Ucrânia ataca refinarias na Rússia; Putin volta a falar em guerra nuclear

Russo diz que eleição que começa na sexta é motivo para onda de ações no seu país

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Moscou e São Petersburgo

A dois dias da eleição que irá reconduzir Vladimir Putin à Presidência, a Ucrânia intensificou seus ataques contra o território do país que a invadiu há dois anos. Foram ao menos 78 drones lançados entre terça (12) e a manhã desta quarta (13), com três refinarias em chamas, além de incursões em regiões fronteiriças.

"O principal objetivo, não tenho dúvida, é, se não perturbar as eleições presidenciais na Rússia, ao menos de alguma forma interferir com o processo normal de expressão da vontade dos cidadãos", afirmou Putin em uma entrevista à agência RIA e à TV estatal Rússia-1.

Imagem do governo russo mostra tanque ucraniano que teria sido destruído tentando entrar no país
Imagem do governo russo mostra tanque ucraniano que teria sido destruído tentando entrar no país - Ministério da Defesa da Rússia/Reuters

O presidente voltou a sacar a carta nuclear ao falar do conflito, uma tática que usa desde o início da guerra para tentar manter vivo o temor do Ocidente de escalar o apoio a Kiev. "Do ponto de vista técnico-militar, nós estamos, claro, prontos", disse ao entrevistador sobre a eventualidade de uma guerra nuclear.

Negou ter pensado em empregar armas do tipo na Ucrânia, como o governo americano especulou, e disse novamente que não vê razão para tal. "Estamos em permanente prontidão de combate", afirmou.

O principal foco dos ucranianos, desde a terça, foram refinarias russas. Bombeiros trabalhavam para conter o fogo na planta da empresa Lukoil em Níjni-Novgorod, cerca de 400 km a leste de Moscou. Ela foi atingida por um drone na véspera e teve a produção, que atende a 5% da demanda interna russa, paralisada.

Em Riazan (200 km a sudeste de Moscou), outra refinaria foi alvejada na manhã desta quarta, pegando fogo. Os danos não são ainda conhecidos. Ao mesmo tempo, outro drone tentou atingir uma refinaria próxima de São Petersburgo, em Kirichi. É a segunda vez em uma semana que isso acontece, e o aeroporto da cidade foi fechado temporariamente.

"Na quinta (7), estávamos saindo para almoçar e ouvimos uma explosão. Depois, vimos que um drone tinha atingido um prédio aqui perto, a caminho da refinaria", contou na terça a tradutora Elena Ivanova, mostrando a foto dos danos não tão grandes a um edifício de tijolos escuros em seu celular. "Já estamos acostumados."

A maior onda de ataques ocorreu nesta quarta, com seis regiões russas registrando derrubada de 30 aparelhos vindos da Ucrânia. Não houve relatos de feridos, mas, além das refinarias, diversas casas foram atingidas e, em Belgorodo (sul), a energia foi cortada em algumas vilas.

Também nesse quadrante do país houve ao menos cinco incursões de grupos armados saídos da Ucrânia. Eles dizem ser russos contrários ao governo de Putin apoiados por Kiev, mas segundo o Ministério da Defesa em Moscou estavam apoiados por artilharia e blindados ucranianos.

A extensão da ação, ocorrida em Belgorodo e na vizinha região de Kursk, não é conhecida. Blogueiros militares russos falaram em combates ocorrendo nas vilas de Odnorobovka, Nekhoteievka e Spodariuchino, mas que os invasores teriam sido repelidos.

Por fim, a imprensa ucraniana diz que drones atingiram uma base aérea e um campo de pouso em Buturlinovka, na região de Voronej (sul). Não há confirmação desta ação.

Na Ucrânia, por sua vez, os combates seguem em ritmo menos acelerado, com a Rússia estabelecendo controle sobre áreas recém-conquistadas no leste, mas tendo dificuldade para avançar. Ataques com drones mataram 3 e feriram 30 em Krivii Rih, cidade natal do presidente Volodimir Zelenski, e atingiram outros locais.

As ações visam, e nisso o presidente está certo, ao impacto psicológico na Rússia. Em grandes cidades, como Moscou e São Petersburgo, a guerra é um tema majoritariamente ausente do cotidiano —há poucas lembranças além de outdoors chamando jovens para se alistar como profissionais e outros, celebrando os caídos em batalha.

Não há, contudo, grandes fanfarras patrióticas. "Nós vamos levando a vida. Eu mesmo não tenho muito interesse na guerra", disse Elena, ignorando o vaticínio feito no começo do século 20 pelo revolucionário comunista Leon Trótski (1879-1940): "Você pode não estar interessado na guerra, mas a guerra está interessada em você".

Ela disse que não irá votar nesta eleição, "porque já sabe o resultado". Isso é uma certeza, dada a estrutura do sistema político russo, que não comporta uma oposição real. Não que Putin não seja popular; ao contrário: pesquisas independentes lhe dão mais de 85% de aprovação. Mas não há espaço para dissenso, particularmente depois da guerra.

Na sexta (15), os russos poderão começar a votar de forma antecipada, no pleito que culmina no domingo (17). Há uma expectativa de que os ucranianos deverão escalar suas ações, buscando algum efeito mais espetacular para lembrar os russos do conflito. Até aqui, não há reforço visível de policiamento na capital, mas é previsível que ocorra.

Na entrevista, Putin voltou à carga contra o Ocidente, a quem culpa pela tensão vigente, e disse que irá trabalhar com "qualquer presidente" que for eleito em novembro nos EUA, após ter dito que preferia a vitória da previsibilidade do atual, Joe Biden, ante o republicano Donald Trump.

Considerando a admiração expressa por Trump pelos modos do putinismo ao longo dos anos, noves fora acusações não provadas de que o Kremlin interferiu em seu favor com ataques hacker contra democratas e desinformação em rede na vitória de 2016, a frase foi vista como uma mãozinha para o ex-presidente —Putin, afinal, é pária para o Ocidente.

O presidente disse que, em 2022, Trump o criticou durante a campanha que o republicano perdeu por simpatizar com Biden. "Ele me perguntou: você quer que Joe Dorminhoco ganhe?", disse, citando o apelido usado pelo ex-presidente para desqualificar o mais idoso sucessor —Trump tem 77 anos, e Biden, 81.

A porta-voz do Ministério das Relações Exteriores, Maria Zakharova, por sua vez, voltou a acusar os EUA de planejar ataques cibernéticos ao sistema de votação eletrônica da Rússia durante a eleição. Zakharova também disse que Washington encarregou ONGs de minar as eleições. Nenhuma das acusações foram acompanhadas de provas.

Putin também detalhou os valores das medidas de dispêndio social e em infraestrutura que havia prometido em fala ao Parlamento no fim de fevereiro: 14 trilhões de rublos, ou R$ 760 bilhões no câmbio de hoje.

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