no exterior, visitou Bagdá no mês passado, ele disse às milícias iraquianas para "gerenciarem seu comportamento de forma a não permitir que os EUA envolvam o Irã".

Embora o objetivo final de Teerã seja expulsar as forças americanas do Iraque e da Síria, o regime deixou claro que deseja evitar um conflito direto com os EUA ou Israel e evitar uma guerra regional.

Os houthis, no entanto, continuaram a atacar navios, apesar de múltiplas ofensivas dos EUA e do Reino Unido contra suas instalações militares. O grupo lançou 99 ataques no mar Vermelho e nas águas circundantes —afetando 15 navios comerciais, incluindo quatro embarcações americanas — desde outubro.

Autoridades americanas reconhecem que a ação militar sozinha não será suficiente para dissuadir os houthis, e acreditam que, em última instância, Teerã precisará pressionar o grupo para contê-lo.

Embora os houthis sejam menos próximos de Teerã ideologicamente do que outros grupos, a relação se aprofundou à medida que o movimento se tornou um membro cada vez mais importante do chamado "eixo de resistência" apoiado pelo Irã.

Potências ocidentais também estão preocupadas com o programa nuclear do Irã, já que Teerã continua a enriquecer urânio em níveis próximos aos de armas. Isso havia sido um foco da administração Biden antes de 7 de outubro, quando buscava conter a crise desencadeada pela retirada unilateral do ex-presidente Donald Trump do acordo nuclear de 2015 que o Irã assinou com potências mundiais.

Em setembro, Teerã e Washington concordaram com uma troca de prisioneiros, e os EUA descongelaram US$ 6 bilhões (R$ 29,8 bi) do dinheiro do petróleo do Irã que estava retido na Coreia do Sul. Os fundos foram transferidos para uma conta no Qatar.

Junto com esse acordo, a administração Biden buscava concordar com medidas de desescalada não escritas com Teerã, incluindo um limite em seu enriquecimento de urânio.

Mas o início da guerra entre Israel e Hamas frustrou as esperanças de progresso, e o Irã não conseguiu acessar os bilhões transferidos para o Qatar. Os EUA não congelaram os fundos, mas o processo de identificar quais empresas estrangeiras estão autorizadas a negociar bens humanitários com a república usando o dinheiro estagnou, frustrando Teerã, que enfrenta crescentes pressões econômicas.

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